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Parte de um célebre Messina, Marc Zoro é lembrado por reação a ultras racistas da Inter

27 de novembro de 2005 foi o dia que mudou a carreira de Marc Zoro para sempre. Zagueiro, marfinense, 1,82m, negro. Entre suas qualidades enquanto defensor ou como ser humano, Marco, como ficou conhecido na Itália, é lembrado por como reagiu a ataques racistas em um jogo disputado na casa de seu próprio time: antes dele, ninguém havia se recusado a jogar por causa de ofensas étnicas. Membro da seleção da Costa do Marfim por alguns anos, mesmo sem se firmar definitivamente, fez parte de um Messina histórico e efêmero, que despencou assim como decolou dentro do futebol italiano

Baixo para um defensor central, Marc nasceu na cidade de Abidjã, em 1983. Depois de passar por duas escolas de futebol na sua terra natal, foi descoberto por olheiros da Salernitana, que visavam outra promessa no lugar. Aos 16 anos, se mudou para a Campânia, onde começou nas categorias de base do clube grená. Logo estreou pelo profissional, em 2000: na reta final da Serie B, o zagueiro entrou nas últimas três partidas, ganhando rodagem, assim como na temporada seguinte.

Na primeira segunda divisão do novo milênio, Zoro começou tendo oportunidades, mas passou a maior parte das partidas no banco. Foram apenas 13 como titular, e a campanha dos granata piorou em relação à anterior: do sexto lugar, a equipe passou para o 15°. Em 2001, o marfinense assumiu a titularidade e passou a ser figura constante no onze inicial.

No fim de 2002, Marco anotou o primeiro gol como profissional, e logo em um clássico. Contra o Napoli, jogando em casa, o zagueiro balançou as redes completando com a direita um cruzamento a meia-altura. O duelo terminou em 2 a 0 para a Salernitana, naquela que seria a sua última vitória com a camisa do clube que o projetou na Europa.

Zoro chegou cedo à Itália e, após ser revelado pela Salernitana, fez sucesso no Messina (imago/Buzzi)

Seu bom desempenho, contrastando com o da Salernitana, que só havia vencido dois jogos até o confronto com os partenopei, lhe rendeu uma vaga na seleção da Costa do Marfim, sendo convocado pela primeira vez em 2003. Pouco antes disso, em janeiro do mesmo ano, Zoro foi cedido ao Messina. Deixando para trás o lanterna da competição, passou alguns meses emprestado na nova casa antes de ser adquirido em definitivo para viver temporadas memoráveis em sua carreira.

Com 20 anos, passou a fazer parte de uma equipe histórica. O Messina, que na época pertencia ao empresário Pietro Franza, viria a conseguir o segundo acesso à elite de sua história ao fim da Serie B 2003-04, graças ao quarto lugar na tabela. Em agosto de 2004, em paralelo ao começo da temporada, foi inaugurado o novo estádio dos giallorossi, o San Filippo. A empolgação com a nova casa, tanto dos torcedores quanto dos jogadores, se refletiu dentro de campo.

Com 12 vitórias, 12 empates e 14 derrotas, a equipe treinada por Bortolo Mutti surpreendeu a todos, alcançando o sétimo lugar na Serie A. Com apenas 5 pontos de distância do Palermo, o Messina por pouco não conseguiu uma vaga nas competições europeias. Ao longo da campanha, os peloritani superaram vários gigantes. O primeiro deles foi a Roma, na estreia do San Filippo: 4 a 3, de virada, após uma tripletta de Vincenzo Montella pelos capitolinos.

Na rodada seguinte, a terceira do campeonato, a vítima foi o Milan – 2 a 1, novamente de virada. Tanto nesses jogos quanto ao longo da temporada, Zoro alternava entre a lateral direita e o centro da defesa, mas, majoritariamente, atuou no lado do campo, sendo um reforço ao sistema defensivo pelas alas e compensando a falta de velocidade do beque iraniano Rahman Rezaei. A última vitória sobre um grande italiano foi contra a Inter, sem a presença de Marc e com o gol decisivo do brasileiro Rafael, que o substituía. Balançar as redes, a propósito, não era o forte do marfinense. Na campanha inteira, não marcou uma vez sequer.

Em 2005, Zoro foi vítima de injúrias raciais de torcedores da Inter e não pensou duas vezes em interromper a partida (AP)

Já em 2005, Marc enfrentou um dos momentos mais difíceis da carreira dentro de campo, mas não como um profissional de futebol. Já no decorrer de 2005-06, Messina e Inter se enfrentaram pela 13ª rodada da Serie A. Aos 22 minutos do segundo tempo, a Inter vencia por 2 a 0 na casa do rival, em que o silêncio dos adeptos locais deixava ainda mais claro gritos e gestos racistas direcionados a Zoro por parte dos ultras visitantes.

O marfinense, então deu um basta. Indignado, pegou a bola com as mãos, a colocou entre os braços e decidiu que não iria mais jogar com aqueles insultos. Foi a primeira vez que um jogador interrompeu uma partida de futebol por causa de injúrias de cunho racial. Outros, como Kevin-Prince Boateng, Mario Balotelli e Kalidou Koulibaly, tomariam atitudes similares nos anos seguintes.

