Uma data para nenhum torcedor de Sampdoria ou Barcelona esquecer: 20 de maio de 1992. No lendário Estádio de Wembley, a Samp vivia um sonho e alcançava o apogeu de sua era de ouro, chegando à uma final de Copa dos Campeões que só fora possível devido aos investimentos do magnata Paolo Mantovani, o grande dirigente da história da agremiação. O Dream Team do Barça, por sua vez, buscava espantar um fantasma e conquistar um título que até então jamais havia vencido.
O ciclo vitorioso da Sampdoria com o técnico iugoslavo Vujadin Boskov, responsável por levá-la à final da Copa dos Campeões de 1992, iniciou-se em 1986. Naquele ano, o treinador finalista da competição com o Real Madrid, em 1981, foi contratado por Mantovani e tornou comum, de certa forma, o hábito de lutar por títulos. Entre 1986 e 1992, os genoveses conquistaram uma Serie A (1991), uma Recopa Uefa, duas copas nacionais e uma Supercopa Italiana.
Os catalães, comandados pelo revolucionário Johan Cruyff, também mudaram de rumo com a chegada do técnico, em 1988. Dentre os títulos nacionais e internacionais conquistados, destaca-se a vitória na final da Recopa Uefa de 1989, sobre a mesma Sampdoria de Boskov. Naquela decisão, os blaugranas contavam com alguns jogadores que também estariam na disputa de 1992, como Andoni Zubizarreta, Julio Salinas e Txiki Begiristain. O time italiano teve sete remanescentes, como Roberto Mancini, Gianluca Vialli e Toninho Cerezo. No torneio dos vencedores de copas nacionais, o Barça venceu por 2 a 0, com gols de Salinas e Luis López Rekarte.
O caminho até a final
A edição de 1991-92 seria a última da Copa dos Campeões, mas foi a primeira que teve uma fase de grupos – antes, o torneio era completamente eliminatório. No novo formato, os 32 times envolvidos jogariam duas etapas de mata-mata e os oito “sobreviventes” seriam divididos em duas chaves de quatro, com os vencedores destas fazendo a finalíssima da competição, que no ano seguinte se passaria a chamar Liga dos Campeões.
No primeiro estágio do torneio, a Sampdoria derrotou o Rosenborg com um impressionante placar de 7 a 1 no agregado. Na etapa posterior das eliminatórias, os genoveses tiveram dificuldades contra os húngaros do Budapest Honvéd: o brilhantismo de Vialli, com dois gols no segundo jogo, guiou a formação italiana para a fase final da competição. Os blucerchiati iriam enfrentar três times no Grupo A, sendo esses os iugoslavos do Estrela Vermelha, os belgas do Anderlecht e os gregos do Panathinakos. Vale destacar que o clube da Iugoslávia era o campeão europeu da época e que, em 1990, a equipe da Bélgica caíra na decisão da Recopa para a própria Samp.
Os genoveses ganharam três dos seis jogos disputados, perdendo apenas um deles, contra o Anderlecht – 3 a 2. Primeira no grupo, a Sampdoria vivia um verdadeiro conto de fadas e avançava de forma mágica para a final da Copa dos Campeões, com possibilidades reais de levantar a taça. A equipe italiana se credenciava pelas exibições impressionantes do trio composto por Vialli, Mancini e Attilio Lombardo: juntos, somavam 14 gols, sendo seis do centroavante e quatro dos seus escudeiros.
O Dream Team de Cruyff chegou aos grupos com certa dificuldade: a vitória sobre o Hansa Rostock por 3 a 1 na primeira fase foi tranquila, mas o time suou na etapa seguinte, contra os alemães do Kaiserslautern. Os blaugranas só não foram eliminados por causa da regra do gol fora de casa, que fora acionada com o tento de José Mari Bakero aos 87 minutos, na Alemanha. O jogo terminou em 3 a 3 e o Barcelona avançou para a o seu quadrangular final.
