Um trauma que atravessa gerações. É talvez a melhor síntese sobre os acontecimentos de 30 de maio de 1984, no Olímpico. Naquele dia, Roma e Liverpool duelavam pelo título da Copa dos Campeões. A final foi decidida nos pênaltis após empate em 1 a 1 no tempo normal.
O contexto era até favorável a uma vitória romanista. Do outro lado, um Liverpool cascudo, de grandes estrelas e habituado a grandes decisões. Mesmo em seu melhor momento, a Roma de Nils Liedholm havia feito suas atuações mais importantes dentro da Itália contra Juventus, Napoli e Inter. E a final não seria apenas disputada na Bota, mas aconteceria exatamente em seu estádio, com a torcida a seu lado.
A inexperiência europeia não pesou tanto quanto se imaginava. No caminho até a decisão, os giallorossi encararam IFK Gotemburgo, CSKA Sofia, Dynamo Dresden e Dundee United – adversários modestos, se compararmos com a caminhada de 2017-18 na Liga dos Campeões, quando a Loba foi semifinalista e teve seu segundo melhor desempenho no torneio.
A semifinal, aliás, quase custou a campanha romanista: uma derrota incontestável por 2 a 0 na Escócia foi o ponto baixo da jornada e pressionou demais o elenco para a partida de volta. Em Roma, os comandados de Liedholm deram o troco e protagonizaram um dos jogos mais agressivos da história recente do Olímpico, envolvendo hostilidade e provocações à delegação do Dundee.
A capital ferveu na semana da final contra o Liverpool. Em grande forma, a geração de Agostino Di Bartolomei, Paulo Roberto Falcão, Toninho Cerezo, Roberto Pruzzo, Franco Tancredi, Carlo Ancelotti, Sebastiano Nela, Francesco Graziani e Bruno Conti chegava motivada para elevar a Roma de patamar. O título da Copa das Feiras em 1961 não era exatamente a maior glória a se lembrar para os romanistas – ainda que a competição seja considerada a antecessora à Copa Uefa.
Às 20h15, a bola rolou no gramado do Olímpico. De branco, a Roma capitaneada por Di Bartolomei começou impondo o jogo, mas acabou dominada pelos Reds. Aos 13 minutos, uma falha de comunicação entre Tancredi e Bonetti rendeu uma assistência involuntária para Phil Neal, que só empurrou para a rede. Dario Bonetti, na tentativa de afastar o perigo, chutou em cima do próprio goleiro, caído. No rebote, Neal teve o simples trabalho de chutar para a meta vazia. Tancredi, aliás, havia falhado na saída pelo alto. Um erro condizente com a sua baixa estatura.
Assustada com o gol e com a situação, a Roma conseguiu reagir e foi buscar o empate. O excesso de cruzamentos na área não fez com que o Liverpool fechasse o lado esquerdo de sua defesa. Conti cruzou no meio e Pruzzo testou por cobertura para vencer Grobbelaar. No entanto, mesmo criando mais, a Roma não conseguia tomar a vantagem no placar. Pressionando demais, o time de Liedholm pecou nas finalizações e não conseguia acertar a meta de Grobbelaar. Quando avançava, o Liverpool levava perigo, mas sofria do mesmo problema dos mandantes.
Com o fim do tempo normal, o empate em 1 a 1 provocou mais 30 minutos de jogo. Tudo o que faltou nos primeiros 90 minutos a Roma apresentou na prorrogação. Partindo para o desespero e abafando a saída inglesa, a equipe dona da casa protagonizou um verdadeiro bombardeio à retaguarda dos Reds.
A pressão cresceu ainda mais para os romanistas. Quando chegou a hora dos pênaltis, Falcão optou por não executar nenhuma cobrança. O brasileiro, apontado como atleta mais técnico do elenco, fez falta na hora de decidir. Contra a Roma, pesou um fator crucial: a instabilidade psicológica.
Sem tanta responsabilidade por estar longe de sua torcida, o Liverpool errou apenas a sua primeira cobrança, com Steve Nicol. Pela Roma, Conti e Graziani perderam, chutando por cima. Brilhou a estrela de Bruce Grobbelaar, excêntrico arqueiro zimbabueano que desconcentrou os adversários ao fazer uma dança grotesca em cima das linhas, com as pernas bambas – conhecida como “pernas de espaguete” (ou spaghetti legs, em inglês). Em entrevista concedida anos após o confronto, o goleiro disse ter se inspirado numa das mais famosas iguarias italianas para desestabilizar os romanistas.
Neal, Graeme Souness, Ian Rush e Alan Kennedy converteram suas cobranças pelo Liverpool, enquanto Di Bartolomei e Ubaldo Righetti acertaram pela Roma. Com 4 a 2 no placar, os ingleses calaram o Olímpico e fizeram a festa para comemorar o quarto título na competição.
O drama romanista começava ali. O capitão Di Bartolomei, ídolo da torcida, sentiu mais do que ninguém a derrota. Era o seu último jogo. Vendido ao Milan contra a vontade, seguiu Liedholm para tempos decepcionantes em San Siro. Exatos dez anos depois, afundado em dívidas e depressão, Agostino se matou com um tiro no coração.
Nunca mais a Roma jogou outra final no principal torneio europeu de clubes. Desde então, a equipe só conseguiu avançar para uma fase posterior às quartas de final de qualquer competição continental em raras ocasiões. Em 1991, na bem menos prestigiosa Copa Uefa, a Roma foi derrotada pela Inter em uma final doméstica, por um placar agregado de 2 a 1.
Mais tarde, já nos anos 2010, fez história por ter eliminado o Barcelona numa sensacional reviravolta e ter tornado a uma semifinal europeia após quase três décadas – perdeu para o Liverpool. Mas foram calcados os pilares para uma sequência positiva, com cinco presenças ao menos entre os quatro melhores de competições continentais em sete temporadas. Entre 2018 e 2024, a Loba somou quedas em duas semifinais de Liga Europa, um vice do mesmo torneio e um inédito título de certame da Uefa, o da primeira Conference League, em 2022.
Roma 1-1 Liverpool (2-4 nos pênaltis)
Roma: Tancredi; Nappi, Nela, Righetti, Bonetti; Di Bartolomei; Toninho Cerezo, Conti, Falcão; Pruzzo, Graziani. Técnico: Nils Liedholm
Liverpool: Grobbelaar; Neal, Lawrenson, Hansen, Kennedy; Johnston, Lee, Souness, Whelan; Dalglish, Rush. Técnico: Joe Fagan
Gols: Pruzzo (43′); Neal (14)
Árbitro: Erik Fredriksson (Suécia)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 30 de maio de 1984