“Não podia mais aguentar. O que eu fiz foi instintivo. Eles estavam na minha cabeça. Estava cheio do que eles estavam dizendo. Eu não conseguia me concentrar no jogo, não podia continuar daquela maneira e precisava pegar a bola”, disse o defensor sobre o caso. Atletas da Inter, como Adriano e Obafemi Martins, tentaram fazer com que os ultras da equipe pararem de insultar o companheiro de profissão e o acolheram, com abraços e conversas. Após o sistema de alto-falantes informar o que estava acontecendo para o restante do estádio, Marco foi aplaudido. E, apenas pelo temor de prejudicar a sua agremiação, continuou em campo até o fim daquela partida, terminada com o placar de 2 a 1.

Seu ato não passou despercebido e fez Giacinto Facchetti, presidente da Inter, lhe pedir desculpas em nome do clube. O acontecimento repercutiu em todo o mundo, inclusive na federação italiana. Como uma reação ao episódio, jogos de 15 dias depois tiveram cinco minutos de atraso para as equipes entrarem com faixas de “Não ao racismo”. Lembrando: isso aconteceu em 2005, há quase duas décadas. Logicamente a iniciativa não resolveu o problema, que se repetiu diversas vezes com outros jogadores negros e árabes no país – sem falar nos de origem eslava ou do povo rom.

O marfinense é lembrado por ter reagido contra o racismo, mas também marcou época no melhor Messina da história (imago/IPA)

Em termos de futebol, o Messina decepcionava. Depois do incrível sétimo lugar, a equipe não conseguiu repetir o excelente desempenho. Na verdade, acabou fazendo exatamente o oposto: em 2005-06, os sicilianos brigaram contra o rebaixamento e, em campo, terminaram amargando o descenso com alguma antecedência – já dirigidos por Gian Piero Ventura, somaam sete pontos a menos do que o Siena. No entanto, as sentenças do escândalo Calciopoli fizeram com que a Juventus fosse rebaixada e os peloritani subissem para o 17° lugar, se salvando da queda.

Em janeiro e fevereiro de 2006, Zoro disputou a Copa Africana de Nações pela Costa do Marfim, mas não foi titular absoluto. Escalado estrategicamente, atuou 90 minutos na segunda partida da fase de grupos, na vitória por 2 a 1 sobre a Líbia; na reta final do duelo contra Camarões, nas quartas de final; e nas semis, contra a Nigéria, em triunfo por 1 a 0. Na decisão, perdida nos pênaltis para o Egito, dono da casa, não chegou a entrar em campo. Mais tarde, em julho, foi convocado para a Copa do Mundo na Alemanha, com 23 anos. No entanto, não ganhou nenhum minuto para mostrar serviço e viu os Elefantes ficarem com o terceiro lugar do Grupo C, ao perder para Argentina e Holanda e ganhar da seleção de Sérvia e Montenegro.

Ao voltar para o Messina, Marco pouco pode fazer para evitar a queda meteórica do clube da Sicília, que já havia se desenhado em 2005-06. Com três trocas de treinadores e apenas cinco vitórias conquistadas em toda a Serie A 2006-07, o rebaixamento foi contundente, com a lanterna da competição. Também foi o adeus de Zoro, que não renovou para o time e o deixou, após 125 aparições. Pelo que apresentou na Itália, o defensor ganhou a chance de vestir uma das camisas mais tradicionais da Europa.

Em maio de 2007, o zagueiro marfinense passou a fazer parte do elenco do Benfica. Porém, suas chances de atuar foram mínimas. Na sua primeira temporada, jogou apenas duas partidas da liga. Na única como titular, contra o União Leiria, marcou o primeiro gol dos encarnados no empate por 2 a 2. Em entrevista ao veículo português Record, afirmou que sua falta de minutos tinha a ver com questões extracampo, envolvendo uma rixa entre o presidente do clube e um intermediário de negociações, José Veiga. Ainda assim, foi selecionado para defender a Costa do Marfim na Copa Africana de Nações de 2008.

Depois da boa passagem pelo Messina, Marco não conseguiu mais mostrar um futebol consistente (imago/Buzzi)

Claramente infeliz, Zoro conseguiu na janela de inverno de 2009 um empréstimo de 18 meses para o Vitória de Setúbal. De olho na Copa do Mundo, passou a jogar com maior frequência, porém, não foi chamado nem para o Mundial nem para a Copa Africana de Nações de 2010. A carreira, com 27 anos, começava a declinar.

O jogador não continuou em Setúbal após o fim de seu empréstimo. Logicamente afastado na Luz, em janeiro conseguiu embarcar em uma de suas primeiras aventuras em mercados alternativos, rumando ao Universitatea Craiova, da Romênia. Entre períodos sem clube, passou também pelo Angers, da França, e por três equipes da Grécia: OFI Creta, Chania e Asteras Amaliadas, onde encerrou a carreira, em 2017.

Fora dos gramados, Marc Zoro toca atualmente uma escolinha de futebol na Costa do Marfim. Interessado em melhorar a modalidade em seu país natal, trabalha junto de Didier Drogba para conseguir cargos na federação marfinense. Segundo ele, há problemas atuais com a qualidade de jogo, e as ideias da dupla visam focar em melhorias nos campeonatos locais.

Marc-André Kpolo Zoro
Nascimento: 27 de dezembro de 1983, em Abidjã, Costa do Marfim
Posição: zagueiro e lateral-direito
Clubes: Salernitana (1999-2003), Messina (2003-07), Benfica (2007-09, 2010-11), Vitória de Setúbal (2009-10), Universitatea Craiova (2011), Angers (2012-13), OFI Creta (2013-14), Chania (2016-17) e Asteras Amaliadas (2017-18)
Seleção marfinense: 22 jogos e 1 gol

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