A ideia de que jogos de mata-mata são, via de regra, mais emocionantes e aprazíveis do que partidas de competições de pontos corridos cai por terra com um exame detalhado da história da Serie A do Campeonato Italiano. Um grande exemplo que desmonta argumentos contrários foi o jogaço entre Napoli e Milan, pelo segundo turno da temporada 1987-88.
A 28ª rodada daquela Serie A colocou frente a frente o primeiro e o segundo colocados da competição. Napoli e Milan, que disputavam o scudetto ponto a ponto, se enfrentaram no estádio San Paolo, em Nápoles, no dia 1º de maio de 1988. Era a chance de os azzurri, comandados por Diego Maradona e Careca, darem o troco pelo 4 a 1 sofrido em San Siro no primeiro turno e caminharem rumo ao bicampeonato. Porém, do outro lado estava uma equipe treinada pelo então promissor Arrigo Sacchi, que contava com Franco Baresi, Paolo Maldini, Ruud Gullit e Marco van Basten.
O jogo foi truncado e sem grandes chances de gol nos primeiros 45 minutos. Porém, o Milan de Sacchi dominou a segunda metade da partida e, com duas assistências do seu camisa 10, Ruud Gullit, para os gols de Pietro Paolo Virdis e Van Basten, venceu o confronto e encaminhou o seu 11º título nacional.
O Milan havia chegado para o jogo com um ponto a menos que o líder Napoli e precisava da vitória no confronto direto para depender apenas de si nas últimas duas rodadas da competição. O triunfo milanista foi fundamental para a equipe de Sacchi, que garantiu o título apenas na última rodada, quando empatou com o Como e viu o Napoli perder o seu terceiro jogo seguido e dar adeus ao scudetto.
O jogo
A partida começou muito truncada. Os dois times erravam passes bobos, sentindo o nervosismo de um confronto que definiria quem se sagraria campeão italiano ao fim das 30 rodadas. Com a vantagem do empate, uma vez que liderava a competição, o Napoli se fechou, seguindo os preceitos de seu comandante, Ottavio Bianchi. Os azzurri defendiam em bloco baixo e tinham Maradona e Careca ameaçando uma maior pressão na saída de bola rossonera. Recuado em seu próprio campo, o Napoli dificultava o jogo milanista, que pouco criou nos primeiros 45 minutos de partida.
Apesar de ter mais a posse da bola, o Milan não conseguia se impor diante do Napoli. O excesso de erros de passe, de ambos os lados, prejudicou a qualidade técnica do primeiro tempo – o que foi amplificado pelo fato de os donos da casa não se importarem em trabalhar com chutões do goleiro Claudio Garella e lançamentos longos do líbero Alessandro Renica para Maradona ou Careca. Assim, não foi de surpreender que os dois gols dos primeiros 45 minutos tenham saído de bolas paradas.
Até o primeiro gol rossonero, que saiu aos 36 minutos de jogo, quem havia levado mais perigo era o Napoli, principalmente com Maradona. Uma roubada de bola no campo de defesa do Milan e um escanteio cobrado na medida para Giovanni Francini assustaram a torcida rossonera. Mas Virdis, faltando nove minutos para o intervalo, aproveitou uma cobrança de falta que desviou na barreira: a bola se ofereceu para ele e, de dentro da área, o sardo abriu o marcador para a equipe do norte.
O Napoli não demorou para responder e, com Maradona, foi buscar o empate aos 45 minutos. O camisa 10 argentino sofreu falta na entrada da área, foi para a cobrança e acertou um belíssimo chute, certeiro, no ângulo de Giovanni Galli. O goleiro até tocou na bola, mas não conseguiu impedir o gol do craque napolitano.
Se o primeiro tempo foi nervoso, truncado, cheio de erros e com uma pequena vantagem para o Napoli, o segundo foi bem jogado e com domínio milanista. Com uma forte marcação em cima de Maradona, muitas vezes com três homens pressionando o camisa 10, o Milan conseguiu minimizar os danos causados pelo argentino e cresceu na partida devido a uma alteração tática feita por Sacchi.
