Uma das funções mais célebres do futebol italiano é a de regista. Meio-campistas responsáveis por organizar o jogo foram essenciais para os títulos de quase todos os grandes times do país e, principalmente, nas conquistas daqueles mais surpreendentes. No Verona de 1984-85, por exemplo, o dono da faixa central do gramado era Antonio Di Gennaro.
Di Gennaro nasceu em Florença e começou sua carreira num celeiro de grandes meias. A Fiorentina nem sempre formou seus organizadores de jogo, mas certamente possibilitou o seu desenvolvimento. Que o digam Giancarlo De Sisti e Giancarlo Antognoni, craques que antecederam o jovem Antonio com a camisa púrpura. O segundo dos citados foi uma espécie de modelo para o garoto, proveniente de uma estrelada base violeta – dona de nove troféus de competições sub-19 na década de 1970.
Em 1976-77, aos 18 anos, o regista recebeu suas primeiras oportunidades entre os profissionais. A estreia não foi nada banal: Totò substituiu Antognoni e atuou como titular contra a Juventus, numa derrota por 3 a 1. Bell’Antonio ganhou mais espaço apenas em 1978-79, quando foi escalado pelo técnico Paolo Carosi em 21 partidas. Durou pouco, porém: disputar o mesmo pedaço de campo que o capitão do time não era nada fácil e o garoto acabou escanteado logo na temporada seguinte. Para não ficar eternamente na reserva de Antognoni, Di Gennaro – autor de 46 jogos e cinco gols pelos violetas – optou por se transferir e acertou com o Perugia.
O clube umbro passava por um excelente momento. O Perugia estreara na elite em 1975 e, com o financiamento do empresário Franco D’Attoma, acumulou campanhas na parte de cima da tabela, com direito a recorde e vice-campeonato em 1978. DiGe, como era chamado, tinha tudo para fazer uma excelente dupla de meio-campo com o potente Salvatore Bagni, mas a equipe não engrenou em 1980-81.
Apesar das atuações regulares dos meias, os biancorossi sentiram as saídas do técnico Ilario Castagner e do atacante Paolo Rossi. Sergio Fortunato, Sileno Passalacqua e Gianni De Rosa, seus substitutos no ataque, fracassaram de forma absoluta – assim como o remanescente Gianfranco Casarsa. Di Gennaro e Bagni articulavam as jogadas, mas os homens de frente não eram capazes de conclui-las com qualidade – os meio-campistas é que precisavam aparecer para finalizá-las e terminaram a Serie A com três e cinco gols, respectivamente. Só que os grifoni anotaram apenas 18 tentos em 30 rodadas, acabaram ficando na penúltima colocação e foram rebaixados.
Di Gennaro não permaneceu no Perugia para a disputa da temporada 1981-82. Contudo, jogaria mesmo a Serie B: na escolha mais acertada de sua carreira, decidiu se juntar ao recém-contratado Osvaldo Bagnoli, no Verona. Totò era um meia de muito potencial, que chegou às seleções de base italianas nos anos de Fiorentina, mas só veio a ganhar estrutura e se tornar realidade nas mãos do treinador do Hellas.
Bagnoli deu a DiGe a camisa 10 gialloblù e o colocou no centro das ações do seu Verona, montado num esquema que se assemelha ao 3-4-1-2 de hoje em dia. Di Gennaro atuava logo atrás dos dois atacantes, mas também costumava ser coberto pelos dois outros meias centrais para que pudesse articular o jogo a partir de uma posição mais recuada. Nessa dupla função, o cerebral Antonio se tornou um jogador mais objetivo e, com sua perna direita, passou a ditar o ritmo de sua equipe. Na primeira temporada no Vêneto, o florentino foi protagonista na conquista do título da Serie B.
Na sua volta à primeira divisão, o regista mostrou um futebol que, até aquele momento, escondera na máxima categoria nacional. Com poucos toques na bola, DiGe deu velocidade ao jogo de contra-ataque gialloblù e fez os scaligeri se transformarem numa das grandes surpresas do ano e numa das principais forças do futebol italiano: o Hellas chegou à Serie A obtendo um inédito quarto lugar em 1982-83, que lhe deu direito a uma vaga na Copa Uefa. Os gialloblù também conquistaram dois vice-campeonatos consecutivos da Coppa Italia – Juventus e Roma, respectivamente, ficaram com as taças.
Em 1984-85, veio a consagração. Logo de cara, Bell’Antonio roubou a cena na estreia de Diego Maradona pelo Napoli: Di Gennaro marcou um gol e ainda participou do tento de Giuseppe Galderisi na vitória por 3 a 1 sobre os partenopei. Na semana seguinte, mais uma bola na rede em triunfo pelo mesmo placar, ante o Ascoli. Não durou para que tivesse seu trabalho merecidamente reconhecido: como havia se consolidado como um dos melhores meio-campistas da Itália, aos 27 anos Totò foi convocado por Enzo Bearzot para disputar um amistoso preparatório para a Copa do Mundo de 1986. A performance do regista do Verona contra a Suíça agradou ao técnico e suas atuações pelos butei o mantiveram no grupo azzurro.
