Poucos times têm a chance de serem campeões continentais diante da sua torcida. Em 2014, a Juventus quase teve, mas acabou parando nas semifinais da Liga Europa para um combatente e organizado Benfica. Naquela ocasião, Jorge Jesus superou Antonio Conte.
O duelo colocou frente a frente duas potências nacionais. De um lado, uma Juventus tricampeã da competição – com títulos obtidos quando esta ainda se chamava Copa Uefa – e que estava a uma simples vitória de conseguir o terceiro dos nove scudetti de sua histórica sequência em solo italiano. Do outro lado, o Benfica, que já havia consolidado o Campeonato Português daquele ano e que tinha batido na trave na edição anterior da Liga Europa, depois de perder a decisão para o Chelsea com gol nos acréscimos. Esse foi o cenário do encontro do melhor time da Velha Bota contra a mais gabaritada equipe lusitana daquela época.
Os jogos foram disputados na reta final da temporada e já com os caminhos dentro das competições internas já definidos. Com isso, ambas as equipes vinham com força total para as partidas. A Juve buscava o tetracampeonato da Liga Europa – e a primeira conquista no novo formato.
A Vecchia Signora saiu da seca em 1977, quando levou a melhor diante dos espanhóis do Athletic Bilbao pelo critério do gol fora de casa. Em 1990, conquistou a taça da Copa Uefa diante da Fiorentina, na primeira final entre dois clubes italianos em competições internacionais organizadas pela máxima entidade europeia. E o tri foi obtido em 1993, com uma enorme vantagem no placar agregado (6 a 1) sobre os alemães do Borussia Dortmund. Ao contrário das outras, essa decisão seria em jogo único e havia uma motivação especial, já que a partida seria em Turim, em seu estádio. Já o Benfica buscava o título inédito e era candidato a estragar a festa bianconera.
Tanto a Juventus de Conte quanto o Benfica de Jesus chegaram à Liga Europa após terem amargado a terceira posição de seus grupos na Champions League. Os bianconeri ficaram atrás de Real Madrid e Galatasaray, numa chave que ainda tinha o Kobenhavn. Já os encarnados pontuaram menos do que o Paris Saint-Germain e tiveram desvantagem no confronto direto com o Olympiacos, enquanto o Anderlecht foi o saco de pancadas. Após a transferência de competições, a equipe italiana eliminou Trabzonspor (4 a 0), Fiorentina (2 a 1) e Lyon (3 a 1), ao passo que os portugueses passaram por PAOK (4 a 0), Tottenham (5 a 3) e AZ Alkmaar (3 a 0).
Com o Estádio da Luz lotado, Lisboa recebeu a primeira partida das semifinais. Aproveitando o apoio da torcida, o Benfica foi logo para cima e conseguiu a vantagem ainda na segunda volta do relógio. Em escanteio, o sérvio Miralem Sulejmani colocou a bola na testa de Ezequiel Garay, que cabeceou firme para o fundo do gol. Gianluigi Buffon chegou a espalmar para o lado, mas a bola bateu na bochecha da rede. O zagueiro argentino levou a melhor diante de Leonardo Bonucci, que sequer subiu para evitar o tento da equipe portuguesa.
O Benfica seguia em cima muito pelo apoio da torcida, que estava ensandecida nas arquibancadas, e pela marcação sob pressão do time. O estilo de jogo benfiquista impôs dificuldades na troca de passes do meio-campo bianconero. Entretanto, depois da volta do intervalo, a partida ficou mais equilibrada e a Juve começou a assustar. Primeiro, em cruzamento de Claudio Marchisio para uma cabeçada perigosa de Paul Pogba. Depois, a habilidade de Carlos Tevez jogou um balde de água fria nos portugueses.
A jogada do empate começou nos pés de Kwadwo Asamoah. O ganês recebeu em profundidade pelo lado esquerdo e achou Tevez livre na entrada da área. O argentino deu um corte, se livrando duplamente de Maxi Pereira e Luisão, para chutar firme de pé direito, já na entrada da pequena área, e igualar o marcador aos 73. A bola passou milimetricamente entre as pernas do goleiro Artur Moraes e parecia que daria tudo certo para a Vecchia Signora.
Mas, já na parte derradeira do jogo, o Benfica ensaiou uma troca de passes na intermediária italiana. Em passe de Enzo Pérez, Ivan Cavaleiro fez o corta luz e a bola sobrou para Lima. Na entrada da área, o atacante brasileiro chutou forte, de primeira, para enlouquecer o Estádio da Luz. Buffon até tentou chegar, mas o arremate cruzado, no alto, foi indefensável. A virada teve o dedo do técnico dos encarnados. Jesus colocou Lima no lugar de Óscar Cardozo e, dois minutos antes do gol, pôs Cavaleiro na posição de Sulejmani.
Para a partida de volta, a Juve de Conte precisava de uma vitória simples para chegar à final. Vale lembrar que, nesta altura existia o critério do peso maior ao gol marcado fora de casa, ou seja, os italianos lutavam por uma vitória magra de 1 a 0 para avançarem. Ou melhor, precisavam anotar só um tento. Apesar desse cenário, a Juventus não teve grandes oportunidades e contou muito mais com o apoio da torcida bianconera do que com inspiração dentro de campo.
