Colaborou Caio Brandão, do Futebol Portenho.
Na Itália, nenhum estrangeiro foi tão amado, idolatrado e – por que não – odiado quanto Diego Armando Maradona. Não apenas no futebol, mas em qualquer setor da sociedade. O Pibe, quando desenhava sua divindade e nos momentos em que se enxovalhava em seus aspectos mais mundanos, sempre teve o poder de transcender o esporte. Em campo, sempre foi um adversário irascível.
Os torcedores do Napoli foram os únicos italianos que puderam tê-lo a seu lado – e nem precisa gastar muito tempo para relembrar o quão importante Maradona foi para os partenopei. Excluindo o período de sua trajetória em que defendeu os napolitanos, Diego nunca encarou clubes da Itália em partidas oficiais. Em jogos para valer, teve apenas seis embates contra a Nazionale, sendo três deles em Copas do Mundo.
Maradona e a Itália se cruzaram pela primeira vez em 25 de maio de 1979, num amistoso disputado em Roma. Naquela época, Diego ainda não era D10s ou Barrilete Cósmico: era Dieguito, um garoto de 18 anos, ainda muito promissor, que já caminhava para ser El Diez e El Pibe de Oro. O jovem de Lanús defendia o Argentinos Juniors e, já laureado como artilheiro do campeonato nacional de seu país, faria apenas seu sétimo jogo pela albiceleste.
O craque atuou durante os 90 minutos de uma partida muito bem jogada, que fazia jus ao fato de as seleções serem as campeãs mundiais de 1978, 1982 e 1986. Relativamente tímido, Maradona incidiu pouco na partida até o minuto 56. Antes disso, viu José Daniel Valencia receber um bolão de Daniel Passarella e, aos 7, abrir o placar para a Argentina.
Aos 25, Franco Causio marcou a pintura da noite: recebeu cobrança de lateral, chapelou Hugo Villaverde e encobriu Ubaldo Fillol. No segundo tempo, Paolo Rossi marcou um bonito gol aos 55 e, segundos depois, Dieguito se apresentou. El Pibe usou o corpo e, tirando Giancarlo Antognoni da jogada, acabou fazendo o meia viola cometer pênalti com um toque de braço. Passarella converteu e deu números finais ao duelo.
Três anos depois, quando já estava no Boca Juniors e tinha 21 primaveras, Maradona reencontrou a Nazionale. Calhou de ser em sua primeira Copa do Mundo. Em Barcelona, num 29 de junho de 1982, argentinos e italianos estrearam no triangular da segunda fase de grupos da competição, num jogo em que tivemos três gols de perna esquerda. Nenhum deles, porém, teve a autoria do mais talentoso canhoto em campo.
O palco do embate era o Sarriá – de tristes recordações para os brasileiros, mas que levou imensa felicidade para os italianos. Lá, debaixo de um sol escaldante, o lateral-direito Claudio Gentile foi capaz de anular Dieguito, no jogo que marcou a virada de chave para a Squadra Azzurra.
Após uma primeira fase decepcionante, o time de Enzo Bearzot ganhou da Argentina por 2 a 1, com gols de Marco Tardelli e Antonio Cabrini, em jogadas de contra-ataques perfeitas – Passarella, de falta, descontou. Os argentinos viriam a amargar a eliminação e a Itália terminou o Mundial com o tricampeonato.
Em 5 de junho de 1986, Maradona enfrentou os azzurri pela terceira vez. Naquele momento, já estava íntimo dos adversários: após curta passagem pelo Barcelona, El Pibe reforçara o Napoli em 1984. Seria exatamente a estreita convivência que faria Bearzot escolher o responsável pela marcação ao camisa 10. Ou melhor, o próprio marcador se candidataria por esse motivo.
Salvatore Bagni, amigo do craque e seu companheiro de vestiário na Campânia, se prontificou para o técnico e teve o pedido atendido. Contudo, esqueceu que a familiaridade é uma via de mão dupla: se Salvatore conhecia Diego, Maradona conhecia Bagni. E é claro que foi o argentino que levou a melhor.
