Assumir o comando da Itália após o vexame que foi não se qualificar para a Copa do Mundo da Rússia, em 2018, não seria nada fácil. Por toda a pressão que existiria, pela necessidade de renovação no plantel da Squadra Azzurra e por não estarmos falando de uma geração que, até aquele momento, era tratada como talentosa – a não ser pela própria Calciopédia e por alguns analistas. Roberto Mancini aceitou esse desafio e não apenas isso: dobrou a aposta ao trabalhar com muitos conceitos posicionais, chegando a fazer, por alguns períodos, o chamado “jogo de posição”, algo bastante contracultural no país.
Claro que o sucesso de equipes como o Sassuolo de Roberto De Zerbi e a globalização cada vez maior do futebol ajudam nesse processo. Porém, ainda assim toda a escola italiana sempre foi bastante ligada a encaixes individuais, muita intensidade em busca de desarmes e liberdade de movimentação em campo ofensivo.
Ao estabelecer esse sistema de jogo, a equipe de Mancini defende no 4-1-4-1 e ataca no 3-4-2-1, sustentando a saída de bola com o lateral pela direita e recuando o meia que joga aberto pelo mesmo setor para ficar em linha com o lateral esquerdo. Nessa ideia, os atletas mantém a sua posição em campo. A bola precisa chegar até eles através de passes curtos, ao contrário da escola mais clássica italiana, que oferece muita liberdade de movimentação aos jogadores, o que acabou gerando críticas e desconfiança da mídia nas primeiras semanas de trabalho.
Mancini não apenas conseguiu fazer os atletas assimilarem suas ideias, como trabalhou muito bem a renovação – testando muitos jogadores que nunca haviam recebido oportunidades – e somou tudo isso a bons resultados. A Itália se classificou para a Eurocopa de maneira tranquila e alcançou a maior série de vitórias da história da Squadra Azzurra.
Neste 7 de setembro, ao viajar até Amsterdã para encarar a Holanda pela segunda rodada da Liga das Nações, essa nova Itália teria o seu maior teste: enfrentaria uma boa seleção e estava muito pressionada pela obtenção de um resultado positivo, já que havia empatado com a Bósnia na partida anterior. Em campo, a Nazionale respondeu com autoridade, vencendo a Oranje por 1 a 0 e dominando a peleja.
Mais uma vez, Mancini fez trocas no onze inicial de uma partida para outra. O comandante promoveu as entradas de D’Ambrosio, Chiellini, Spinazzola, Locatelli, Zaniolo e Immobile nas vagas que foram ocupadas, contra a Bósnia, por Florenzi, Acerbi, Biraghi, Sensi, Pellegrini e Belotti. Em toda essa passagem, essas trocas foram comuns, mas as ideias permaneceram. Não importa quem ocupe a vaga, o funcionamento coletivo permanece o mesmo, ainda que o treinador possa fazer ajustes e os jogadores possam notar tendências dentro do jogo. Foi assim mais uma vez contra a Holanda.
O jogo começou com a Holanda buscando brigar pelo controle da posse de bola nos primeiros minutos, tendo Van Dijk como homem do primeiro passe, Frenkie De Jong para direcionar o lado dos ataques e a dupla Wijnaldum e Van de Beek transitando de uma área para a outra, no intuito de auxiliar na progressão ofensiva e municiar Depay e Promes, a dupla de ataque. Contudo, desde esse momento inicial, a Itália conseguiu encontrar meios para bloquear a circulação ofensiva da Laranja.
Para isso, a Nazionale utilizou os seus laterais mais próximos aos zagueiros, e também teve o estreante Locatelli e Barella com absoluto domínio em seus setores. Com esses movimentos, a Itália controlou a altura de Memphis em campo, ao impedir que ele criasse meios para receber os passes. Ao fazer essa pressão e encontrar um foco de ataque pelo corredor esquerdo, a equipe de Mancini passou a controlar o jogo.
Jorginho era o homem responsável por iniciar a construção. Depois disso, Locatelli acumulava jogo pelo lado esquerdo e logo ativava Barella – que, partindo da direita, criava espaços para receber a bola. Locatelli também buscava Immobile, jogando de costas para o gol adversário. Nessas ocasiões, se criava espaço nas costas de Hateboer, que Spinazzola e Insigne aproveitavam o tempo todo. O jogador da Atalanta é muito bom atacando e costuma ser seguro na hora de defender, mas está acostumado ao 3-4-1-2 nerazzurro. Jogando num sistema com linha de quatro defensores e sem contar com sobra, o ala sofreu para entender seu posicionamento em campo.
Van Dijk se desdobrava para cobrir seu companheiro, De Roon tentava atuar como essa segunda ajuda para impedir o passe no espaço criado, mas nada parecia adiantar. Dessa maneira, a Itália teve um volume de jogo impressionante na primeira etapa, trocando 104 passes a mais que a Holanda e finalizando nove vezes contra a meta rival. Aos 42 minutos, Zaniolo acabou lesionando o joelho e precisou ser substituído por Kean.
Entre boas defesas de Cillessen e falta de acerto na finalização dos atacantes italianos, a Holanda parecia que conseguiria levar um 0 a 0 muito vantajoso para o intervalo. Porém, aos 46 minutos, Insigne e Spinazzola tabelaram pela esquerda e Immobile recebeu no buraco entre Hateboer e a dupla de zaga. O atacante cruzou na medida para Barella atacar o espaço ante um imóvel Aké e, com bela cabeçada, abrir o placar.
As duas equipes voltaram sem alterações para o intervalo, mas a Holanda buscou fazer ajustes para melhorar seu desempenho. O treinador interino Dwight Lodeweges trouxe Memphis para jogar na ponta direita, abriu Promes na esquerda e passou a utilizar Van de Beek para atacar o centro do campo. Dessa maneira, acabou levando real perigo à meta italiana, numa finalização bem defendida por Donnarumma. Contudo, esse ímpeto inicial da Oranje não se confirmou nos minutos seguintes e a Itália voltou a controlar a posse de bola. A Nazionale mandava na partida, sempre buscando a esquerda como lado forte e tendo Barella e Kean para atacar o lado contrário em uma inversão.
Essa dinâmica continuou a mesma até os 10 minutos finais. A Itália era superior, mas desperdiçava chances, enquanto a Holanda buscava jogar e contava com um esforço enorme de Wijnaldum para levar sua equipe ao campo ofensivo com qualidade – esbarrando, contido, no bom trabalho defensivo dos azzurri. Aos 81, Luuk De Jong entrou no lugar do zagueiro Aké e a Holanda passou a buscar o jogo direto o tempo todo, o que empurrou a Itália para sua área e levou os mandantes a controlarem a bola nessa parte do jogo. A partida ficou bastante tensa no final, mas Chiellini e Bonucci mostraram o seu melhor e evitaram chances claras para o time da casa.
No maior teste de sua passagem, o time comandado por Roberto Mancini controlou completamente a Holanda em Amsterdã e saiu da Johan Cruijff Arena com o resultado positivo. Além do placar construído fora de casa, a Itália contou com o triunfo da Polônia sobre a Bósnia e pode assumir a liderança do Grupo A1 da Nations League, com 4 pontos. Mancio chegou a 75% de aproveitamento no comando da Squadra Azzurra, com 14 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas. E, principalmente, dá a impressão de que o melhor está por vir.