Na Serie A, DiGe continuava a ser um dos jogadores mais importantes do Hellas. Ao lado de Pietro Fanna e Hans-Peter Briegel, construía para que Galderisi e Preben Elkjaer Larsen se refestelassem frente aos arqueiros rivais. As rodadas passavam e o Verona ia se afirmando cada vez mais como candidato ao scudetto, carregado por um diretor de orquestra que lançava os colegas, mas finalizava com perfeição: Totò marcou quatro vezes no campeonato, sendo o mais importante deles o golaço de empate contra a Juventus, quando mandou uma bomba no ângulo bianconero e evitou a derrota dos mastini. Aliás, os veroneses perderam só duas vezes naquela campanha e puderam celebrar seu primeiro título italiano com uma jornada de antecedência.
Nos anos seguintes, o Verona não conseguiu repetir o excelente desempenho de sua temporada dourada. Bell’Antonio, porém, continuava a comandar a equipe com maestria. Por sua regularidade, o toscano foi chamado para defender a seleção italiana na Copa de 1986, sendo um dos três gialloblù no elenco da Nazionale. Galderisi e o líbero Roberto Tricella também viajaram ao México.
Di Gennaro foi titular em toda a fase de grupos, mas acabou perdendo a posição nas oitavas, quando Bearzot optou por um esquema mais cauteloso ante a França de Michel Platini e escalou Giuseppe Baresi para cuidar do juventino. A estratégia não deu certo e Totò voltou ao campo após o intervalo no mata-mata, quando havia pouco a fazer para evitar a eliminação. Os Bleus venceram por 2 a 0 e só viriam a cair nas semifinais, para a Alemanha Ocidental.
No retorno à Itália, o florentino – então com 28 anos – acabou sendo deixado de lado na renovação da Nazionale, conduzida por Azeglio Vicini. Di Gennaro, porém, ainda mostrava um grande futebol e foi um dos principais responsáveis por fazer o Hellas conquistar mais um quarto lugar na Serie A – naquela que ainda é a melhor campanha dos butei em mais de três décadas.
Em 1987, após a transferência de Tricella para a Juve, DiGe herdou a braçadeira de capitão dos scaligeri e a ostentou em sua última temporada pelo clube veronês. Como a agremiação atravessava problemas financeiros, o meia teve de se despedir dos torcedores após 258 jogos e 34 gols pelos mastini. Até hoje, Bell’Antonio integra a lista dos 10 jogadores que mais vezes vestiram o manto azul e amarelo.
Vivendo a fase final de sua trajetória futebolística, Di Gennaro acertou com o Bari, então na Serie B. O regista de 30 anos foi ajudar o time biancorosso a retornar à elite depois que uma gangorra de promoções e rebaixamentos entre a terceira e a primeira divisões movimentou a década de 1980 dos apulianos. Logo na primeira campanha pelo novo clube, sucesso: titular absoluto, Totò formou um meio-campo competitivo ao lado de Angelo Carbone e Pietro Maiellaro, abasteceu o atacante Paolo Monelli com solidez e comemorou o acesso dos galletti.
DiGe se tornou capitão do Bari na Serie A, mas perdeu a titularidade depois da chegada dos brasileiros Gérson Caçapa e João Paulo, que ofereciam mais mobilidade e alternativas ao técnico Gaetano Salvemini. Mesmo prestigiado e querido pela torcida, o já veterano Totò também foi prejudicado por problemas físicos e não pode entrar em campo com regularidade ao longo dos dois anos seguintes. Mesmo assim, ofereceu sua contribuição para a conquista da Copa Mitropa (o primeiro título internacional da agremiação) e para as campanhas de manutenção dos biancorossi na primeira divisão. Sem dúvidas, se despediu do clube com a missão cumprida.
Em Bari, capital da Apúlia, Totò fincara raízes: se casara pela segunda vez e tivera seu segundo filho. Portanto, acabou permanecendo na região para disputar sua última temporada como profissional: viajou 60 quilômetros a norte da metrópole e o fez na Serie C1, com a camisa do Barletta.
Depois de pendurar as chuteiras, Di Gennaro continuou a viver em Bari, salvo por dois parênteses. Em 2000, o ex-meia voltou a Florença para ser auxiliar de Fatih Terim, na Fiorentina, embora fosse o técnico de jure da Viola. O turco não tinha a documentação necessária para treinar times italianos, de forma que Totò, subordinado ao estrangeiro, cumpria o papel figurativo de assinar as súmulas no lugar do seu superior. Em 2001, após a demissão na Toscana, a dupla acertou com o Milan, mas durou pouco mais de cinco meses na corte de Silvio Berlusconi.
Bell’Antonio não quis seguir carreira como técnico e, desde então, vem se dividindo entre um sólido trabalho na mídia e seus projetos na Apúlia. Di Gennaro é mais conhecido por ser um prestigiado comentarista, já que trabalhou por diversas emissoras de rádio e TV da Itália (Sky Sport, Mediaset Premium, Rai e RMC), mas também atuou como gerente das divisões de base e consultor do Bari. Há mais de uma década, o ex-jogador ainda revela talentos em sua escolinha na capital apuliana.
Antonio Di Gennaro
Nascimento: 5 de outubro de 1958, em Florença, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Fiorentina (1976-80), Perugia (1980-81), Verona (1981-88), Bari (1988-91) e Barletta (1991-92)
Títulos: Serie B (1982), Serie A (1985) e Copa Mitropa (1990)
Seleção italiana: 15 jogos e 4 gols