Técnicos

Emiliano Mondonico foi a cara do ‘baixo clero’ do futebol italiano

Títulos? Pouquíssimos. Trabalhos nos gigantes italianos? Nenhum. E em times médios para grandes? Apenas três. Mesmo assim, o técnico Emiliano Mondonico foi um dos mais marcantes nas séries A e B em mais de três décadas de atividade, nas quais construiu uma verdadeira relação de afeto com quase todas as torcidas que representou – e não só: com sua simpatia, foi benquisto pelos amantes do futebol italiano e pelos que gostam de ver milagres dos pequenos. Mondo ocupou, também, o segundo posto em número de acessos à elite, com cinco.

Como jogador, Mondo, como era carinhosamente chamado, não teve uma carreira brilhante. Lateral de origem, ele se tornou ponta, construiu quase toda a sua carreira na Cremonese, time da província em que nasceu, e teve curtas passagens por Torino, Monza e Atalanta – com exceção do Monza, equipes que viria a treinar com sucesso anos depois. Pela equipe de Cremona, conquistou um título da Serie D e outro da C, além de ter se tornado seu grande artilheiro, com 88 gols. Na elite, jogou apenas 16 vezes, com as camisas do Toro e da Atalanta. Sem problemas: ao longo de sua vida, Mondonico mostrou ser um cara perfeito para as divisões inferiores e para a superação de barreiras.

Depois de se aposentar, aos 32 anos, o bigodudo Emiliano Mondonico assumiu instantaneamente o cargo de técnico dos juvenis da Cremonese, o qual ocupou até meados da temporada 1981-82, quando substituiu Guido Vincenzi, técnico do time principal, a seis rodadas do fim da Serie B. Em sua primeira experiência como treinador de um time profissional, sucesso: conseguiu manter os grigiorossi na segundona, à frente de oito equipes, mas apenas com um ponto de vantagem sobre o Rimini, que acabou rebaixado.

O feito fez com que o presidente Domenico Luzzara – o maior dirigente do clube de Cremona, com 35 anos no cargo – efetivasse Mondonico como técnico do time principal. A aposta deu certo: Mondo conduziu a equipe a uma temporada muito boa, iluminada pela promessa Gianluca Vialli. Os grigiorossi ficaram com a terceira posição na Serie B, atrás de Milan e Lazio, e teve de decidir com Catania e Como, que terminaram empatados em pontos, quem subiria para a primeira divisão.

Os primeiros passos de Mondo como técnico aconteceram em Cremona, onde teve carreira como jogador (Arquivo/US Cremonese)

Em três jogos-desempate, melhor para o Catania, único que conseguiu vencer – a Cremonese ficou em dois 0 a 0. Na temporada seguinte, porém, veio a alegria: a equipe voltou a ficar com o terceiro lugar, mas desta vez conseguiu subir. A festa em Cremona foi enorme, afinal a equipe não jogava a Serie A há 54 anos, desde os primórdios do torneio – a Cremonese foi um dos times fundadores da competição, em 1929.

Para a disputa da elite, em 1984, o time não contaria com Vialli, negociado com a Sampdoria. Para tentar minimizar a saída da estrela da companhia, o presidente Luzzara deu a Mondonico as contratações do experiente zagueiro polonês Wladyslaw Zmuda e do atacante brasileiro Juary, mas não foi suficiente: o time foi o lanterna do campeonato, juntamente com a Lazio. Mondonico contava com o apoio da diretoria e não foi demitido. Pelo contrário, permaneceu no clube por mais uma temporada, na qual não conseguiu o acesso novamente.

O Como, que voltava a aparecer na Serie A nos anos 1980, deu a Mondonico a oportunidade de comandar o elenco em seu terceiro ano consecutivo na elite. O treinador fez um bom trabalho pelos lariani, levando a equipe à nona posição, e a uma salvezza com alguma folga. O time marcava pouquíssimos gols (foram 16 em 30 jogos), mas também sofria pouco (20 em 30). Curiosamente, Mondo não permaneceu, muito menos acertou com um time mais bem classificado na tabela: foi contratado pela Atalanta, que havia sido rebaixada à Serie B, mas que, pelo vice-campeonato na Coppa Italia (ante o Napoli, que também foi campeão italiano), jogaria a Recopa.

Na Atalanta, Mondonico comandou Caniggia e Evair (Getty)

Em Bérgamo, Mondonico realizou um de seus melhores trabalhos. O ano não começou bem para o time nerazzurro, que foi eliminado da Coppa Italia, tropeçou na primeira partida da Recopa Europeia frente ao Merthyr Tydfil, time amador galês, e acumulou apenas três vitórias nas primeiras rodadas da Serie B. No entanto, o técnico foi mantido, a maré mudou, e se a Atalanta parecia um time pouco confiável, agora brilhava.

Comandado pelo meia sueco Glenn Peter Strömberg, pelo meia Valter Bonacina e pelo atacante Oliviero Garlini, a equipe orobica subiu de produção e chegou às semifinais da Recopa, depois de bater o Sporting Lisboa. O time caiu para o time que seria campeão: o belga Mechelen, do goleiro Michel Preud’homme, por critérios de desempate (cada um dos times venceu uma partida por 2 a 1). Após a queda na competição continental, a Atalanta acabou voltando à Serie A, graças ao quarto lugar na série cadetta.

