É uma das práticas mais comuns do futebol um jogador, após se aposentar, virar treinador. Alguns, como é o caso de Vanderlei Luxemburgo, obtêm muito mais sucesso com a prancheta nas mãos do que com a bola nos pés. Outros, como Carlo Ancellotti, obtêm suas glórias dentro e fora dos campos. Mas poucos são aqueles que marcam a história do esporte com recordes que perduram durante muitas décadas. Esse é o caso de Carlo Carcano, jogador de um clube só e treinador de vários, até hoje único técnico da história do futebol italiano a conquistar quatro scudetti consecutivos.
Como nos dois exemplos já citados, Carcano começou sua carreira no futebol dentro dos gramados. Nascido em Varese, próxima a Milão, adotou Alessandria como sua cidade preferida. E foi lá que, depois de ganhar a Promozione pelo amador Nazionale Lombardia, iniciou sua trajetória profissional, quando em 1913, aos 22 anos, tornou-se um dos mais jovens atletas do plantel do homônimo time local. A falta de conquistas não fez com que o jogador pestanejasse em nenhum momento. A verdadeira devoção que cultivava pela comina e pela equpe fez com que passasse 11 anos de carreira vestindo o uniforme dos grigi, além de alguns poucos jogos defendendo a Squadra Azzurra.
Seus maiores feitos, no entanto, não seriam realizados dentro das quatro linhas. Ao lado delas, comandando equipes, Carcano marcaria para sempre a história do futebol italiano. Após se aposentar da função de jogador em 1924, não tardou em ser convidado para assumir uma equipe como treinador. O fez primeiro com a Valenzana e, depois, com o Internaples – onde voltaria a jogar e acumularia dupla função.
Apesar de não conquistar nada expressivo pelo time que viria a se tornar, logo após sua saída, o Napoli., o técnico recém-ingressado na função demonstrava muita inteligência na hora de montar suas equipes, despertando o interesse de clubes de maior tradição.
Seu estouro na função, porém, aconteceria apenas quando tomou as rédeas do clube no qual passou toda sua carreira como jogador. Ao assumir, em 1926, o Alessandria, Carcano montou uma equipe que, apesar da falta de títulos, encantou a Itália e revelou para o país dois futuros campeões mundiais: Giovanni Ferrari e Luigi Bertolini. Com os dois jogadores comandando dentro de campo o time por ele montado, o treinador ganhou a Copa CONI e chegou próximo de conquistar o scudetto de 1928, que acabou ficando nas mãos do Torino.
A boa campanha com o Alessandria rendeu então um grande salto na carreira de Carcano. Graças à bela campanha realizada em 1928 o treinador conseguiu a chance de dirigir a Squadra Azzurra. Apesar de ter ficado apenas um ano no comando da seleção italiana, foi responsável por dar início ao trabalho que renderia à Itália seus dois primeiros títulos mundiais, em 1934 e 1938, quando o país brilhou sob o comando do lendário Vittorio Pozzo. Sua passagem pelo selecionado italiano acabaria com um retorno ao Alessandria, que seria interrompido rapidamente por uma proposta da Juventus.
Com a fama de ser um dos mais inteligentes treinadores da Europa, Carcano recebeu da Vecchia Signora a primeira chance de dirigir um clube de ponta no futebol italiano. E não decepcionou de maneira alguma. Foi no time bianconero que o treinador construiu um recorde que demorou a ser batido.
Logo em sua primeira temporada, em 1930-31, conseguiu levar o scudetto para Turim, dando início a uma sequência vitoriosa que, para a equipe, só terminaria em 1935, quando o quinto título seguido coroou a época que ficou conhecida como Quinquennio d’Oro. Das cinco conquistas, Carcano não esteve presente apenas na última, estabelecendo o recorde para treinadores de quatro scudetti consecutivos, que perdurou até 2019, quando Massimiliano Allegri faturou um pentacampeonato pela própria Velha Senhora.
O último scudetto do Quinquennio só não veio para as mãos de Carcano porque este novamente voltou a servir a Nazionale. Em meio à disputa do quinto campeonato o treinador foi convocado para ser o principal auxiliar de Pozzo na Copa do Mundo de 1934. Ao aceitar o chamado, Carlo colocou ainda mais seu nome na história do futebol italiano ao fazer parte da primeira conquista mundial dos azzurri. Mesmo assim, a seleção e a Juventus, locais pelo qual obteve maior sucesso em sua carreira, seriam também responsáveis pelos piores momentos de sua trajetória.
Ao final da Copa do Mundo estava acordado entre dirigentes da seleção e da Juventus que Carcano retornaria ao clube bianconero para dar continuidade ao seu trabalho. O acordo, porém, foi desfeito meses depois do retorno do Mundial, quando o treinador foi demitido sem maiores explicações. Jornais e comentaristas da época afirmavam que os “motivos pessoais” alegados pelo clube de Turim para consumar a decisão passavam por suspeitas de que Carcano era homossexual, suposição nunca confirmada pelo treinador, mas que, devido ao regime fascista que comandava a Itália, fez com que o técnico não tivesse a chance de encerrar seu ciclo na Juve com mais um título italiano.
Após as suspeitas terem sido levantadas, a carreira de Carcano nunca mais foi a mesma. O treinador disputou a Serie B como vice-treinador do Genoa, onde não ficou por muito tempo, e, durante a Segunda Guerra, comandou a Sanremese, na terceirona. Com o fim do conflito e a queda do fascismo, passou por Inter, Fiorentina – onde esboçou retornar aos bons tempos, sem, no entanto, atingir novamente o alto nível – e Atalanta, até voltar ao Alessandria como diretor técnico. A aposentadoria até poderia ter sido no clube com o qual mais se identificou, mas seria na Sanremese, em 1953. Carlo viveria no balneário lígure até seu falecimento, aos 74 anos, após mal-estar sofrido durante um banho de mar.
Carlo Carcano
Nascimento: 26 de fevereiro de 1891, em Varese, Itália
Morte: 23 de junho de 1965, em Sanremo, Itália
Clubes como jogador: Nazionale Lombardia (1912-13), Alessandria (1913-24) e Internaples (1925-26)
Títulos como jogador: Promozione (1913)
Carreira como treinador: Valenzana (1924-25), Internaples (1925-26), Alessandria (1926-28,1929-30 e 1949-50), Itália (1928-29), Juventus (1930-34), Sanremese (1941-42 e 1952-53), Inter (1945-46 e 1948), Fiorentina (1948-49) e Atalanta (1949)
Títulos como treinador: Copa CONI (1927) e Serie A (1931, 1932, 1933 e 1934)
O scudetto de 1932/1933 foi o ápice daquela Juventus mágica, pentacampeã. O time treinado por Carlo Carcano foi campeão com o melhor ataque, melhor defesa, foi o melhor mandante, o melhor visitante, campeã do Turno, do Returno e ainda fez o artilheiro da competição: Felice Placido Borel. Carcano teve 78,81% de aproveitamento com a Juventus na Serie A.