No intervalo, o treinador sacou um sumido Roberto Donadoni e colocou Van Basten, recuando Gullit para organizar o jogo e comandar o time pela faixa central. Assim, os milanistas modificaram o funcionamento de seu 4-4-2: Angelo Colombo continuou caindo pela direita, mas Alberico Evani e Carlo Ancelotti continuaram atuando pelo centro, sendo que o primeiro tinha mais atribuições ofensivas. Isso acabou bloqueando as linhas de passes para Maradona, visto que Fernando De Napoli, Francesco Romano e Salvatore Bagni tiveram de se dedicar a outras atribuições em campo e pouco tiveram a posse da bola nos 45 minutos finais.
Como precisava do resultado, o Milan se lançou ao ataque e, pelas alterações realizadas, dominou a posse de bola, além de ter conseguido diminuir os erros de passe por conta da qualidade de Gullit na organização. Dessa forma, o Diavolo chegaou ao segundo gol aos 68 minutos, após boa jogada individual do camisa 10 holandês. Ruud cruzou na medida para Virdis anotar a sua doppietta e devolver, temporariamente, a liderança da partida e da competição para o Milan.
Dominando a partida e sufocando o Napoli em seu próprio campo, o Milan não demorou muito para ampliar a vantagem, em mais uma jogada criada por Gullit. Simba puxou o contra-ataque e rolou para Van Basten, seu conterrâneo, só colocar pra dentro. Sem oferecer muita resistência e ainda abusando de chutões para sair do sufoco, o Napoli achou o seu gol em uma falha defensiva milanista, aos 78, dois minutos depois de sofrer o terceiro gol. Após cobrança de lateral, Romano apareceu livre para cruzar, no segundo pau. Careca subiu mais do que a defesa rossonera e diminuiu o marcador.
Apesar de precisar do empate e de ter diminuído a diferença, o Napoli não aproveitou o ímpeto de sua ensandecida e barulhenta torcida no San Paolo. O time campano nem passou perto de empatar – e, consequentemente, de se manter na ponta da tabela. Ao contrário: os 12 minutos finais do jogo viram um Milan muito mais próximo de anotar o seu quarto gol. Comandado por Gullit, o Diavolo encontrava espaço na defesa partenopea e só não chegou ao quarto e ao quinto tentos por erros bobos no último passe. O que poderia ter lhe custado muito caro, se o time de Bianchi não estivesse entregue, precisando única e exclusivamente de lances geniais de Maradona.
Com a vitória, o Milan assumiu a ponta da Serie A com dois pontos de vantagem para o Napoli. Na 29ª rodada, o time de Sacchi empatou com a Juventus por 0 a 0, enquanto o Napoli perdeu para a Fiorentina por 3 a 2, o que levou a vantagem dos lombardos para três pontos. Dependendo apenas de si para levantar o caneco, o Diavolo empatou com o Como na última rodada e o Napoli perdeu novamente para a Sampdoria. Dessa forma, estava inaugurada uma dinastia: com futebol propositivo e revolucionário, Sacchi ganharia o seu (único) scudetto e o primeiro de seus oito títulos pelo gigante rossonero.
Napoli 2-3 Milan
Napoli: Garella; Renica; Bruscolotti (Carnevale), Bigliardi, Ferrara; Bagni (Giordano), De Napoli, Romano, Francini; Careca, Maradona. Técnico: Ottavio Bianchi.
Milan: G. Galli; Tassotti, F. Galli, Baresi, Maldini; Colombo, Ancelotti, Evani, Donadoni (Van Basten); Virdis (Massaro), Gullit. Técnico: Arrigo Sacchi.
Gols: Maradona (45′) e Careca (78′); Virdis (36′ e 68′) e Van Basten (76′)
Árbitro: Rosario Lo Bello (Itália)
Local e data: San Paolo, Nápoles (Itália), em 1º de maio de 1988.