Contra Sparta Praga, Benfica e Dynamo Kyiv, os espanhóis não tiveram muitos problemas e dominaram o grupo, vencendo quatro jogos e perdendo apenas para os checoslovacos. O Barça iria à finalíssima em Wembley com sede de vitória, pronto para, enfim, faturar o sonhado título europeu – e se concretizar como a grande força do futebol do continente naquele momento.
O jogo
Sob os olhares de quase 71 mil torcedores presentes no mítico Wembley, Barcelona e Sampdoria disputariam o tão desejado troféu da Copa dos Campeões, num jogo que também prometia um grande choque de estilos. Os blaugranas atuavam num 3-1-4-2 fluido e ofensivo, com o meio-campo formando uma espécie de losango junto ao ataque. Eusebio, Pep Guardiola, Bakero e Juan Carlos trocavam de posição constantemente no sistema de Cruyff, enquanto Michael Laudrup costumava penetrar entre Salinas e Hristo Stoichkov como um “falso nove”.
Do outro lado, a Sampdoria do pragmático Boskov estava postada em um clássico 4-4-2, ainda com Pietro Vierchowod atuando como líbero, fazendo a retaguarda, e um meio-campo técnico e marcador – com Cerezo e Fausto Pari –, aliado a um brilhante ataque composto por Mancini e Vialli. A estratégia do treinador iugoslavo era claríssima: jogar atrás e apostar nos contra-ataques rápidos puxados pelo veloz ponta Lombardo. O goleiro Gianluca Pagliuca seria importantíssimo na decisão.
Bem no início da partida, o zagueiro holandês Ronald Koeman começava a mostrar a potência de seus chutes em cobranças de falta, forçando Pagliuca a trabalhar. No lance seguinte, Lombardo aproveitou o passe oportunista de Pari e parou na boa defesa do goleiro Zubizarreta. Com as bolas longas de Koeman, os blaugranas tentavam furar a compacta defesa blucerchiata, que contava com a excelência de Vierchowod para cortar os lançamentos.
O grande lance do primeiro tempo foi a cabeçada do búlgaro Stoichkov após cruzamento de Eusebio, que obrigou Pagliuca a usar de sua elasticidade para fazer uma brilhante defesa. Na segunda etapa, o Barcelona começou a reter mais a bola e Salinas, carrasco da Sampdoria na final da Recopa de um ano antes, quase abriu o placar depois de driblar diversas vezes a defesa blucerchiata. Pagliuca, outra vez, interveio de forma brilhante.
Retraída em parte do duelo, a Samp teve suas chances no segundo tempo. A primeira ocorreu quando Lombardo disparou pela ala direita e, depois de passar por um jogador blaugrana, cruzou para Vialli. Sozinho depois de sair da marcação de Koeman, o atacante italiano mandou a bola por cima do gol. Não seria a única oportunidade perdido pelo atacante na peleja.
O Barça voltou a assustar em um contra-ataque puxado por Salinas: Stoichkov entrou na área e chutou cruzado, mas a bola tirou tinta da trave de Pagliuca. Depois disso, a Samp levou perigo novamente com Vialli. Após bom passe de Marco Lanna, o atacante escapou de Koeman e, dessa vez, acertou o gol, mas parou na boa defesa de Zubizarreta.
A oportunidade mais clara do time italiano aconteceu quando Pagliuca deu um chutão e a bola sobrou para Mancini. Brilhantemente, o camisa 10 achou um passe na medida para Vialli, que saiu cara a cara com o goleiro e tentou uma cavadinha. A pelota deu um quique – apenas um –, e foi para fora, quase beijando a trave. O lance é lembrando por todo torcedor da Sampdoria até hoje: assim como os adeptos presentes em Londres naquele 20 de maio, lamentam o fato de aquela finalização não ter entrado.
