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Ícone da Juventus, Pietro Rava foi o último campeão mundial de 1938 a falecer

Conquistar títulos no futebol é o objetivo de qualquer jogador, mas pouquíssimos conseguiram ganhar a Copa do Mundo, o ouro olímpico, a Serie A e a Coppa Italia. Pietro Rava é um dos três únicos, juntamente a Alfredo Foni e Ugo Locatelli: todos eles fizeram história pela Itália na década de 1930.

Rava nasceu em 1916, em plena I Guerra Mundial. No pequeno município de Cassine, na região de Piemonte, distante cerca de 300 quilômetros de um dos fronts do conflito, sua mãe era dona de casa e seu pai era um funcionário do setor ferroviário, tão importante para a pujante indústria do norte da Itália. Ainda criança, a família se mudou para Turim, onde Pietro logo se interessaria pelo futebol, que começava a se popularizar no país.

Na capital piemontesa, Rava ingressaria nas categorias de base da Juventus com apenas 13 anos, em 1929. Enquanto se desenvolvia no esporte, Pietro só torceu pelos profissionais durante a trajetória bianconera no célebre Quinquennio d’Oro (o primeiro pentacampeonato consecutivo de uma equipe italiana), entre 1931 e 1935. Sua estreia no time de cima ocorreu em 1935-36, quando a morte repentina do presidente Edoardo Agnelli levou a Velha Senhora a viver um período de austeridade e apostar nos jovens formados em casa.

Rava entrou na Juventus como ala pela esquerda, virou volante nos juvenis e estreou numa terceira – e definitiva – função: a de lateral defensivo canhoto. Os méritos dessa descoberta foram do técnico Virginio Rosetta, que acabou presenteando o mundo com um dos melhores da posição naquela época. Ao mesmo tempo, o garoto dividia seu tempo com os estudos: chegou a se diplomar em engenharia civil no Instituto Germano Sommeiller, exatamente em Turim.

Sua vida universitária lhe renderia glórias futebolísticas em 1936. Na época, podiam disputar os Jogos Olímpicos apenas atletas amadores e/ou inscritos em instituições de ensino superior e, dessa forma, Rava foi chamado por Vittorio Pozzo para integrar o “time de estudantes” italianos que embarcou para Berlim. Logo na estreia, em vitória por 1 a 0 contra os Estados Unidos, o jogador de 20 anos acabou sendo o primeiro atleta da seleção a ser expulso.

Rava liderava até nos vestiários do centro de treinamentos da Juventus, onde até distribuía os fardamentos (Wikipedia)

O torneio não previa suspensões e Pietro retornou para o restante do certame. Jogando ao lado de Foni – que seria seu colega de zaga durante a maior parte de sua carreira –, Rava formou a melhor dupla de defesa da Olimpíada e ajudou a Itália a seguir em frente. A Nazionale bateu Japão (8 a 0) e Noruega (2 a 1), antes de despachar a Áustria pelo mesmo placar das semifinais, graças a Annibale Frossi, e ficou com a sonhada medalha de ouro.

Campeão olímpico, Rava voltou a Turim para ser titular na lateral esquerda da Juventus. Numa época em que os jogadores da função se preocupavam quase que integralmente em defender, o piemontês quebrou barreiras: além de ser eficaz pelo alto e nas antecipações, o raçudo Pietro avançava ao ataque e finalizava bem com os dois pés, embora fosse canhoto. Em alta, ajudou a Juve a conquistar a Coppa Italia de 1938 sobre o Torino, com placar agregado de 5 a 2, e, no mesmo ano, foi convocado para a Copa do Mundo.

O entrosamento entre os juventinos Rava e Foni estava de volta à Nazionale. Pietro atuou em todas as partidas e só não fez parceria com Alfredo no primeiro jogo, contra a Noruega – nesta partida, na qual os italianos triunfaram na prorrogação, formou dupla com Eraldo Monzeglio. A Itália ainda fez 3 a 1 sobre a França, dona da casa, nas quartas; venceu a semifinal ao bater o Brasil por 2 a 1; e, finalmente, se sagrou bicampeã mundial com um 4 a 2 sobre a Hungria. Pietro teve desempenho muito elogiado e foi eleito como um dos melhores da competição.

No retorno ao Piemonte, o defensor voltou a mostrar o temperamento intempestivo que lhe fez ser o primeiro italiano a expulso numa partida oficial. Rava surpreendeu os dirigentes da Juventus ao entrar em greve depois que o clube recusou seu pedido de aumento de salário – até hoje, é considerado o jogador pioneiro em termos de rebelião por questões salariais. Pietro começou seu protesto durante uma partida contra o Modena, quando começou a jogar mal de propósito. No intervalo, quando o vice-presidente Giovanni Mazzonis lhe pediu maior empenho, o atleta rebateu: “jogue o senhor, então”.

Rava acabou sendo barrado dos jogos seguintes e a renovação com o clube, seguida de sua reintegração, só aconteceu depois da interferência da Federação Italiana de Futebol. A FIGC convenceu o jogador a voltar atrás e aceitar que a Juventus não poderia, em sua política de austeridade, arcar com um aumento salarial – mesmo considerando a importância de Pietro para o clube, o que se refletiria com a sua transformação em capitão, em 1942. A avareza dos bianconeri se refletia nos resultados: após o título da Coppa Italia de 1938, a Velha Senhora oscilou e só voltou a celebrar em 1942, quando superou o Milan com um agregado de 5 a 2 e faturou mais uma copa nacional.