Na segunda temporada no time bergamasco, Mondo ganhou dois reforços de peso para a elite: chegaram o sueco Robert Prytz e o brasileiro Evair, que levantaram o patamar da equipe. Naquela temporada, em que o ex-atacante do Guarani se destacou, Mondo levou a Dea à 6ª colocação, à frente de Fiorentina, Roma, Lazio e Torino, conquistando a vaga para a Copa Uefa, feito inédito para os orobici.

Em seu melhor trabalho, Mondonico levou o Torino à final da Copa Uefa (Getty)

Na mesma temporada, a Atalanta foi até as semifinais na Coppa Italia, quando acabou eliminada pela futura campeã, a Sampdoria de Roberto Mancini, Gianluca Vialli e Toninho Cerezo. O ano seguinte também foi bom para a equipe, que contratou Claudio Cannigia e ficou com a sétima posição, garantindo uma vaga na Copa Uefa outra vez.

Ao fim da temporada 1989-90, Mondonico subiu mais um degrau na carreira. Fechou com o tradicional Torino, clube pelo qual também havia jogado, e que acabara de ter vencido a Serie B, graças aos gols de Müller. Na temporada de volta à elite, o Toro não quis mais contar com Eugenio Fascetti, acusado de praticar um futebol tímido, e convidou Mondo. Deu certo.

Sob as ordens de Emiliano, o time grená foi uma das surpresas do campeonato, ao lado do Genoa de Osvaldo Bagnoli. Com um elenco relativamente modesto – comparado a esquadrões como os de Sampdoria, Milan, Inter, Napoli e Juventus –, teve a terceira melhor defesa do torneio, com 29 gols sofridos, e abocanhou a quinta posição, classificando-se à Copa Uefa.

Mondonico também construiu bela história pela Atalanta, equipe em que teve duas passagens (Liverani)

Ao final da temporada, Mondonico garantiu seu primeiro troféu como treinador. A Copa Mitropa (ou Copa da Europa Central) havia se tornado uma competição de tiro curto, disputada depois do término dos campeonatos locais, entre campeão e vice da segunda divisão italiana e os campeões das segundonas de Áustria, Hungria e República Checa. O time grená ganhou o reforço do veterano Júnior por uma semana e ficou com o título, batendo o Pisa.

A obra-prima da carreira de Mondo, porém, foi o trabalho realizado na temporada 1991-92, em que o ponto “baixo” foi na Coppa Italia, competição em que os granata caíram para um fortíssimo Milan nas quartas de final. A equipe, que já tinha Luca Marchegiani, Roberto Cravero, Roberto Mussi, Rafael Martín Vázquez e Gianluigi Lentini como principais nomes, ganhou os reforços do meia Vincenzo Scifo e do atacante Walter Casagrande.

Com a dupla estrangeira, o Toro viveu uma de suas melhores temporadas após a década de 1940, marcada pelo Grande Torino. Mondonico conduziu o time a um terceiro lugar na Serie A, com a melhor defesa do torneio, e ainda colocou o Torino em uma inédita final de competição europeia, na Copa Uefa.

Em sua segunda experiência pelo Torino, Mondonico tirou o time da Serie B, mas não conseguiu mantê-lo na elite (Getty)

No percurso continental, o time grená teve como ponto alto a eliminação do Real Madrid nas semifinais. Após perder na ida, na Espanha, o Torino virou sobre um time que tinha Fernando Hierro, Ricardo Rocha, Robert Prosinecki, Luis Enrique, Gheorghe Hagi, Emilio Butragueño e Hugo Sánchez. Por pouco a final da Copa Uefa não foi italiana: o Ajax passou pelo Genoa e fez a final contra o Toro.

Após o 2 a 2 no Delle Alpi, na ida – dois de Casagrande, em dupla reação grená –, o Torino precisava vencer ou empatar por três ou mais gols em Amsterdam. Porém, o 0 a 0 deu o título aos holandeses, que tinham em seu elenco vários jogadores que atuariam na Itália, como Dennis Bergkamp, Wim Jonk, Aron Winter, John van’t Schip, Bryan Roy e os reservas Edwin van der Sar e Marciano Vink.

Uma das imagens mais marcantes daquela partida foi o protesto de Mondonico por um suposto pênalti em Cravero: ele levantou uma cadeira aos céus, em um gesto que classificou como “um gesto de quem torce contra tudo e todos, de quem perde as estribeiras e reclama com o que há a disposição”. Acabou pegando um gancho de uma rodada, cumprida na temporada seguinte.

