O Derby della Lanterna, que opõe Genoa e Sampdoria, é um dos confrontos de maior rivalidade do futebol italiano e as batalhas campais entre as equipes costumam render jogos absolutamente eletrizantes – não raro, históricos. Em 2009, o centésimo clássico da história já tinha motivos de sobra para ser ilustre por si só, mas uma atuação memorável do artilheiro Diego Milito eternizou aquele 3 de maio na memória dos rossoblù.
Àquela época, Genoa e Sampdoria tinham elencos equivalentes e muitas semelhanças. O craque dos grifoni era Milito, que brigava pela artilharia da Serie A; o blucerchiato era o genial e inconsequente Antonio Cassano. Cada um deles tinha um fiel escudeiro – Thiago Motta e Giampaolo Pazzini, respectivamente –, e colegas de bom nível. Pelos rossoblù, podemos citar Rubinho, Domenico Criscito, Matteo Ferrari, Marco Rossi e Ivan Juric, enquanto os dorianos tinham Luca Castellazzi, Hugo Campagnaro, Andrea Raggi, Daniele Gastaldello e Angelo Palombo.
Os dois times também eram comandados por técnicos emergentes, que resgatavam – cada um a seu modo – as linhas de três na defesa, que estiveram em evidência no futebol italiano nas décadas de 1970 e 1980. No Genoa, Gian Piero Gasperini já experimentava seu ofensivo e mutante 3-4-3, que faria sucesso tanto no Vecchio Balordo quanto na Atalanta, anos depois. Na Sampdoria, Walter Mazzarri fazia seus atletas praticarem o jogo extremamente físico que consagrou suas equipes, com volantes fortes, no intuito de sustentar o apoio dos alas e dos zagueiros laterais, e uma dupla de atacantes trabalhadora e prolífica.
Os arquirrivais se enfrentavam na 34ª rodada da Serie A, em 3 de maio de 2009, com objetivos distintos. De um lado, o Genoa, quinto colocado, perseguia o sonho de se classificar para um torneio continental – o que ocorrera apenas uma vez em sua história, em 1991. A Sampdoria também mirava a Europa, mas através da Coppa Italia, da qual era finalista: faltando 10 dias para a decisão contra a Lazio, a equipe blucerchiata estava apenas no meio da tabela do campeonato. Dessa forma, para a Samp o dérbi valia como incentivo para a fase final da temporada e como revanche, já que Milito dera a vitória por 1 a 0 para o Vecchio Balordo no primeiro turno.
Apesar do entusiasmo dos genoanos, quem começou melhor foi a Sampdoria. Pazzini e Cassano tiveram grandes chances, aos 2 e aos 26 minutos, mas finalizaram por cima do gol de Rubinho. O Genoa, até então, atuava de forma mais física e reativa, dentro do programado para o clássico. Foi aí que, aos 28, Milito recebeu de Raffaele Palladino, tirou Stefano Lucchini com um corte seco e bateu forte para a grande defesa de Castellazzi. O gol não saiu ali, mas no escanteio cedido pelo arqueiro: após a bola levantada na área, Giuseppe Biava escorou e o Príncipe, no segundo pau, completou para as redes.
O Genoa passou a criar mais depois de abrir o placar, numa pressão orientada por Gasperini. As instruções quase surtiram efeito aos 46 minutos, mas Andrea Raggi tirou o doce da boca de Palladino, quase na pequena área. Na sequência, surpresa: a Sampdoria empatou. Palombo arriscou de fora da área, a bola desviou na zaga rossoblù e caiu nos pés de Campagnaro. O argentino estava impedido, mas o gol acabou validado pelo árbitro Emidio Morganti.
A Samp começou a segunda etapa desperdiçando uma oportunidade incrível, quando Paolo Sammarco, na linha da pequena área, isolou. Era um início promissor, mas com o passar dos minutos o plano de jogo de Mazzarri foi minguando e o seu time foi perdendo performance, ao mesmo tempo em que teve de se privar de Lucchini e Raggi, por lesão – Gastaldello e Marco Padalino os substituíram.
A troca do ala direito, porém, demorou mais do que o esperado e custou caro para os blucerchiati. Ao tentar afastar em zona perigosa, Gennaro Delvecchio chutou a bola em cima de Criscito e Milito aproveitou a sobra para, com a ausência de reação de um exaurido Raggi, finalizar de canhota para fazer 2 a 1. O Príncipe estava impedido e, assim como no primeiro tempo, o árbitro auxiliar falhou ao não levantar a bandeira.