Pela Alessandria, Rava reencontra Carlo Parola, seu colega de defesa na Juventus (Museo Grigio)

Depois da conquista, Rava partiu para outras lutas – literalmente. As tensões na Europa cresciam e a II Guerra Mundial, em curso desde 1939, havia escalado até seu ápice. O juventino havia perdido alguns amigos em combate e pensou que deveria dar a sua contribuição, de forma que decidiu se alistar voluntariamente e partiu para o front oriental, na União Soviética, onde foi oficial por seis meses. Após esse período na Ucrânia, o defensor aproveitou uma licença para voltar à Itália. “Eu deixei a guerra arruinado,” contou ao jornal La Repubblica, em 2003.

No retorno ao clube, o jogador disputou o Campeonato da Alta Itália, em 1943-44, e o Italiano de 1945-46 – na qual marcou sete gols, tendo a temporada mais prolífica de sua carreira. Depois disso, porém, a Juventus decidiu reformular a defesa e Rava, de 30 anos, seria substituído pelo jovem Oscar Vicich. Furioso pela contratação, Pietro pediu para ser negociado e se transferiu para o Alessandria, recém-promovido para a Serie A.

Pelo time da sua província natal, Rava se destacou: assumiu a faixa de capitão e ajudou os grigi a se manterem na elite, marcando, inclusive, cinco gols na campanha. Seu desempenho foi tão bom que as portas da seleção se abriram novamente e ele pode fazer uma partida de despedida contra a Áustria. Não só: o investimento da Juventus na defesa não deu certo e o clube pagou 14 milhões de velhas liras para tê-lo de volta. Pietro teve um retorno triunfal e retomou a braçadeira em Turim.

Rava foi titular em 1947-48 e 1948-49, temporadas em que a Juventus não conquistou títulos, mas perdeu a posição na campanha seguinte por conta de seu temperamento explosivo. O lateral teve desentendimentos com Jesse Carver, novo treinador bianconero, e atuou apenas em seis partidas. Mesmo assim, contribuiu minimamente para a conquista do oitavo scudetto juventino. Assim, depois de 15 anos e 330 jogos pela Juventus, o veterano se despediu do clube com mais um título.

O lateral atraiu o interesse do Milan, mas – em respeito ao clube que tanto amou – optou por reforçar o Novara, que também disputava a Serie A. Rava ajudou o time a ficar no meio de tabela por duas temporadas, até pendurar as chuteiras, em 1952. Lá mesmo, durante seu último ano como profissional, Pietro começou a carreira de treinador e, acumulando dupla função, comandou os juvenis dos azzurri.

Após se aposentar, Rava (à direita) foi auxiliar de Ferrari na seleção italiana (Museo Grigio)

À beira do campo, Rava não teve o mesmo sucesso. O ex-jogador comandou Padova, Monza, Palermo e Alessandria na segundona e teve sua única experiência na Serie A quando dirigiu a Sampdoria em dupla com o húngaro Lajos Czeizler, em 1956-57. O piemontês ainda passou por Carrarese e Cuneo, na quarta categoria, e se aposentou pela Biellese, na Serie C. Rava também foi professor no centro de formação de técnicos, em Coverciano, e, entre 1959 e 1961, foi auxiliar de Giovanni Ferrari – seu ex-companheiro de Juventus – na seleção italiana.

Longe dos campos, Rava teve uma loja de artigos esportivos em sociedade com o ex-juventino Carlo Parola e também foi proprietário de uma autoescola em Turim. No seu tempo livre, o reservado Pietro gostava de pescar. A vida frugal, fora dos holofotes, só foi mesmo atrapalhada pelas doenças decorrentes da velhice. Em 1998, o ex-zagueiro sobreviveu a um ataque cardíaco, mas acabou sofrendo do Mal de Alzheimer em seus últimos momentos de vida. Em 2006, sofreu uma queda e quebrou o fêmur: não conseguiu sobreviver à cirurgia reparatória e veio a falecer aos 90 anos, deixando a esposa Gianna e a filha Carla. Pietro Rava foi o último integrante da seleção italiana de 1938 a falecer.

Ainda em vida, o bicampeão mundial recebeu como homenagem a medalha de Ordem ao Mérito da República Italiana, em 2003. Após seu falecimento, Rava também foi lembrado pela torcida da Juventus com uma estrela na calçada da fama do Allianz Stadium, em 2011, e quatro anos depois, um jardim público na zona sul de Turim ganhou o seu nome.

Justas homenagens para um jogador que formou, com Foni, uma das mais célebres defesas da história do futebol italiano. Um atleta que chegou a ser descrito por Gianni Agnelli como um dos maiores símbolos da Juventus e por Pozzo, histórico treinador da seleção, como o melhor lateral do mundo.

Pietro Rava
Nascimento: 21 de janeiro de 1916, em Cassine, Itália
Morte: 5 de novembro de 2006, em Turim, Itália
Posição: lateral-esquerdo
Clubes: Juventus (1935-46 e 1947-1950), Alessandria (1946-47) e Novara (1950-52)
Títulos conquistados: Ouro Olímpico (1936), Coppa Italia (1938 e 1942), Copa do Mundo (1938) e Serie A (1950)
Clubes como treinador: Novara (juvenis; 1951-52), Padova (1952 e 1953-54), Carrarese (1953), Cuneo (1954-55), Monza (1955-56 e 1958-59), Sampdoria (1956-57), Palermo (1957), Alessandria (1961-63), Biellese (1963-64)
Seleção italiana: 30 jogos

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