No Napoli, viveu um dos seus piores momentos, com mais um rebaixamento para a Serie B (Allsport)

Na campanha seguinte, o técnico teria dificuldades. Isso porque o Torino se desfez de Lentini, Cravero e Benedetti, negociados com Milan, Lazio e Roma, respectivamente, e contratou Carlos Aguilera, do Genoa, e Andrea Silenzi, do Napoli. Apesar do desempenho mediano na Serie A e na Copa Uefa, o Toro conquistou a Coppa Italia, deixando pelo caminho Lazio, a rival Juventus e batendo a Roma na final – vitória por 3 a 0 na ida e derrota por 5 a 2 na volta.

Ainda em 1992-93, o presidente do clube, Gian Mauro Borsano começou a ser investigado por fraudes em suas empresas, o que fez com que o Torino vivesse momento conturbado e perdesse parte de sua força – mesmo que Giovanni Galli, Robert Jarni e Enzo Francescoli tenham sido contratados, saíram Aguilera, Bruno, Casagrande, Marchegiani e Scifo. Após uma temporada apenas regular, o casamento entre Mondo e o Toro foi interrompido.

Dessa forma, o técnico lombardo retornou para a Atalanta, que estava na Serie B após uma boa temporada, dois anos antes, sob o comando de Marcello Lippi. Em seu retorno a Bérgamo, que durou mais quatro anos, Mondonico conseguiu mais um acesso à elite, na qual permaneceu por três anos, e também levou a Dea à final da Coppa Italia em 1996, perdida diante da Fiorentina – curiosamente, time do qual Mondo é torcedor.

Especialista em acessos, Mondo levou a Fiorentina, seu time do coração, à elite (Silpress)

Em 1997-98, com o rebaixamento da equipe, acertou outra vez com o Torino, que também estava na Serie B. Os grenás já atravessavam um momento conturbado, com muitas dívidas, mas voltaram à elite com o vice-campeonato da segundona e os gols de Marco Ferrante. A festa durou apenas uma temporada: em 2000, o Toro voltou a ser rebaixado e Mondonico deixou a equipe.

A saída de Turim foi como um divisor de águas na carreira do técnico. Depois disso, Mondo foi rebaixado com o Napoli e com o Cosenza (na Serie B), e acabou substituindo Alberto Cavasin na sua Fiorentina, no meio da segundona. Da 27ª rodada em diante, o treinador guiou os florentinos até a sexta colocação, que dava direito ao play-off de acesso contra o 15º colocado da Serie A – no caso, o Perugia. Com a vitória no spareggio, Mondonico conquistou seu quinto e último acesso à elite, estabelecendo um recorde até hoje não igualado.

Mondonico permaneceu na Fiorentina por apenas sete partidas da Serie A, e acabou pedindo demissão por atritos com a diretoria. O lombardo passou um ano e meio como comentarista de uma rede de televisão italiana e voltou à ativa treinando o AlbinoLeffe, da província de Bérgamo.

O último trabalho de Mondo foi a volta do Novara à elite (Getty)

Após um ano pelo clube celeste, Mondo retornou à Cremonese, 21 anos depois. Entre idas e vindas, ficou quase dois anos no cargo, sem grandes resultados na Serie C1. Retornou ao Leffe, onde ficou por dois anos. Em 2011, o treinador guiava sua equipe rumo a uma fuga tranquila do rebaixamento, até pedir afastamento, por causa de um tumor que já pesava 5 kg. Operado, ficou fora de ação por quinze dias, voltando a dirigir a equipe rumo à salvezza, após os play-outs. Com o final da temporada, Mondo se afastou novamente do futebol para concluir o tratamento. Em novembro, estava curado do sarcoma.

Em janeiro de 2012, Mondonico teve sua última chance na primeira divisão. Foi chamado às pressas para apagar um incêndio no pequeno Novara, lanterna da Serie A. Substituindo Attilio Tesser, Mondonico ficou apenas seis jogos no cargo, vencendo apenas uma partida, diante da Inter, em pleno San Siro. Foi a última façanha de um treinador que conseguiu tantos milagres dentro e fora dos gramados.

Assim, com mais de 1000 partidas como técnico, Mondonico se aposentou, aos 65 anos. A partir de 2011, ele se tornou comentarista da Rai, emissora em que teve extensa participação no célebre programa La Domenica Sportiva. Nesse período, voltou a se tratar do câncer do intestino, que ressurgiu, mas faleceu em 2018, deixando órfã uma legião de fãs.

Atualizado em 8 de janeiro de 2023.

Emiliano Mondonico
Nascimento: 9 de março de 1947, em Rivolta d’Adda, Itália
Morte: 29 de março de 2018, em Milão, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Cremonese (1966-68 e 1972-79), Torino (1968-70), Monza (1970-71) e Atalanta (1971-72)
Títulos como jogador: Serie D (1968) e Serie C (1977)
Clubes como treinador: Cremonese (1982-86 e 2007-09), Como (1986-87), Atalanta (1987-90 e 1994-98), Torino (1990-94 e 1998-2000), Napoli (2000-01), Cosenza (2001-03), Fiorentina (2003-04), AlbinoLeffe (2006-07 e 2009-11) e Novara (2012)
Títulos como treinador: Copa Mitropa (1991) e Coppa Italia (1993)

Compartilhe!

1 Comentário

Deixe um comentário