Em um 12 de março, no ano de 1921, nascia Giovanni Agnelli, o filho mais ilustre de uma das linhagens mais nobres da Itália. Mas ninguém o chamada de Giovanni, já que esse era seu avô: ele era Gianni ou L’Avvocato. Homem forte da família, ele foi o presidente da Fiat e também comandou a Juventus em momentos históricos, vivendo os bastidores do clube por cerca de 50 anos, como presidente de fato ou presidente honorário.
A família Agnelli é dona da maior parte das ações da Juve desde pouco depois do nascimento de Gianni: de 1923 até hoje o clube é financiado pelos aristocratas do Piemonte, que vez ou outra delegaram funções para homens de confiança. Então, de certa forma, é possível dizer que a história dos Agnelli e, mais especificamente, a de Gianni, se confundem com a da Velha Senhora.
Gianni foi um dos quatro Agnelli que se tornaram presidentes do clube. Seu pai, Edoardo, foi o primeiro (1923-35), seu irmão Umberto foi o terceiro (1955-1962) e, desde 2010, seu sobrinho-neto Andrea é o principal cartola juventino. Entre 1947 e 1954, L’Avvocato foi o segundo membro da família a controlar o clube, algo que aconteceu, de certa forma, por um triste acaso do destino.
Em 1935, quando a II Guerra Mundial estava prestes a estourar, Edoardo Agnelli faleceu em um acidente aéreo. À época, o primogênito Gianni tinha apenas 14 anos e não tomou a dianteira dos negócios da família. Após servir a Itália no conflito, entre 1941 e 1943, ele foi chamado de volta por influência do avô, senador da república fascista, e se formou em direito – área em que nunca atuou, mas que lhe rendeu o apelido “L’Avvocato”, “O Advogado”, em português.
Depois da graduação, Agnelli viu sua família quase perder a Fiat, por causa das ligações com o Partido Fascista, mas, como primeiro na fila de sucessão, começava a ser preparado para ser o herdeiro do império. Enquanto a montadora automobilística estava nas mãos de um testa de ferro da família, ele assumia responsabilidades menores, como a presidência de uma fábrica de bicicletas. E, em 1947, outro negócio “pouco sério”: o controle da Juventus.
Em sua gestão, L’Avvocato conquistou duas Serie A, em 1950 e 1952, além de três vice-campeonatos – a pior classificação em sete anos foi um 4º lugar, em 1949. O primeiro desses dois scudetti tirou a Juve de um incômodo jejum de 15 anos sem a taça nacional, justamente em um período de domínio do maior rival, o Torino. A Velha Senhora participou também da Copa Rio, reconhecida pela Fifa como primeiro Mundial Interclubes, e ficou com o vice-campeonato, perdendo a final para o Palmeiras em pleno Maracanã.
Naqueles anos, Gianni também foi responsável pela contratação de alguns jogadores importantes da história juventina, como os dinamarqueses John Hansen e Karl Aage Praest, além da lenda Giampiero Boniperti – segundo maior artilheiro e futuro presidente do clube. A forte relação com Boniperti começou ali e foi fundamental para que o atacante assumisse o clube depois de pendurar entre as chuteiras e ficasse no comando por 19 anos, entre 1971 e 1990.
Com o passar dos anos, L’Avvocato já era um dos homens mais influentes da Itália e da Europa – há quem diga que ele foi o italiano mais bem sucedido de toda a história. As frequentes viagens internacionais e as crescentes obrigações com os negócios da família fizeram com que ele deixasse oficialmente a presidência do clube, que acabou ficando com seu irmão, Umberto, que assumiu o tornou-se “O Diretor” quando tinha apenas 22 anos.
Depois de deixar a presidência, Gianni Agnelli continuou no clube como presidente honorário. Afinal, era o novo patriarca da família e mantinha a influência nos bastidores do clube e do ambiente midiático e político italiano – sua família é dona do jornal La Stampa, ocupou ministérios e, além de receber várias comendas, Gianni recebeu o cargo de senador vitalício da república.
Não eram apenas negócios, claro: L’Avvocato também amava o seu time do coração, o qual assistia no estádio sempre que podia. O cartola ficou famoso por telefonar diariamente, às 6 da manhã, para Boniperti quando ele era capitão da Juventus e depois quando o atacante se tornou presidente. A marcação era cerrada e servia para que Agnelli se inteirasse sobre tudo o que acontecia na diretoria.
Gianni Agnelli era um mito, e isso também contribuiu para ele ter ficado como presidente honorário da Juventus. Ele simbolizava a Fiat, maior empresa do país, e para muitos era “o rei da Itália”. No pós-guerra italiano e durante crises econômicas e políticas do país, a gigante dos automóveis era um ponto de referência para os trabalhadores da Itália e sinônimo da esperança de dias melhores, de um futuro próspero. Rico, influente, carismático, bem humorado, elegante e culto, Gianni Agnelli era o que todo italiano queria ser.
Não é exagero dizer que parte do fato de a Juventus ter a maior torcida da Bota, espalhada por todo o território tenha muito a ver com o fato de O Advogado ser imagem e semelhança do clube. Uma boa amostra disso é a cena do filme “Eccezziunale… veramente”, que retrata a sociedade italiana através de paródias e de três diferentes personagens – um torcedor da Inter, outro do Milan e outro da Juve. O bianconero é Tirzan, caminhoneiro da Apúlia e que trapaceia seus empregadores para viajar até a Bélgica só para assistir seu time do coração. Em dado momento da história, o pobretão acaba ganhando um assento no estádio ao lado de Agnelli e não consegue parar de falar com ele.
Claro, com L’Avvocato como presidente honorário a Juventus também vencia – e muito. Gianni Agnelli é, até hoje, uma das personalidades mais importantes na história do futebol italiano. Entre 1947, quando assumiu a presidência, e 1994, quando deixou de ser presidente honorário, conquistou 23 títulos: 10 scudetti, uma Copa dos Campeões, um Mundial Interclubes, quatro Copas da Itália, três Copas Uefa, uma Recopa e uma Supercopa Uefa.
Mesmo depois de deixar de lado o dia a dia do clube, por causa da avançada idade, Agnelli ia ao Delle Alpi e aos treinamentos da Velha Senhora quando podia. Alessandro Del Piero foi o último grande ídolo do excelso juventino, que faleceu em 2003, em decorrência de um câncer de próstata.