A maior ambição de um jogador futebol é produzir o suficiente para ser lembrado por títulos, gols e alegrias proporcionadas dentro e, por que não, fora das quatro linhas. Alguns também têm o sonho de se destacarem individualmente, ainda que o esporte seja coletivo. Essa segunda parte, contudo, não se aplicaria ao lateral-direito Michael Reiziger. O neerlandês pode não ser tão lembrado como os compatriotas que vestiram a camisa do Milan, mas prezou por cumprir seu papel pelos clubes que defendeu. Nada de brilhantismo, apenas fazia o que precisava fazer.
Ninguém escolhe ser o jogador principal do time, mas existem atletas que estão satisfeitos com o que oferecem ao coletivo. A regularidade de Reiziger permitiu ao lateral abocanhar a titularidade da seleção holandesa durante 10 anos, com direito a três aparições na Eurocopa e uma na Copa do Mundo. Apesar disso, a sua passagem pelo Milan foi marcada por lesões.
O começo da carreira
Filho de surinameses, Michael nasceu em Amsteveel, cidade localizada na região metropolitana de Amsterdã. Aos 12 anos, ingressou no setor juvenil do Ajax e, aos 17, em 1990, foi agregado ao plantel principal pela primeira vez.
Durante a fase de adaptação ao futebol profissional, é comum que atletas sejam cedidos a outros clubes para conquistarem minutagem. Com Reiziger, ocorreu a mesma coisa: após dois anos de espaço bastante reduzido no Ajax, foi emprestado ao Volendam. Retornou em janeiro de 1993 e, meses depois, terminou repassado ao Groningen. Foi exatamente pelos alviverdes que explodiu. Jogando como meio-campista, disputou 34 partidas e anotou seis gols na Eredivisie, contribuindo para a permanência dos nortistas na elite holandesa.
De volta ao Ajax e com mais experiência, Reiziger esteve no elenco vencedor da Liga dos Campeões 1994-95. Michael não era exuberante do ponto de vista técnico, mas contribuía para o funcionamento de um time que contava com nomes como Clarence Seedorf, Edwin van der Sar, Frank Rijkaard, Danny Blind, Winston Bogarde, Edgar Davids, Marc Overmars, Jari Litmanen, Patrick Kluivert, Nwankwo Kanu e os irmãos Frank e Ronald De Boer.
Sob as ordens do técnico Louis van Gaal, Reiziger até variou de posição na defesa, atuando às vezes como zagueiro. Mas sua função principal era mesmo a de origem, como lateral-direito, sem avançar tanto ao ataque. Dessa forma, o jogador foi absoluto no Ajax entre 1994 e 1996, período em que conquistou sete taças – inclusive a de campeão mundial. O suficiente para, aos 23 anos, representar a Holanda na Eurocopa e garantir uma passagem para o futebol italiano, já que foi contratado pelo Milan ao fim da competição.
O fracasso no Milan
Um ano antes de ser adquirido pelo Milan, Reiziger havia derrotado os rossoneri na final da Liga dos Campeões. Como reforço milanista, poderia se beneficiar da escola italiana de futebol para evoluir como defensor. Era uma grande oportunidade de aparecer e de se desenvolver enquanto jogador, além de poder continuar na rota dos títulos. Em fim de contrato, Michael chegava acompanhado do compatriota Davids – Bogarde e Kluivert, por sua vez, tinham acerto para se juntarem ao Diavolo na temporada seguinte.
No Milan do recém-contratado Óscar Tabárez, o holandês teria a concorrência do veterano Mauro Tassotti e de Christian Panucci, da sua mesma geração. Reiziger estreou na derrota dos rossoneri para a Fiorentina, na Supercopa Italiana, e começou sua trajetória com a camisa vermelha e preta sendo opção de banco, recebendo chances esporádicas nas copas. Além de ganhar minutos no segundo tempo das derrotas para Porto e IFK Göteborg, pela Champions League, Michael foi titular em partidas de fases preliminares da Coppa Italia. Pela Serie A, viu o campo apenas em novembro de 1996, num empate por 0 a 0 com a Juventus.
Duas semanas depois, Reiziger jogou sua sexta partida como titular pelo Milan. O Diavolo acabou derrotado por 3 a 2 pelo Piacenza, graças a um golaço de bicicleta anotado por Pasquale Luiso, e passou por uma troca no comando: o resultado, que coroava um início de trabalho muito ruim de Tabárez, derrubou o uruguaio e fez Arrigo Sacchi retornar ao clube. Dado o histórico positivo do treinador no trato com atletas holandeses e sua inspiração no futebol total laranja, parecia um bom presságio para Michael.
De fato, a volta de Sacchi a Milanello representou um respiro para o novo contratado. O técnico tinha grandes diferenças com Panucci, e liberou o desafeto assim que Fabio Capello quis levá-lo ao Real Madrid, em janeiro de 1997. Dessa forma, Reiziger virou titular e até ganhou um apelido, criado a partir de um trocadilho com o seu sobrenome, no intuito de fazer um paralelo com sua velocidade: o lateral passou a ser chamado de “Razzo” ou “foguete”, em italiano.