No estádio Cuauhtémoc, em Puebla, a albiceleste e a Squadra Azzurra faziam a segunda partida do Grupo A da Copa do México, novamente num cenário de muito calor, como ocorrera em Barcelona, mas ainda pior: a partida ocorria ao meio-dia. Diferentemente do roteiro escrito no Sarriá, porém, Maradona deitou e rolou.
Arrancadas e dribles curtos fizeram parte do repertório do craque naquela peleja, terminada num empate em 1 a 1, que classificava virtualmente as duas equipes. Alessandro Altobelli abriu o placar aos 7 minutos, de pênalti e Dieguito respondeu aos 34, com uma finalização cheia de técnica, que deixou Gaetano Scirea e Giovanni Galli chupando dedo.
Aquele Mundial consagrou Maradona como D10s. Enquanto os azzurri caíram nas oitavas de final, o craque conduziu a Argentina de Carlos Bilardo ao bicampeonato com jogadas geniais contra Inglaterra, Bélgica e Alemanha Ocidental, que o levaram de vez ao panteão das maiores figuras que o esporte já produziu. Depois do título, já consolidado como astro global, Diego voltou a defender a seleção sul-americana um ano depois, justamente contra a Itália.
Como forma de promover a Copa de 1990, a Fifa – então dirigida pelo brasileiro João Havelange – decidiu convidar a Argentina, campeã, e a Itália, sede da competição, para um amistoso. A partida ocorreu em junho de 1987, em campo neutro: o estádio Hardturm, em Zurique, na Suíça. Além do presidente da entidade e autoridades das duas nações, Pelé estava presente para o pontapé inicial e posou para fotos com Altobelli e Maradona, capitães das equipes.
Dentro de campo, Diego não brilhou muito na derrota argentina, pelo placar de 3 a 1. Na verdade, foi ofuscado por Gianluca Vialli, que fez duas grandes jogadas, com dribles desconcertantes sobre José Luis Cuciuffo e Sergio Goycochea, e criou dois gols.
No primeiro deles, Óscar Garré anotou contra e lhe tirou a glória, mas o outro teve sua autoria. Colega de clube de Maradona, Fernando De Napoli também deixou sua marca. Dieguito também anotou, sem querer. Depois de uma bola levantada na área, Hernán Díaz finalizou e a bola procurou o joelho do craque, o que tirou Walter Zenga do lance.
Antes do principal duelo entre Maradona e a seleção italiana, pela Copa do Mundo de 1990, Argentina e Itália fizeram um amistoso natalino, em Cagliari. Num Sant’Elia lotado, no dia 20 de dezembro de 1989, não houve presente para a torcida: o resultado foi apenas um chocho 0 a 0. Diego guardou sua magia para levar o Napoli ao bicampeonato nacional e para tentar levar os portenhos ao tri mundial.
Tal qual a Itália, a Argentina era uma das grandes postulantes ao título daquela Copa. Porém, quis o destino que a albiceleste tropeçasse ante Camarões e Romênia, na fase de grupos, e ficasse no mesmo lado da chave da Nazionale. Um caminho que levou as duas seleções a se enfrentarem no estádio San Paolo, casa do Napoli. Casa de Maradona.
El Diez, napolitano por adoção, não poupou palavras e, a seu estilo, convidou os seus irmãos citadinos a torcerem por ele e pela Argentina. “Durante 364 dias do ano a Itália se refere a vocês como terroni [adjetivo pejorativo, de cunho xenófobo] e, hoje, pedem para que torçam pela seleção italiana”, declarou, acirrando os ânimos. O estádio não chegou a se dividir meio a meio, mas houve quem torcesse também pelo sucesso de Maradona.
Dentro de campo, a partida foi muito pegada e pouco espaço foi oferecido para que os grandes craques pudessem se sobressair tecnicamente. Azeglio Vicini chegou a orientar Franco Baresi, Giuseppe Bergomi e Paolo Maldini a dobrar ou até triplicar a marcação sobre o Barrilete Cósmico, em determinadas ocasiões. Assim, encaixotado, Maradona encontrou dificuldades de criar.
