As religiões abraâmicas têm grande influência sobre as sociedades de parte considerável do planeta. Cristianismo, islamismo e judaísmo dividem algumas histórias, personagens e valores, que chegam até a ter significados incorporados no linguajar de determinados países. Vejamos um exemplo: nas escrituras sagradas desses credos, Benjamim é o filho preferido de Jacó, um dos profetas do Islã e um dos patriarcas do Antigo Testamento cristão, o Tanakh judaico. Por extensão, em diversas línguas, como o português, “benjamim” se tornou sinônimo de predileto, protegido, xodó.
No Brasil, o termo não é tão utilizado, mas está no dicionário. Na Itália, por outro lado, é comum. Em leituras sobre o futebol da Velha Bota, é fácil encontrarmos a expressão “beniamino dei tifosi” para designar um jogador amado pela torcida, tanto no passado quanto no presente. Nos anos 1980, o canhotinho Beniamino Vignola foi além do trocadilho, honrou o seu nome e foi muito querido pelos torcedores do Avellino e da Juventus.
Vignola nasceu em 12 de junho de 1959, em Verona. Aos 11 anos, entrou nas categorias de base do Hellas e, por conta de seu biotipo físico (baixo e magro) e de sua habilidade, foi logo comparado a Gianni Rivera – seu ídolo, já que era milanista. Sua estrutura diminuta chegou a atrapalhá-lo no juvenil, mas Ferruccio Valcareggi, técnico do time principal, observava os garotos e lhe aconselhou a fazer alguns treinos específicos para ganhar massa muscular. Deu certo: em 1978, logo após o treinador deixar o time, Beniamino estreava profissionalmente.
Meia central que costumava jogar pela esquerda e tinha boa chegada ao ataque, Vignola teve poucas oportunidades em 1978-79, temporada em que o Verona caiu para a Serie B. Na segundona, porém, o jovem de 20 anos virou titular e fez 40 partidas numa única campanha. Ao se destacar com a camisa gialloblù, Vignola chamou a atenção de times da elite: Avellino, Bologna, Como e Inter. Os primeiros tiveram uma proposta melhor e Beniamino rumou à Campânia.
Para jogar no Avellino, Vignola teve de atravessar o país e, pela primeira vez, ficar longe dos pais e da cidade em que nasceu. A quase 700 quilômetros de casa, sua adaptação foi difícil, ainda que atuasse como titular. Tudo piorou após a vitória por 4 a 2 sobre o Ascoli, na 8ª rodada da Serie A, em 23 de novembro de 1980. É que um terremoto de 6,9 graus na escala Richter atingiu o sul da Itália, e a província avelinesa foi a mais afetada.
Ao todo, mais de 280 mil pessoas ficaram desabrigadas, cerca de 9 mil se feriram e quase 3 mil morreram. Beniamino estava numa rádio no momento do tremor e não se machucou, mas sua casa acabou sendo condenada pela Defesa Civil. O jogador precisou dormir em seu carro por duas noites seguidas, até que o clube levasse toda a delegação para um hotel no norte do país, onde os lobos atuariam nas rodadas agendadas até o meio de dezembro. Depois, a equipe teve de mandar os últimos jogos de 1980 no San Paolo, já que o estádio Partenio servia de abrigo temporário para os afetados pela tragédia natural.
O terremoto, porém, acabou ajudando Vignola a se adaptar à nova realidade. Ele passou a se sentir mais próximo da gente de Avellino, que vivenciava alguns dramas caros também aos jogadores. E, por sua vez, o futebol era um meio de distrair e levar alguns momentos de felicidade para os moradores da Irpinia. Sobretudo porque Beniamino e seus companheiros, treinados pelo brasileiro Luís Vinício, conseguiam bons resultados. Na última rodada, um empate em casa com a Roma sacramentou a permanência na elite.
A festa foi grande tanto pela superação das agruras causadas pelo terremoto quanto por motivos esportivos. O Avellino começara a Serie A com penalização de cinco pontos, por envolvimento de um jogador na manipulação de resultados que originou o escândalo Totonero. Vignola foi fundamental na campanha, já que acabou a temporada como artilheiro biancoverde e marcou, aos 88 minutos, o gol da vitória no confronto direto com o Perugia. O baixinho anotou seis tentos na competição e mais três na Coppa Italia.
Vignola e o Avellino não viveram dramas comparáveis ao de 1980-81 nas temporadas seguintes, que terminaram com a permanência na elite. Amadurecido pelas experiências esportivas e extracampo, Beniamino se acostumou ao gramado pesado do Partenio – que não era favorável a seu estilo de jogo, de bola no chão – e às mudanças repentinas de temperamento do esquentado presidente Antonio Sibilia. Se tornou, também, insubstituível: fez 71 jogos em dois anos e foi o atleta mais utilizado pelos biancoverdi no período. Em 1982-83, marcou 10 gols e acabou novamente sendo o artilheiro da equipe sulista.
O camisa 10 dos lobos, então, foi notado pela Juve. Mais especificamente por Michel Platini, craque bianconero que utilizava o mesmo número de Vignola e sabia bem quais atributos um maestro de meio-campo deveria ter. Foi o francês que sugeriu à diretoria da Velha Senhora a contratação do jovem e técnico regista veronês, e a indicação foi acatada pelo presidente Giampiero Boniperti. Beniamino já havia fechado um acordo verbal com a Fiorentina, mas a oferta da Juventus foi melhor e, assim, o Avellino o vendeu para a equipe piemontesa.
