Atuações para nunca serem esquecidas e ficarem guardadas para a eternidade, inclusive do ponto de vista estatístico, costumam ser realizadas por jogadores fora de série. Em toda a história do Campeonato Italiano, por exemplo, apenas 15 atletas anotaram cinco ou mais gols numa mesma partida. A lista tem nomes como Giuseppe Meazza, Silvio Piola, Omar Sívori, Antonio Angelillo e Kurt Hamrin, mas quase todos eles alcançaram o feito antes de 1964. Apenas dois atacantes conseguiram entrar para o seletíssimo grupo depois que muitas mudanças táticas fizeram o futebol ter, em média, menos tentos a cada peleja. Um deles foi Roberto Pruzzo, o segundo maior artilheiro da história da Roma, atrás apenas de Francesco Totti.
Quando se enfrentaram, pela 21ª rodada da Serie A de 1985-86, Roma e Avellino viviam alguns dos momentos mais positivos de suas histórias. De um lado, os biancoverdi atravessavam a sua era dourada, iniciada em 1978, com a estreia na elite italiana, e coroada com o título do Torneio de Verão organizado pela federação nacional de futebol, a FIGC, em 1986.
Os romanistas, por sua vez, haviam faturado o segundo scudetto de sua história em 1983 e sido vice-campeões europeus no ano seguinte, com Nils Liedholm. Também sueco, Sven-Göran Eriksson comandava os giallorossi pela segunda temporada e tentava aproveitar o legado do compatriota e a base do elenco deixada por ele. Pruzzo, que estava na agremiação desde 1978, era um de seus líderes.
A Roma não havia começado muito bem naquele Campeonato Italiano, mas se recuperou ao longo da campanha e emendou cinco vitórias seguidas nos primeiros cinco jogos do returno. Pruzzo, que fora o artilheiro da competição nas temporadas 1980-81 e 1981-82, teve média de um gol por partida nesta sequência e deixou a equipe capitolina a apenas quatro pontos da Juventus, líder do certame. Já o Avellino, comandado pelo técnico croata Tomislav Ivic, conseguia cumprir a sua meta: estava fora da zona de rebaixamento.
No período em que a Roma não esteve tão bem, Pruzzo foi um dos mais questionados por parte da torcida – os críticos mais contumazes diziam até que o centroavante de 31 anos deveria se aposentar. O “rei” Roberto teve de lidar com alguns problemas físicos e com um baixo número de gols: fez apenas dois em 15 rodadas. A recuperação, com cinco tentos em cinco jogos, poderia ser suficiente para calar o burburinho. Mas o atacante lígure tratou de reafirmar a sua qualidade naquele 16 de fevereiro de 1986.
O primeiro tempo começou de forma muito equilibrada, com os irpini causando dificuldades de imposição ao time de Eriksson. No entanto, o primeiro gol da partida saiu aos 17 minutos. Bruno Conti lançou o brasileiro Toninho Cerezo e ele foi derrubado por Armando Ferroni na área. O lance era duvidoso, mas o árbitro Tullio Lanese indiciou a penalidade. Pruzzo cobrou no canto superior direito, sem oferecer chances para o goleiro Alessandro Zaninelli.
Mesmo após sofrerem o gol, os visitantes mantiveram o equilíbrio emocional e seguiram bem na peleja. Dessa forma, o empate aconteceu pouco depois, aos 27 minutos. Após boa troca de passes dos biancoverdi e uma distração da defesa dos donos da casa, o argentino Ramón Díaz recebeu do brasileiro Batista e, com muito espaço, ajeitou o corpo para chutar de canhota e vencer Franco Tancredi. O jogo continuou na mesma toada até o fim da primeira etapa, mas sem mudanças no placar.
Nos primeiros minutos após o intervalo, bem que o Avellino conseguiu segurar a Roma. Na verdade, os campanos até ficaram perto a virada. Para evitá-la, Manuel Gerolin cometeu uma falta antidesportiva, num lance claro de gol – hoje, o lance resultaria em expulsão, mas as orientações dadas à arbitragem da época favoreciam os defensores. Melhor para a dona da casa, que conseguiu o segundo tento aos 58. Os giallorossi tiveram falta lateral a seu favor e Conti cruzou na cabeça de Pruzzo, que estava na risca da pequena área e testou com precisão para as redes.
