O último sábado, 10 de setembro, foi o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Com base nisso, entidades brasileiras, como CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), iniciaram a campanha Setembro Amarelo, para conscientizar a população do Brasil para a realidade do suicídio no país e divulgar formas de prevenção. O tema é tabu por aqui e em áreas específicas, como o esporte, ainda mais: pouca gente sabe que o mundo do futebol – especialmente o italiano – tem altos índices de depressão e tentativas de suicídio entre jogadores e ex-atletas.
Em 2007, um estudo feito pela Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol – FIFPro em 11 países chegou a um número alarmante: pouco mais de um terço dos entrevistados sofriam ou já haviam sofrido com sintomas de depressão – o índice era maior entre os jogadores que já haviam se aposentado. A pesquisa não foi feita na Itália e não falou em suicídio, mas estima-se que mais da metade das pessoas que se suicidaram estavam deprimidas e que o risco de uma pessoa com perturbações do humor (principalmente depressão) tirar a própria vida é de 6 a 15%.
O futebol é uma montanha-russa e um jogador pode passar de ídolo a dispensável, de craque a perna de pau em segundos. A pressão, as responsabilidade e a exposição são enormes, e muitas vezes o atleta, muitas vezes de vida humilde, precisa abrir mão desde cedo de aspectos de sua vida pessoal para ser a principal fonte de renda de sua família. Quando a carreira acaba, o vazio é inevitável – e nem precisa dizer que dinheiro, fama e sucesso não trazem, necessariamente, felicidade.
Na Itália, tal qual em outros países, a figura do psicólogo para acompanhar os jogadores dentro dos clubes já é bastante comum, a fim de prevenir que problemas mais sérios de saúde mental aconteçam. Na gestão de Damiano Tommasi, ex-Roma, a Associação Italiana de Jogadores – AIC, está tentando fazer um trabalho mais forte com ex-atletas, jogadores lesionados e também junto à família dos atletas, para tentar humanizar ainda mais a profissão. Se iniciativas semelhantes fossem tomadas antes, muito sofrimento poderia ter sido evitado.
As vidas comprometidas
Até hoje, dois jogadores que atuaram no futebol italiano cometeram suicídio. O mais famoso deles foi Agostino Di Bartolomei, capitão e um dos maiores jogadores da história da Roma, que não suportou o fim da carreira, o que deixou de conquistar e as dívidas. Em 1994, três anos depois de se aposentar, Ago estava no auge da depressão e o que lhe dava prazer anteriormente, como o esporte, sua família e cuidar do seu jardim, significava pouco.
Em sua carta de despedida, ele disse “se sentir em um buraco”. No dia 30 de maio de 1994, exatamente 10 anos após a final perdida da Copa dos Campeões, pelo Liverpool, o ex-meio-campista foi encontrado morto com um tiro de pistola 38 em seu peito.
Pouco mais de um ano depois, a depressão e o suicídio levaram outro jogador. Dessa vez, um jovem de apenas 25 anos: Edoardo Bortolotti. Promissor, o lateral esquerdo do Brescia já jogava na seleção sub-21 italiana e interessava à Roma, mas uma fratura na fíbula, em 1991, o afastou dos gramados por um longo tempo. Fora de combate por quase quatro meses, entrou em depressão e passou a usar cocaína para aliviar as dores de quem estava em alta e poderia ter a carreira comprometida por uma fratura.
Assim que voltou a ser relacionado pelo Brescia, foi pego em um exame antidoping e ficou suspenso por um ano – além de ter seu contrato rescindido pelo clube lombardo. Bortolotti tentou voltar a jogar em clubes de divisões inferiores, mas nunca mais conseguiu jogar bem ou ter o prazer de ser futebolista. Perdido no meio do caminho, aquele que poderia ser um ótimo jogador sucumbiu à pressão e às contumazes críticas e decidiu largar o esporte aos 24 anos. Em 2 de setembro de 1995, com problemas financeiros, tomou tranquilizantes e se atirou do terceiro andar. Chegou a ser internado, mas morreu pouco depois de dar entrada no hospital.
O destino de Bortolotti poderia ser o mesmo de Gianluca Pessotto, lateral que fez sucesso em mais de uma década pela Juventus. Logo após se aposentar, em 2006, ele virou team manager da Velha Senhora, mas não estava se sentindo bem com a vida – e pendurar as chuteiras não ajudava nisso. No dia 27 de junho, com um terço em mãos, o dirigente se atirou de um parapeito na sede da Juve, mas caiu em cima do carro do colega Roberto Bettega, o que amorteceu sua queda e o salvou.
