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Empate com Camarões fez uma Itália contestada avançar à segunda fase da Copa de 1982

A tradicional história de dificuldades da Itália nas fases de grupo das Copas do Mundo ganhou um rico capítulo em 1982. A Nazionale passou longe de convencer contra Polônia e Peru, e chegou absolutamente questionada para enfrentar Camarões, no derradeiro jogo que faria naquela etapa da competição. Novamente, o time de Enzo Bearzot não empolgou nem venceu, mas se classificou.

Para a sorte da Itália, naquela época as partidas da última rodada de cada chave não eram simultâneas e a seleção chegou àquele 23 de junho sabendo do que precisava para se classificar. No dia anterior, a Polônia goleou o Peru por 5 a 1 e assumiu a liderança do Grupo 1, garantindo a passagem para a fase seguinte. À Squadra Azzurra, que tinha os mesmos 2 pontos que Camarões, bastaria um empate. Afinal, os italianos haviam marcado um golzinho na Copa do Mundo e os Leões Indomáveis não tinham conseguido tal feito.

Bearzot estava na mira da imprensa italiana. O técnico era criticado pela mídia desde antes de o início do Mundial, por ter decidido convocar Paolo Rossi, que passara dois anos sem jogar por conta de envolvimento no escândalo Totonero, e deixar de fora Roberto Pruzzo, atacante da Roma e artilheiro da Serie A 1981-82. A reprovação ao técnico aumentou por causa das exibições ruins na Espanha, e Pablito também passou a ser mais questionado.

Nkono e Zoff: os dois capitães se cumprimentam antes da classificação da Itália e da queda de Camarões (Getty)

O cenário se tornou ainda mais turbulento após a imprensa revelar que os jogadores da Itália ganhavam um prêmio de 70 milhões de velhas liras a cada partida disputada na Copa do Mundo. O fato gerou revolta pública, pois o alto valor foi julgado incompatível com o péssimo futebol apresentado pela Nazionale. Assim, as entrevistas coletivas da seleção se tornaram verdadeiros interrogatórios e o ambiente azzurro ficou pesado. As críticas a Bearzot e Rossi se estenderam a toda a delegação italiana, que se viu acossada pelos seus próprios compatriotas.

Foi nesse clima que a Itália entrou em campo para enfrentar Camarões, estreante em Mundiais. A tensão da Squadra Azzurra contrastava com a leveza dos Leões Indomáveis, que chegaram ao estádio Balaídos, em Vigo, totalmente descontraídos: ouviam música, sorriam e pareciam nem ligar para a pressão que envolvia um jogo decisivo, segundo depoimento do meia Marco Tardelli.

Debutante em Mundiais, Camarões fez a Itália suar em Vigo (imago)

Apesar da descontração camaronesa, a Itália mandou no jogo no primeiro tempo. O primeiro lance de perigo ocorreu num cruzamento de Claudio Gentile para Francesco Graziani, que testou forte e por cima do gol defendido por Thomas Nkono. Depois, Giancarlo Antognoni lançou Bruno Conti, que ficou cara a cara com o goleiro africano e desperdiçou uma excelente oportunidade, finalizando para fora mesmo com o adversário caído. A Squadra Azzurra era muito forte pelos lados do campo e frequentemente conseguia chegar à linha de fundo para alçar bolas na área de Camarões.

O time camaronês mal conseguia passar da intermediária quando tinha a posse da pelota, ao passo que a Itália seguia apostando nos cruzamentos para vencer as fortes e compactas linhas defensivas adversárias. Aos 25 minutos, Conti achou Antonio Cabrini, que cabeceou e exigiu que Nkono se esticasse todo para espalmar a sua finalização. Aos 30 minutos, após mais um escanteio para a Nazionale, Fulvio Collovati foi lá no alto e, após nova intervenção do arqueiro, carimbou o travessão. Cabrini e o próprio Graziani ainda tentaram arremates de fora da área antes do intervalo, mas o zero não saiu do placar.

Num jogo difícil contra os camaroneses, Rossi não apareceu como se imaginava e Graziani acabou resolvendo (Allsport/Getty/Hulton Archive)

Na segunda etapa, a partida seguiu na mesma toada. A Itália somou oportunidades em finalizações de média distância, levando mais perigo com Antognoni. Tentando sair um pouco mais para o jogo, Camarões viu um arremate do lateral-direito Michel Kaham ser defendido de maneira segura por Dino Zoff. Até que, aos 61 minutos, a Squadra Azzurra finalmente abriu o placar: Rossi saiu da área para abrir espaço, se movimentou bem e cruzou para Graziani, que cabeceou e encobriu Nkono.

A alegria da Itália durou pouquíssimo – não deu nem tempo de comemorar. Após o reinício da partida, a seleção de Camarões trocou passes até encontrar Roger Milla, que saiu da área para abrir espaço e tentar uma enfiada por elevação. A ideia deu certo: o lançamento pegou Collovati e Gabriele Oriali desprevenidos, e, embora Ibrahim Aoudou não tenha acertado a cabeçada, Grégoire Mbida apareceu para estufar as redes de Zoff.

A Itália abusou das jogadas aéreas e foi numa cabeçada de Graziani que marcou o seu gol contra os Leões Indomáveis (Getty)

Mesmo tendo sofrido o empate, a Nazionale seguiu melhor na partida. Aos 65 minutos, Antongoni cruzou na cabeça de Cabrini, mas Nkono mostrou grande poder de reação e fez ótima defesa, evitando o segundo azzurro. O arqueiro voltou a levar a melhor sobre o lateral pouco depois, num chute de longa distância. Dali em diante, entre as dificuldades de acerto no último passe e nas finalizações por parte dos italianos e a incapacidade criativa dos Leões Indomáveis, o placar não se alterou mais. Dessa forma, Camarões era eliminado da Copa do Mundo sem perder nenhum jogo, enquanto a Itália avançava mesmo sem ter somado uma vitória sequer.

Após o terceiro empate conquistado a duras penas pela Itália, a mídia intensificou as críticas que vinha fazendo sobre a Squadra Azzurra. De maneira inversamente proporcional, a confiança na equipe caiu bruscamente. Afinal, na segunda fase da Copa do Mundo, a seleção teria de enfrentar os favoritos Brasil e Argentina no Grupo C, e apenas o campeão da chave avançaria às semifinais. Foi aí que Bearzot inventou o chamado silenzio stampa – ou seja, a proibição de entrevistas de membros da delegação à imprensa, algo inédito até aquele momento. Apenas Zoff, o capitão da Nazionale, estava autorizado a falar com a mídia, numa tentativa de blindar o grupo. A estratégia, por incrível que pareça, daria resultado. Cenas do próximo capítulo.

Itália 1-1 Camarões

Itália: Zoff; Gentile, Collovati, Scirea, Cabrini; Conti, Oriali, Tardelli, Antognoni; Graziani, Rossi. Técnico: Enzo Bearzot.
Camarões: Nkono; Kaham, Ndjeya, Kundé, Onana, Mbom; Abega, Mbida, Tokoto, Aoudou; Milla. Técnico: Jean Vincent.
Gols: Graziani (61’); Mbida (62’)
Árbitro: Bogdan Dotchev (Bulgária)
Local e data: estádio Balaídos, Vigo (Espanha), em 23 de junho de 1982

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