Vignola chegou a Turim para ser o reserva imediato de Platini e o 12º jogador da equipe comandada por Giovanni Trapattoni. Um time campeão que ainda tinha, do meio para frente, nomes como Paolo Rossi e Zbigniew Boniek. A sua primeira temporada com os bianconeri foi especial: marcou oito gols, sendo que sete deles foram relevantes. Na campanha do scudetto, Beniamino anotou nas vitórias nos clássicos contra Inter e Milan, liderou a virada juventina com doppietta contra a Udinese e ainda converteu, aos 90 minutos, o pênalti decisivo no triunfo por 1 a 0 sobre a Fiorentina. Apenas ante a Viola ele não começou no banco.
O meia também brilhou na trajetória do segundo título continental da história da Juventus. Na campanha da Recopa Uefa, Vignola marcou um dos gols da classificação italiana nas quartas de final, contra os finlandeses do Haka. Mas não bastou: ele foi o grande nome da vitória bianconera contra o Porto, disputada na Basileia. No 2 a 1 que deu o triunfo para os italianos, o protegido de Platini abriu o placar com um chute de canhota, aos 12 minutos e, aos 41, assistiu Boniek com um belo lançamento. Essa foi, sem dúvidas, uma das suas melhores temporadas como jogador profissional, mesmo que só tenha se tornado titular no fim da temporada, quando assumiu o posto de Domenico Penzo.
Em 1984, Vignola também ganhou suas únicas chances na seleção italiana – mas na sub-21. O meia foi convocado como um dos jogadores acima do limite de idade permitida e ajudou os azzurrini a ficarem com a terceira colocação no Europeu da categoria, vencido pela Inglaterra. O veronês também representou a Itália nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, no mesmo ano. Beniamino nunca foi chamado para o time principal da Nazionale.
Na Juventus, porém, ele mantinha status privilegiado com Trapattoni: era o jogador que saía do banco sempre que a Velha Senhora precisava controlar ou acelerar uma partida. Era um autêntico ritmista, como meio-campistas importantes do futebol contemporâneo, e ainda tinha a seu favor a característica de conseguir ler bem o jogo enquanto estava de fora, de modo a rapidamente se inserir com propriedade no time. Nessa função, Vignola ainda ajudou a Juve a vencer a Supercopa Europeia e a Copa dos Campeões.
Após a conquista do maior troféu europeu, Vignola sentiu a necessidade de ser titular e recebeu uma chance de sê-lo no Verona, que havia vencido o título italiano na temporada anterior. Aos 26 anos, Beniamino foi emprestado ao time de sua cidade mas não conseguiu superar Antonio Di Gennaro, principal articulador dos butei, nem foi capaz de encontrar espaço numa outra função do meio-campo de Osvaldo Bagnoli. Ao fim de uma campanha de meio de tabela com gialloblù, retornou à Juve.
O meio-campista permaneceu no Piemonte até 1988, mas sem qualquer destaque no time. Trapattoni havia deixado a Juventus e Rino Marchesi relegou Vignola definitivamente ao posto de reserva: o veronês teve pequena participação em campanhas medíocres dos bianconeri e viu seu futebol decair cedo demais. O acerto com o Hellas – Beniamino reconheceu, anos depois – não fez bem para sua carreira. A volta à Juve, naquelas condições, também não.
Desmotivado, ao fim da temporada 1987-88, Vignola se transferiu para o Empoli, time da Toscana que havia acabado de cair para a segunda divisão, dois anos depois de estrear na elite. Apesar da contratação do já experiente Beniamino, os azzurri não foram capazes de se manter na Serie B: perderam o jogo de desempate para o Brescia e rumaram à terceirona. Beniamino permaneceu no clube por mais um ano, mas não conseguiu devolvê-lo à categoria superior.
Depois de amargar duras temporadas com os toscanos, o baixinho ficou um ano parado. Recebeu ofertas do Canadá, mas optou por não se mudar para a América do Norte com a família. Em 1991-92, então, viria a se despedir dos gramados: depois de defender o Mantova numa campanha razoável pela Serie C2, Vignola parou, aos 33 anos.
Fora dos gramados, Beniamino teve experiência de um ano como diretor esportivo do próprio Mantova, até o clube decretar falência, em 1994. Vignola retornou para Verona e atuou como técnico e atleta em um time amador, além de ter sido agente de jogadores profissionais. Porém, o futebol é uma memória de sua vida pregressa desde que assumiu a gestão dos negócios da família de sua esposa, numa empresa dedicada a vidraçaria automotiva. Mesmo longe do esporte, contudo, o ex-meia preserva o status de xodó da Juventus e de queridinho de Platini.
Beniamino Vignola
Nascimento: 12 de junho de 1959, Verona, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Verona (1978-80 e 1985-86), Avellino (1980-83), Juventus (1983-85 e 1986-88), Empoli (1988-90) e Mantova (1991-92)
Títulos: Serie A (1984), Recopa Uefa (1984), Supercopa Europeia (1984) e Copa dos Campeões (1985)