O rojão, contudo, jamais estourou. Sob as ordens de Sacchi, o Milan não cresceu de produção e continuou jogando tão mal quanto na reestreia do técnico – uma derrota em pleno San Siro para o Rosenborg, que voltou para a Noruega com a classificação para a segunda fase da Champions League, tomando o lugar do Diavolo. Reiziger, por sua vez, foi titular em quatro partidas seguidas da Serie A, mas não entregou desempenho satisfatório nas derrotas para Lazio e Verona, no empate com o Cagliari e no magro triunfo sobre o Vicenza.
Reiziger, voltou, então, para o banco. Sacchi resgatou Tassotti, que não vinha sendo utilizado e se aposentaria ao fim da temporada, e até mesmo improvisou o zagueiro Alessandro Costacurta e o lateral-esquerdo Francesco Coco no flanco direito. Michael, além de não render, ainda vivia às voltas com problemas físicos que lhe impediam de dar o máximo.
Depois de mais de dois meses de escassa utilização, o holandês voltou a frequentar o onze inicial milanista na 26ª rodada da Serie A, contra a Juventus. O seu azar foi justamente este. Na partida, todas as limitações de Reiziger e daquele Milan ficaram expostas de forma obscena: em San Siro, a Velha Senhora aplicou um sonoro 6 a 1 e encerrou o ciclo de Michael na Itália.
Depois do baile que levou de Vladimir Jugovic, autor de dois gols no clássico, Reiziger voltou para o banco rossonero e só atuou novamente nos 22 minutos finais de uma derrota por 2 a 0 para o Vicenza, pela penúltima jornada da Serie A. O Diavolo concluiu o certame na 11ª posição, apenas seis pontos acima da zona de rebaixamento, e o neerlandês foi colocado na lista de transferências.
Os últimos anos
Van Gaal, seu mentor no Ajax, aproveitou o fato de que o lateral estava no mercado depois de apenas 18 aparições pelo Milan. Um dos seus primeiros atos como técnico do Barcelona foi pedir a contratação do pupilo para a diretoria blaugrana. Na Catalunha, Reiziger virou o fio, sendo um jogador importante até 2000. Depois disso, cumpriu o seu papel – embora considerado um elemento questionável, por sua falta de brilhantismo e pequeno aporte ofensivo. Em sete anos no clube, disputou 255 partidas, sem gols marcados, e levantou quatro taças.
O fim da passagem pelo Barcelona, em 2004, representou o outono da carreira de Reiziger. Naquela mesma temporada, o jogador de 31 anos disputou sua terceira e última Eurocopa pela Holanda, ajudando a Oranje a ser semifinalista da competição – resultado que também obtivera na Euro 2000, quando os laranjas foram eliminados em casa pela Itália, e na Copa do Mundo de 1998. Depois disso, Michael não foi mais convocado para a seleção e teve discretas passagens por Middlesbrough e PSV Eindhoven, clubes em que pouco jogou. Em 2007, após bicampeonato da Eredivisie, pendurou as chuteiras.
Com a carreira de jogador encerrada, Reiziger seguiu no futebol, dessa vez ocupando cargos à beira do gramado. No Sparta Rotterdam, foi técnico das categorias de base e auxiliar da equipe adulta, até voltar ao Ajax, em 2017. Até 2019, treinou o time B, quando se tornou colaborador do plantel principal – o qual até dirigiu interinamente, numa oportunidade. Gabriël, seu filho, vem tentando seguir os seus passos e faz parte do setor juvenil do PEC Zwolle. Em 2023, assumiu a seleção sub-21 da Holanda.
Colaborou Felipe dos Santos Souza, do Espreme a Laranja.
Michael John Reiziger
Nascimento: 3 de maio de 1973, em Amstelveen, Países Baixos
Posição: lateral-direito
Clubes: Ajax (1990-92, 1993 e 1994-96), Volendam (1992), Groningen (1993-94) Milan (1996-97), Barcelona (1997-2004), Middlesbrough (2004-05) e PSV Eindhoven (2005-07)
Títulos: Copa Uefa (1991), Copa da Holanda (1993), Supercopa da Holanda (1994 e 1995), Eredivisie (1995, 1996, 2006 e 2007), Liga dos Campeões (1995), Supercopa Uefa (1995 e 1997), Mundial Interclubes (1995), La Liga (1998 e 1999) e Copa do Rei (1998)
Clubes como treinador: Jong Ajax (2017-19) e Ajax (2017)
Títulos como treinador: Segunda Divisão Holandesa (2018)
Seleção holandesa: 72 jogos e 1 gol
Esse Milan aí da metade dos anos 90 foi um cemitério de carreiras. Jogadores que vinham bem, iam para esse Milan aí, tinham uma queda de desempenho, e depois que saíam, voltavam a melhorar.
Se bem que alguns que jogaram nesse Milan aí, já não eram grandes coisas, e viraram grandes perebas. Como é o caso do Dugarry.