Quem não conhecia Omar Milanetto e, se guiando por estereótipos, o via pela primeira vez, poderia sequer imaginar que ele era um jogador profissional de futebol. Muito menos que atuava como um meio-campista voluntarioso, que se doava por seus times e costumava correr muito. Seu físico, meio rechonchudo, não parece propriamente o que um atleta exibe, ao menos no senso comum – que, frequentemente, não corresponde à realidade. Inclusive, ele não foi o único “gordinho” a ter atuado (e bem) pela Serie A nos anos 2000 e 2010: Simone Tiribocchi, Christian Riganò e Riccardo Zampagna, centroavantes, também tem um tipo físico parecido com o meia que fez sucesso no Genoa.
Milanetto começou sua carreira nos juvenis da Juventus e ganhou títulos por lá: em 1994, dividindo o campo com o craque Alessandro Del Piero, faturou a Copa Viareggio e o Campeonato Primavera. Entretanto, ao contrário da lenda bianconera, nunca teve espaço entre os profissionais se transferiu para o Fiorenzuola, da antiga Serie C1. Jogando com alguma frequência, contribuiu por duas temporadas e meia para a melhor fase da história do clube rossonero, que quase subiu para a Serie B e atingiu as oitavas de final da Coppa Italia em meados da década de 1990.
Em janeiro de 1997, o meio-campista trocou de clube após 72 aparições pelos valdaresi e assinou por empréstimo com o Monza, também da C1. Com dois gols em 22 partidas, Milanetto ajudou no acesso da formação biancorossa à Serie B daquela temporada, mas não foi contratado em definitivo pelos brianzoli.
Negociado com o rival Como, Omar ficou por mais três temporadas na mesma categoria, atuando como titular e somando 88 partidas com a camisa azzurra. Porém, não conseguiu levar os lombardos para a segundona. O objetivo até ficou próximo na temporada 1998-99, quando os lariani foram derrotados pela Pistoiese nos playoffs de acesso.

Milanetto foi importante num Modena que chegou à Serie A e chegou a ser capitão do time em algumas oportunidades (EMPICS/Getty)
Na década de 2000, mais uma mudança de clube: aos 25 anos, Milanetto acertou com o Modena, que estava na terceira divisão havia cerca de uma década, depois de ser rebaixado da Serie B em 1981. Na Emília-Romanha, sua carreira enfim decolou: era o principal jogador do meio-campo dos canários, atuando com muita disposição e diligência. Por estes atributos, ganhou o apelido de Hannibal, em referência a Hannibal Lecter, serial killer criado pelo escritor Thomas Harris e eternizado por Anthony Hopkins no cinema.
Em quatro temporadas pelo Modena, Omar conquistou o título da Serie C1, a Supercopa da competição e o vice-campeonato da segundona, que devolveu o time à elite após quase 40 anos de ausência. Na máxima categoria do futebol italiano, Milanetto continuou sendo um dos principais jogadores de uma equipe limitadíssima, que contava também com Stefano Mauri e Giuseppe Sculli – anote esses nomes. Vez ou outra, usava a braçadeira de capitão.
Treinado por Gianni De Biasi, aquele Modena chegou ao 12º lugar da Serie A em 2002-03. Na mesma temporada, Milanetto teve uma ótima atuação contra a Roma no Olímpico. Nesta partida, anulou Francesco Totti e ainda marcou, de pênalti, um dos gols da vitória gialloblù.
No Modena, Milanetto começou a ganhar destaque exercendo dois papeis durante uma mesma partida: ora mediano, como Gabriele Oriali, ora regista, como Andrea Pirlo. Para isso, aliava força física e boa marcação a ótima visão de jogo, qualidade nos lançamentos e poder para cadenciar o ritmo do seu time. Para completar seu leque de características, o piemontês era também exímio cobrador de pênaltis. Omar foi o cobrador oficial dos canários, manteve o posto depois, no Brescia, e ocasionalmente deixou os seus a partir da marca da cal no Genoa. Porém, todos estes atributos não foram suficientes para evitar a queda dos emilianos à Serie B na temporada 2003-04.
Com o rebaixamento, deixou o Modena depois de 122 aparições e 13 gols marcados, foi contratado pelo Brescia, que não contava mais com Roberto Baggio, recém-aposentado. A expectativa dos rondinelle era a de conseguir a salvezza, mas, num campeonato disputadíssimo na parte de baixo da tabela, o descenso foi sacramentado na última rodada, após uma derrota em confronto direto contra a Fiorentina.
Milanetto permaneceu para jogar a segundona e marcou oito gols, enquanto o Brescia nem chegou a lutar para alcançar o retorno a elite. Não obstante a decepção lombarda, suas boas performances individuais ao longo das 69 partidas em que representou os biancazzurri lhe valeram uma transferência para o ambicioso Genoa de Enrico Preziosi, Gian Piero Gasperini e Marco Rossi, que sonhava com a Serie A.
Em sua temporada de estreia vestindo o tradicional uniforme rossoblù, foi titular e “cão de guarda” do meio-campo do técnico Gasperini, recebendo 10 cartões amarelos durante todo o campeonato, o qual o Genoa terminou em terceiro, garantindo o seu retorno à elite do futebol nacional. Em seu primeiro ano com os grifoni na Serie A, continuou sendo muito mais um volante responsável pela interceptação das jogadas adversárias, juntamente a Ivan Juric, do que por criar para sua equipe.