Poucos depois, Pruzzo tabelou com Cerezo e Zbigniew Boniek antes de ficar cara a cara com Zaninelli. O goleiro, que havia acabado de se recuperar de uma lesão, conseguiu fazer boa defesa e ainda teve sorte no rebote, já que o chute de Sebastiano Nela acertou a trave. O equilíbrio da etapa inicial, como se percebe, tinha ido pelos ares. E a Roma aproveitou para martelar e ampliar. Aos 70 minutos, em rápido contra-ataque, o Rei de Crocefieschi, como era chamado, recebeu na intermediária e aplicou uma bela meia-lua em Ferroni antes de finalizar de canhota e assinar a sua tripletta.
O Avellino não via mais a cor da pelota e, nos minutos finais, sucumbiu. Aos 87, Pruzzo tentou ser generoso e, de cara para o arqueiro adversário, ajeitou para Conti marcar o dele. Porém, Zaninelli reagiu com uma linda defesa e colocou para escanteio. Na sequência, o camisa 1 deu rebote no chute cruzado de Boniek e o bigodudo completou, de carrinho.
O quinto gol da Roma foi um presente dos irpini. Aos 90, Conti buscou Giuseppe Giannini na área e Giuseppe Zandonà errou na hora de dominar a bola no peito: ela escorreu pelo braço e Lanese assinalou outro pênalti. Em novo gesto de humildade, o Rei de Crocefieschi quis deixar Boniek cobrar, mas foi incitado pela torcida a tentar a manita. Os dois decidiram o batedor no par ou ímpar e a história do campeonato saiu vitoriosa: Pruzzo ganhou e finalizou com precisão, anotando o seu pokerissimo.
Havia 22 longos anos que um jogador não marcava pelo menos cinco gols na Serie A – Hamrin obtivera o feito em 1964, numa vitória da Fiorentina por 7 a 1 sobre a Atalanta. Depois de Pruzzo, somente o alemão Miroslav Klose, da rival capitolina, conseguiu um pokerissimo: o fez num 6 a 0 da Lazio sobre o Bologna, em maio de 2013.
Naquele dia, Pruzzo dormiu feliz. Calou a boca dos críticos, assumiu a artilharia do campeonato e ainda fez a Roma se aproximar da Juventus, que empatara com o Torino e via a sua vantagem na ponta cair para três pontos. O domingo também foi de festa para Giorgio Rossi, histórico massagista da Loba. Sempre que o camisa 9 marcava um gol, lhe pagava 100 mil velhas liras. Além das 500 mil que receberia pela cinquina, o funcionário giallorosso tinha mais 300 mil de crédito com o centroavante, por rodadas anteriores. Roberto, sempre generoso, lhe transferiu 1 milhão. O Avellino, por sua vez, trocou o técnico Ivic por Enzo Robotti no fim de semana seguinte e, com bom futebol, garantiu mais um ano na elite.
No restante da Serie A, a Roma de Eriksson continuou a perseguir a Juventus e chegou a empatar em pontuação na 28ª – e antepenúltima – rodada. O calendário dos giallorossi era extremamente favorável: enfrentava o já rebaixado Lecce em casa e o Como, salvo do descenso, na Lombardia. Enquanto a Loba tinha dois adversários modestos, a Velha Senhora visitava o Milan e recebia o mesmo Lecce.
Só que nem mesmo um Pruzzo avassalador foi capaz de evitar a “romada”: a Loba perdeu seus dois últimos compromissos e viu o scudetto ficar com a Juventus. A Roma, que ainda não tinha sido derrotada em casa naquela campanha, viu a zebra passear no Olímpico e levou 3 a 2 do Lecce, ao passo que a sua rival colocou uma mão na taça ao bater o Milan. No tropeço caseiro, o veterano até marcou um gol e, com 19 tentos, se sagrou artilheiro da Serie A pela terceira vez na carreira.
Esta honra se somou à conquista da Coppa Italia, sobre a Sampdoria, semanas depois. No entanto, os dois feitos foram apenas uma pequena compensação para o sério goleador. Até hoje, ninguém foi bicampeão nacional pela Roma. Se tivesse conseguido mais um scudetto, Pruzzo teria sido um dos oito únicos presentes em ambas as campanhas. Apesar de tudo, sua história é tão indelével quanto os muros da Cidade Eterna.
Roma 5-1 Avellino
Roma: Tancredi; Gerolin, Righetti (Lucci), Bonetti, Nela; Boniek; Conti, Cerezo, Ancelotti, Di Carlo (Giannini); Pruzzo. Técnico: Sven-Göran Eriksson.
Avellino: Zaninelli; Amodio, Zandonà, Ferroni; Batista; Alessio, Agostinelli, Benedetti, De Napoli, Bertoni; Díaz. Técnico: Tomislav Ivic.
Gols: Pruzzo (17’, 58’, 70’, 88’, 90’); Díaz (27’)
Árbitro: Tullio Lanese (Itália)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 16 de fevereiro de 1986