Desde o início, o ataque da Juventus empilhava chances. Arturo Vidal, Tevez e até mesmo Andrea Pirlo tiveram oportunidades, mas pararam na falta de pontaria. Foram 19 os chutes a gol, mas só sete tomaram a direção da baliza defendida pelo esloveno Jan Oblak, que revezava com o suspenso Artur ao longo daquela temporada. Por sua vez, o combativo Benfica era incansável na marcação e tinha uma trinca formada por Garay, Luisão e Rúben Amorim, que defendia muito bem a meta portuguesa.
As oportunidades italianas apareciam em cruzamentos ou em chutes de fora da área de Pirlo. A primeira vez em que o time finalmente conseguiu vencer Oblak e parecia que iria abrir o placar, lá estava Luisão para tirar, em cima da linha, uma cabeçada de Vidal, já nos acréscimos da etapa inicial. Era um confronto em aberto, que retratava o equilíbrio entre as equipes.
Na volta para os derradeiros 45 minutos, o Benfica conseguiu o lance mais perigoso depois de jogada ensaiada de lateral, quando a bola sobrou na entrada da área livre para Rodrigo Moreno, que acabou chutando por cima da meta. Depois disso, só deu Juve – e de diferentes formas. Teve bola na trave em cobrança de falta de Pirlo e até reclamação forte de pênalti após a bola bater na mão de Lazar Markovic, em cabeçada de Fernando Llorente. O árbitro da partida, o inglês Mark Clattenburg, nada marcou – para a ira dos jogadores e torcedores italianos.
A ideia de jogo dos portugueses corria bem até os 68 minutos, quando o time ficou em desvantagem numérica. Depois de já ter visto o primeiro amarelo pouco antes, Enzo Pérez voltou a cometer uma falta dura, desta vez em cima de Vidal, e levou o vermelho. Depois, a pressão bianconera aumentou ainda mais. Novamente na bola aérea, Marchisio cruzou para Stephan Lichtsteiner, livre na segunda trave. Porém, o suíço não conseguiu o domínio e a bola morreu na linha de fundo.
E como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Na parte final do jogo, Pablo Daniel Osvaldo balançou as redes, mas foi assinalado impedimento de Pogba na assistência para o atacante da Juve. O time de Conte pressionou até o último lance, quando a vantagem numérica dentro de campo era ainda maior. Além da expulsão de Pérez, o Benfica ficou reduzido a nove jogadores depois da lesão de Garay, antes dos oito minutos de acréscimos – Jesus havia efetuado todas as substituições possíveis. Nos derradeiros momentos da semifinal, Tevez e Martín Cáceres pararam nas defesas de Oblak, que sustentou a igualdade no placar e eliminou a Velha Senhora.
O Benfica terminou a temporada com uma trinca de títulos: Campeonato Português, Taça de Portugal e Taça da Liga, mas ficou com o vice na Liga Europa. Depois de terem levado a melhor diante da dona da casa, os encarnados voltaram a Turim para a final diante do Sevilla. Após um empate sem gols no tempo normal e na prorrogação, o título foi decidido, a favor dos espanhóis, nos pênaltis. Aquele foi o primeiro título da sequência de três dos rojiblancos sob o comando de Unai Emery (2014, 2015 e 2016).
Para concluir a temporada, a Juventus não conseguiu a tão sonhada final europeia em seus domínios, mas faturou o scudetto com algumas rodadas de antecedência, rompendo a marca dos 102 pontos e com 17 de vantagem para a Roma, vice-campeã daquela edição. Apesar de o ano ter terminado com festa, ficou o gosto amargo de não ter podido celebrar um título continental em seu próprio estádio, algo raríssimo na era de decisões em jogos únicos.
Benfica 2-1 Juventus
Benfica: Arthur Moraes; Maxi Pereira, Luisão, Garay, Siqueira; Pérez, André Gomes (Cavaleiro), Markovic; Sulejmani (André Almeida), Cardozo (Lima) e Rodrigo Moreno. Técnico: Jorge Jesus.
Juventus: Buffon; Lichtsteiner, Chiellini, Bonucci, Cáceres; Asamoah, Pirlo, Pogba, Marchisio; Vučinić (Giovinco) e Tevez (Osvaldo). Técnico: Antonio Conte.
Gols: Garay (2′) e Lima (84’); Tevez (73’)
Árbitro: Cüneyt Çakir (Turquia)
Local e data: Estádio da Luz, Lisboa (Portugal), em 24 de abril de 2014
Juventus 0-0 Benfica
Juventus: Buffon; Lichtsteiner, Chiellini (Giovinco), Bonucci, Cáceres; Asamoah, Pirlo, Pogba, Vidal (Marchisio); Llorente (Osvaldo) e Tevez. Técnico: Antonio Conte.
Benfica: Oblak; Maxi Pereira, Luisão, Garay, Siqueira; Pérez, Rúben Amorim, Gaitán (Salvio); Markovic (Sulejmani), Lima e Rodrigo Moreno (André Almeida). Técnico: Jorge Jesus.
Árbitro: Mark Clattenburg (Inglaterra)
Local e data: Juventus Stadium, Turim (Itália), em 1º de maio de 2014