O ex-lateral entrou em coma, foi homenageado pela seleção italiana na campanha do tetracampeonato mundial, e foi se recuperando física e psicologicamente, até ter alta, no início de setembro. Em 2008, já curado da depressão e sem sequelas da sua tentativa de suicídio, ele publicou uma autobiografia, na qual contava sua trajetória. Pessottino ainda trabalha na Juventus, ajudando a formar novos jogadores nas categorias de base dos bianconeri.
São poucos os jogadores que já tiveram coragem de falar sobre o assunto – principalmente os que ainda estão em atividade. Alguns casos mais graves são de jogadores menos conhecidos, como Marco Bernacci (ex-Bologna) e Saul Santarelli (ex-Messina) chegaram a rescindir seus contratos por vontade própria porque estavam incapacitados de jogarem futebol. O jovem Martin Bengtsson, ex-meia das categorias de base da Inter, não aguentou a mudança da Suécia para a Itália aos 17 anos e a solidão o levou a cortar os pulsos. Devastado pelo quadro depressivo e – alega – tratado de forma inadequada pelo departamento médico nerazzurro, decidiu não prosseguir como profissional e virou músico.
Entre os jogadores mais conhecidos que falaram do tema durante sua carreira profissional, Thiago Silva, ex-Milan, já declarou ter tudo depressão quando teve tuberculose em seus tempos de Rússia; Christian Vieri também padeceu quando foi espionado pela direção da Inter, ao passo que seu colega Matías Almeyda também se deprimiu e teve ataques de pânico durante um período de lesões – desde então, toma antidepressivos e ansiolíticos. Carlos Tevez e o volante Emerson também mencionaram ter passado por episódios depressivos durante sua carreira. Paul Gascoigne nunca assumiu ter depressão, mas o abuso de bebidas alcoólicas é um sintoma muito frequente entre portadores de depressão.
Em 2003, quem passou por um período difícil de sua vida foi Gianluigi Buffon – o Superman mostrou que era humano e passou por um período de sete a oito meses em depressão. As pressões da carreira e a descoberta de que ele havia falsificado um diploma de ensino médio para se inscrever na universidade, anos antes, fizeram com que ele adoecesse: se sentia culpado pelo gesto desleal e por ter decepcionado os pais e seus familiares.
Após várias sessões de psicoterapia e uso de fármacos, o mito do futebol recuperou a felicidade e colocou a carreira nos trilhos novamente. “Daquela experiência traumática eu saí mais forte e maduro. Vencer a depressão foi a principal defesa da minha vida”, disse ao diário Il Giornale, de Turim.
Infelizmente, um craque que ainda não encontrou o seu caminho é Adriano – um dos casos mais emblemáticos em toda a história do futebol, quiçá. O brasileiro jogou tanta bola na Itália que passou a ser chamado de Imperador, mas a morte do pai, em 2004, e a de um amigo, em 2006, lhe tiraram o foco e a alegria. Após uma batida policial, o atacante passou a ser vítima de extorsão, o que também atrapalhou o desenvolvimento se seu futebol.
No final das contas, o sucesso e a riqueza repentinos foram coisas com as quais Adri não soube lidar: com a má fase, se entregou ao alcoolismo, pensou em parar de jogar futebol e em se suicidar. Massimo Moratti, Iván Córdoba e Javier Zanetti tentaram lhe ajudar em seus tempos de Inter, mas não conseguiram – o ex-capitão nerazzurro diz que esse é o seu maior arrependimento como futebolista. Sem cuidados psicológicos e acompanhamento psiquiátrico, Adriano não teve mais continuidade e foi apenas uma sombra do que era quando explodiu.
Falar sobre saúde mental é sempre muito delicado e penoso, mas é necessário ultrapassar esta barreira. A lista de craques que o futebol da Itália perdeu por suicídio ou que foram afetados por distúrbios de humor são apenas uma amostra de como o problema é sério em todas as sociedades. Portanto, cabe um apelo: ajude as pessoas próximas a se abrirem sobre o assunto e busque ajuda, se estiver se sentindo diferente. Todo mundo pode salvar uma vida.
Ótima matéria.