Depois que conseguiu a vantagem, o Genoa conseguiu reduzir o ritmo da partida e controlá-la com eficiência, ao inserir Omar Milanetto e Sokratis Papastathopoulos nos postos de Giuseppe Sculli e Biava. Os rossoblù picotavam o jogo e a Sampdoria, pressionada, se irritava. O Derby della Lanterna crescia em tensão e passou a se assemelhar ao violento calcio storico florentino, antecessor do futebol. O clássico ainda terminaria com 52 faltas, 10 cartões amarelos e três vermelhos – além dos dois gols impedidos e do tradicional show de fogos de artifício.
A crescente angústia atingiu seu pico aos 87 minutos. Sokratis cortou uma finalização de Pazzini e, após a bola ir para escanteio, Ferrari tentou intimidar o atacante, que acusou de simulação. Daniele Franceschini tomou as dores do colega e, após a confusão generalizada, com empurrões, safanões e puxões de cabelo, o genoano foi expulso por acúmulo de cartões.
Aos 89, a cena se repetiu depois que Rubinho se chocou com Delvecchio e o jogo parou. Um grupo de dorianos tentou pressionar o goleiro para evitar que ele fizesse cera. Pazzini corria em direção ao brasileiro quando levou um forte encontrão proposital de Motta, o que desencadeou um tumulto ainda maior do que o acontecido segundos antes. Campagnaro apertou a cabeça do volante adversário com força, em revide, e os dois foram mandados para o chuveiro mais cedo.
Com espaço sobrando em campo, a Sampdoria se lançou ao ataque em desespero. Aos 93, Palombo tentou levantar uma bola que havia sobrado na intermediária, mas perdeu o equilíbrio no gramado molhado e foi desarmado por Juric. Milanetto ficou com a posse e lançou Palladino, que arrancou do seu próprio campo, lado a lado com Milito. À frente deles, apenas Castellazzi, que nada podia fazer: a dupla progrediu sem ser importunada e o argentino recebeu para empurrar ao gol aberto.
Com um dos tentos mais fáceis de sua carreira, Milito se tornou o único autor de uma tripletta em um dérbi da cidade de Gênova e um dos vice-artilheiros do confronto com a Sampdoria, com quatro gols anotados. Grande contratação do Genoa para a temporada 2008-09, o Príncipe foi proclamado rei da Ligúria naquele dia mágico. Uma merecida coroação para um atacante que atravessava seu estado de graça: era capaz de criar jogadas sozinho e de finalizá-las com a mesma eficiência. Até o fim daquela campanha, o argentino chegaria aos 24 gols na Serie A, da qual foi vice-artilheiro.
Com um Milito estratosférico, o Genoa de Gasperini talvez merecesse mais. Por muito pouco, o Vecchio Balordo não se classificou para a Liga dos Campeões: o time fez os mesmos 68 pontos que a Fiorentina, mas acabou relegado à Liga Europa por causa do confronto direto, favorável aos viola. A Sampdoria, por sua vez, não se encontrou após a queda no clássico e perdeu a final da Coppa Italia para a Lazio. Menos mal para os blucerchiati que o troco nos rivais foi dado numa temporada 2009-10 brilhante, que culminou em vaga na Champions League. Em 2010-11, o Genoa riria por último – e melhor –, mas essa história fica para um outro momento.
Genoa 3-1 Sampdoria
Genoa: Rubinho; Biava (Papastathopoulos), Ferrari, Bocchetti; Rossi (Mesto), Thiago Motta, Juric, Criscito; Sculli (Milanetto), Milito, Palladino. Técnico: Gian Piero Gasperini.
Sampdoria: Castellazzi; Campagnaro, Lucchini (Gastaldello), Accardi; Raggi (Padalino), Sammarco (Delvecchio), Palombo, Franceschini, Pieri; Cassano, Pazzini. Técnico: Walter Mazzarri.
Gols: Milito (30′, 73′ e 90 + 3′); Campagnaro (45 + 3′)
Cartões vermelhos: Ferrari e Thiago Motta; Campagnaro.
Árbitro: Emidio Morganti (Itália)
Local e data: Luigi Ferraris, Gênova (Itália), em 3 de maio de 2009.