Depois de um jogo equilibrado, com chances para ambos os times, a decisão foi para a prorrogação. Esperava-se que os italianos, comandados por Boskov, psicólogo e motivador nato, levassem alguma vantagem emocional para cima dos espanhóis, que ainda viviam com as péssimas lembranças da final de 1986, perdida nos pênaltis para o Steaua Bucareste.
O epílogo
No primeiro tempo da prorrogação, praticamente nada aconteceu. O destaque ficou para a questionada substituição de Vialli, que deu lugar ao ponta Renato Buso: Boskov parecia ter a intenção de segurar o resultado. Ainda na etapa inicial, Lanna teve, de cabeça, a oportunidade de desempatar a partida depois de uma cobrança de escanteio, mas a bola acabou indo por cima do gol.
Aos 112 minutos de jogo, Eusebio tentava segurar a pelota na entrada da área blucerchiata. Contudo, a marcação desastrada de Giovanni Invernizzi, que substituíra Ivano Bonetti, deu origem a uma falta na entrada da área. Koeman já havia mostrado nessa mesma partida sua maestria em cobranças daquela distância. Era naquele desenlace que o conto de fadas da Sampdoria acabaria; para o Barcelona, o início de um protagonismo que só cresceria com o tempo, culminando em mais glórias como a daquele dia.
Depois de Stoichkov e Bakero ajeitarem a bola, Koeman deu uma curta corrida, e com um verdadeiro petardo, não deu chances ao até então herói Pagliuca: mesmo pulando, não conseguiu alcançar o chute. Um passo para a esquerda antes do movimento foi fatal para que a pelota estufasse as suas redes. Nem mesmo uma espécie de barreira dupla armada para o lance lhe ajudou. Enquanto Buso, Cerezo e Srecko Katanec ficaram fixos, cobrindo um canto, Pari, Mancini, Lombardo e Moreno Mannini correram para bloquear o arremate, mas o foguete passou mesmo assim.
Nervosa, a Sampdoria pouco criou nos últimos minutos e o Barcelona se tornou campeão da Copa dos Campeões pela primeira vez. Ao final do jogo, as lágrimas de Mancini, ídolo blucerchiato, eram também as dos milhares de torcedores dorianos que acompanhavam a partida em Wembley e por toda a Ligúria.
Por algum tempo, Wembley foi sinônimo de dor não só para a Sampdoria, mas para Vialli, Mancini e Lombardo. O primeiro amenizou este sentimento ao faturar quatro títulos de copas no estádio pelo Chelsea, tanto como jogador quanto como técnico, no fim da década de 1990. Mancio, como treinador, e Attilio, como auxiliar, também celebraram na arena em 2011, quando venceram a Copa da Inglaterra.
Nada, porém, se compara ao verdadeiro exorcismo de 2021. Quase três décadas depois do vice pela Sampdoria, o triunvirato doriano se juntou a Giulio Nuciari, arqueiro reserva da Samp na decisão contra o Barcelona, para expurgar de uma vez os sentimentos perante Wembley. Mancini, na qualidade de comandante; Lombardo e Nuciari, como assistentes; e Vialli, o chefe da delegação; eram parte da comissão técnica que levou a Itália ao bicampeonato da Euro e conseguiu pintar o estádio com o tricolor italiano.
Barcelona 1-0 Sampdoria
Barcelona: Zubizarreta; Ferrer, Koeman, Nando; Guardiola (Alexanko); Eusebio, Bakero, Laudrup, Juan Carlos; Stoichkov, Salinas (Goikoetxea). Técnico: Johan Cruyff.
Sampdoria: Pagliuca; Mannini, Vierchowod, Lanna, Katanec; Lombardo, Toninho Cerezo, Pari, Bonetti (Invernizzi); Mancini, Vialli (Buso). Técnico: Vujadin Boskov.
Gol: Koeman (112′)
Árbitro: Aron Schmidhuber (Alemanha)
Local e data: Wembley, Londres (Inglaterra), em 20 de maio de 1992