Porém, na temporada seguinte, a contratação de Thiago Motta deu mais equilíbrio ao meio-campo genovês e Milanetto pôde voltar a sair mais para o jogo – anda que, em parte, a chegada do ítalo-brasileiro tenha lhe subtraído um pouco de espaço no onze inicial. A partir daquele momento, as obrigações de marcação e criação estavam distribuídas de maneira mais igualitária entre os quatro jogadores do setor, formado ocasionalmente pelo próprio Milanetto, além de Motta, Rossi e Juric – com o acréscimo de Giandomenico Mesto e Domenico Criscito nas alas. Juntos, foram destaques de um time que, liderado pelo goleador Diego Milito, foi quinto colocado da Serie A e se classificou para a Liga Europa, ficando a apenas um pontinho de uma inédita vaga na Champions League.

Milanetto viveu a melhor fase de sua carreira nos cinco anos em que defendeu o Genoa, quase sempre sob as ordens de Gasperini (Getty)
Na temporada 2009-10, Milanetto recuperou espaço, já que Motta se transferiu para a Inter, e foi um dos melhores jogadores de uma irregular equipe do Genoa. O piemontês fez sua melhor partida justamente na vitória por 3 a 0 no Derby della Lanterna, contra a Sampdoria: na ocasião, liderou o meio-campo, impedindo que Antonio Cassano e companhia criassem qualquer jogada perigosa. Além de tudo, marcou um gol (de pênalti) e foi o autor de um belo lançamento para Rossi anotar um dos tentos do elástico triunfo. No fim das contas, entretanto, os grifoni não conseguiram se classificar novamente a uma competição continental, já que ficaram na nona posição da Serie A. Na Liga Europa, a aventura terminou precocemente, ainda na fase de grupos.
Milanetto seguiu como titular absoluto do Genoa em 2010-11. Apesar de bruxinho de Gasperini, não perdeu o posto após a demissão do treinador, que foi substituído por Davide Ballardini ainda no início da Serie A, por conta de uma sequência de resultados negativos. O Vecchio Balordo voltou a ficar no meio da tabela (foi o 10º colocado) e Omar, já veterano, passou a considerar que era hora de zarpar.
Como era um dos líderes do elenco, o meio-campista, então com quase 36 anos, costumava receber cobranças da torcida e, ao mesmo tempo, colecionou atritos com os ultras. Em maio de 2011, a gota d’água se deu no dérbi com a Sampdoria: o piemontês serviu uma assistência para Mauro Boselli decidir a peleja aos 96 minutos, no último lance, e, na comemoração, provocou os torcedores. Os gestos levaram os organizados a pedirem a sua cabeça e este foi o fim da linha para Milanetto na capital da Ligúria. Ao longo de cinco temporadas, Omar somou 168 partidas e 12 gols pelos rossoblù.
Em julho de 2011, Milanetto foi anunciado pelo Lugano, da Suíça, mas só durou três dias no novo clube, que disputaria a segundona helvética. O meia pensou melhor sobre as condições dos bianconeri e decidiu firmar pelo Padova, que havia ficado muito perto de retornar à elite em 2011 – perdeu a final dos playoffs de acesso para o Novara. Omar não atuaria tanto pelos biancoscudati, até porque passou a entrar em declínio físico, mas logo no início de sua passagem pelo Vêneto voltou a castigar a Sampdoria, que caíra para a Serie B: no Marassi que conhecia tão bem, anotou o seu primeiro gol pelo clube num empate por 2 a 2.
Ao fim da temporada 2011-12, que o Padova concluiu na sétima posição da Serie B, a vida de Milanetto se tornou um inferno. Dois dias depois do encerramento da temporada, o regista foi preso por suposto envolvimento num escândalo de apostas e manipulação de partidas. Na lista com muitos acusados, constavam os nomes de Mauri e Sculli, seus companheiros no Modena – o segundo deles também foi seu colega no Genoa. Segundo a procuradoria, o grupo teria atuado para acertar o resultado do jogo entre Lazio e Genoa, favorecendo criminosos.
Omar foi solto uma semana depois e teve de cumprir algumas semanas de prisão domiciliar. Em julho de 2012, após ter emagrecido oito quilos, voltou a treinar com o Padova, já que tinha contrato até 2013 com os biancoscudati, mas não tinha cabeça para o esporte e, amigavelmente, rescindiu o vínculo com o clube. Na prática, pendurou as chuteiras para se defender na justiça e conseguiu provar sua inocência nos três processos em que foi acusado pela promotoria. Milanetto chegou a pedir 500 mil euros de indenização pela detenção injusta, mas o Tribunal de Apelação de Brescia, que julgou o caso, determinou o pagamento de apenas 30 mil.
Livre dos percalços com a justiça, Milanetto não se afastou do futebol. Fazendo jus à visão que tinha em campo, o ex-meia se tornou olheiro e trabalhou por Genoa, Torino e Verona. Com a experiência acumulada na nova função, em 2023 se tornou o chefe do departamento de scouting do Cesena, então na Serie C. Alguém duvida que, na captação desses talentos, Omar vai conseguir revelar atletas que, assim como ele, foram subestimados devido a uma primeira impressão preconceituosa?
Omar Milanetto
Nascimento: 30 de novembro de 1975, em Venaria Reale, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Juventus (1993-94), Fiorenzuola (1994-96), Monza (1996-97), Como (1997-2000), Modena (2000-04), Brescia (2004-06), Genoa (2006-11), Lugano (2011) e Padova (2011-12)
Títulos: Copa Viareggio (1994), Campeonato Primavera (1994), Serie C1 (2001) e Supercopa da Serie C1 (2001)