Depois que Salvatore Schillacci abriu o placar, aos 18 minutos, o jogo ficou ainda mais truncado do que o esperado. Para a Argentina, quem conseguiu desenrolá-lo foi Claudio Caniggia, grande parceiro de Diego. Pouco depois de quase anotar seu gol, o cabeludo aproveitou uma saída em falso de Zenga e se antecipou para, de cabeça, empatar, aos 67. O tento não modificou o panorama da partida, que foi para a prorrogação – período em que Roberto Baggio, de falta, quase marcou para a Nazionale – e, por fim, para os pênaltis.
Nas cobranças, Maradona foi vaiado, mas levou a melhor. O craque converteu a sua (a quarta albiceleste) e viu Goycochea defender as finalizações de Roberto Donadoni e Aldo Serena, classificando os argentinos para a final. No Olímpico, a rivalidade entre Diego e os nortistas continuou à flor da pele: quando os italianos vaiaram o hino dos sul-americanos, o craque foi flagrado pelas câmeras mandando um sonoro “hijos de puta” em resposta. Daquela vez, contudo, quem secou o Pibe riu por último, já que a Alemanha Ocidental acabou sendo campeã, com gol do interista Andreas Brehme, no finalzinho.
Ao fim da Copa do Mundo, Dieguito retornou à Campânia e viveu uma última e atribulada temporada com a camisa do Napoli. Atritos com a diretoria, desfalques em partidas e uma vida extracampo regada a ilicitudes culminaram no exame antidoping de 17 de março de 1991: Maradona foi suspenso por uso de cocaína. El Diez ficou quase um ano e meio parado e só retornou aos gramados com 31 anos, pelo Sevilla.
Os embates do craque com times da Itália, porém, não se restringiram às partidas oficiais. Em cinco oportunidades, Maradona enfrentou equipes da Velha Bota em jogos comemorativos ou amistosos não oficiais. O primeiro deles aconteceu em 29 de agosto de 1981, num duelo entre Argentina e Fiorentina, no estádio Artemio Franchi. Os portenhos venceram por 5 a 3, com dois gols de D10s e dois de Passarella. A Viola descontou com Francesco Casagrande, Daniele Massaro e Daniel Bertoni, que enfrentava seu próprio país.
Uma semana depois, Maradona atuou em San Siro, pelo seu Boca Juniors, então campeão do Metropolitano de 1981, contra o Milan. Em 8 de setembro de 1981, o Pibe foi praticamente anulado pelo volante Sergio Battistini, mas marcou de falta, na vitória de virada por 2 a 1. O jogo carrega uma curiosidade: foi o que antecedeu o famoso duelo entre Diego e Zico, então no Flamengo.
Em 29 de março de 1986, o craque enfrentou o Napoli, sua própria equipe, em outro amistoso não-oficial da Argentina, vencido por 2 a 1. Em maio do mesmo ano, vestiu a camisa do Tottenham na despedida de Osvaldo Ardiles, e ajudou os Spurs a triunfarem sobre a Inter pelo mesmo placar. Por fim, em 22 de maio de 1989, Diego conseguiu ainda emplacar os irmãos Raúl e Hugo na seleção principal: na única partida dos jogadores, que não eram nada bons de bola, a Argentina venceu a Ternana por 7 a 2. El Diez anotou duas vezes.
Maradona se aposentou em 1997, pelo Boca Juniors. Três anos depois, em 2000, o Napoli aposentou a sua camisa 10: o atacante Claudio Bellucci foi o último a ter a honra de utilizá-la. Extremamente identificado a Nápoles, como provam as inúmeras referências ao craque espalhadas por toda a cidade, Diego retornou à capital campana diversas vezes nos anos seguintes. Evitou visitá-la apenas quando teve problemas com o fisco italiano.
Para Diego, a vida sempre foi levada à flor da pele. Como escreveu Manu Chao, em sua homenagem, como uma loteria. E os resultados desses sorteios frequentemente lhe aproximavam da Itália e de Nápoles.