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Sinisa Mihajlovic: insuperável como o maior cobrador de faltas da Serie A

Reconhecido internacionalmente como um dos grandes batedores de falta que já atuaram profissionalmente, Mihajlovic é detentor de uma carreira recheadas de títulos, polêmicas e recordes. Marcas como a tripletta realizada apenas com cobranças de falta em partida vencida pela Lazio contra a Sampdoria, por 5 a 2. Tal fato nunca havia sido registrado anteriormente na Serie A e até hoje é exclusividade do sérvio.

Nascido na antiga Iugoslávia em 1969, Mihajlovic começou a carreira amadora no NK Borovo, depois passou pelo Vojvodina Novi Sad. Foi no início da sua temporada como profissional que descobriram que, além de ser um bom zagueiro, tinha um chute potente com a perna esquerda. Com o apelido de Bomba de Borovo ele marcou 20 gols em 73 partidas antes de se transferir ao Estrela Vermelha.

Em Belgrado, sua bomba chegou a ser alvo de estudos do departamento de Física da principal universidade local, que concluiu que seu tiro poderia atingir os 165 km/h. Mihajlovic ficou dois anos no Estrela Vermelha e atuou ao lado de jogadores como Robert Prosinecki e Dejan Savicevic, marcou nove gols e venceu dois campeonatos nacionais, além da Liga dos Campeões de 1990-91 e o Mundial Interclubes na mesma temporada.

A Roma foi o primeiro clube de Mihajlovic na Itália (imago)

Apesar de ter conquistado a Europa com a equipe do estádio Marakana, Sinisa Mihajlovic construiu sua carreira no futebol italiano. Teve passagens por Roma e Inter de Milão, mas foi na Sampdoria e na Lazio que o sérvio fez mais sucesso. Logo após o título europeu, foi contratado pela Loba. Com uma passagem discreta, o sérvio (que era escalado pelo técnico Carlo Mazzone como volante) fez 69 jogos, marcou sete gols e ajudou a equipe a terminar em décimo e sétimo na Serie A em suas duas temporadas pelos giallorossi.

Em 1994, o jogador foi contratado pela Sampdoria e foi pelos blucerchiati que conheceu o sucesso. Logo em sua primeira temporada, Mihajlovic teve sua posição alterada pelo técnico Vujadin Boskov e passou a atuar na lateral esquerda. Naquele ano, a equipe chegou à semifinal da Recopa, mas acabou eliminada pelo Arsenal. Com a chegada de Sven-Göran Eriksson ao clube genovês, Sinisa teve sua posição alterada mais uma vez e virou zagueiro central, função na qual mais se destacou na carreira, atuando com a classe de quem tinha um pé esquerdo privilegiado.

Em quatro temporadas, Mihajlovic fez 128 jogos e marcou 15 gols – número alto para um zagueiro. Isso, somado às grandes atuações, rendeu a convocação para a Copa do Mundo de 1998. No Mundial, ajudou a seleção da Iugoslávia a chegar às oitavas de final, quando foi eliminada pela Holanda nos acréscimos, e acabou entrando para a história ao anotar um tento na partida contra o Irã e um contra, no duelo contra a Alemanha. Além dele, apenas quatro jogadores conseguiram esse “feito”.

Gestos técnicos perfeitos nas cobranças de faltas também foram vistos amplamente em seus tempos de Sampdoria (Ansa)

Neste mesmo ano, Mihajlovic foi contratado pela Lazio a pedido de Eriksson, que havia trocado a Samp pelos capitolinos meses antes. Em sua estreia pelos aquilotti ele conquistou seu primeiro título em solo italiano: a Supercopa Italiana, com uma vitória sobre a Juventus. Na temporada de debute, Sinisa chegou ao recorde já citado na abertura deste texto, ao marcar três gols de falta contra sua antiga equipe e também ajudou os laziali a vencerem a Recopa Uefa sobre o Mallorca.

No entanto, foi em 2000 que ele atingiu o auge atuando na Itália. Ao marcar sete gols em 26 partidas, Mihajlovic esteve presente na conquista do segundo scudetto da história da Lazio, 26 anos após o primeiro, conquistado em 1974. Além dele, jogadores como Alessandro Nesta, Fernando Couto, Juan Sebastián Verón, Pavel Nedved, Diego Simeone, Dejan Stankovic, Marcelo Salas, Fabrizio Ravanelli e Roberto Mancini faziam parte do elenco estelar bancado por Sergio Cragnotti, através da gigante Cirio. O plantel conseguiu também o título da Coppa Italia.

Ainda durante o ano que fechava o século XX, depois de disputar a Euro 2000 pela Iugoslávia, Mihajlovic também se envolveu em uma grande polêmica, depois de ter sido acusado de racismo contra Patrick Vieira durante uma partida contra o Arsenal, em partida da Liga dos Campeões da temporada 2000-01. Em resposta, alegou que o francês também havia proferido uma ofensa étnica – teria lhe chamado de “cigano de merda”, frase xenófoba que, de fato, foi utilizada várias vezes contra Sinisa em sua carreira, inclusive posteriormente.

Zagueiro goleador e técnico, sérvio saía para o jogo com desenvoltura (Allsport)

Anos depois, em 2003, o sérvio foi suspenso por oito partidas, depois de cuspir e chutar Adrian Mutu, então no Chelsea. Curiosamente, Sinisa ainda trabalharia como treinador do romeno e do francês, na Fiorentina e na Inter. A agremiação milanesa, aliás, seria o seu próximo destino como atleta. Mas, antes de se transferir para a Lombardia, a convite de seu amigo Mancini, com quem dividiu vestiário na Sampdoria e na Lazio, ainda venceu mais uma Coppa Italia com a camisa celeste. Em sua passagem pelo lado laziale da Cidade Eterna, somou 193 aparições, 33 gols e 32 assistências.

Em duas temporadas pelo clube nerazzurro, Mihajlovic disputou apenas 25 partidas pela Serie A, tendo sido utilizado por Mancini como reserva de luxo na maior parte do tempo – considerando que ele guardou seis gols e forneceu 11 assistências em 43 aparições totais, era mesmo muita opulência tê-lo como opção. O sérvio, aliás, deixou sua marca na Liga dos Campeões, quando duas bolas paradas saíram dos seus pés para que a Inter evitasse problemas ante o Porto, em casa, e virasse a partida. Sinisa ainda anotou, sempre de falta, o tento que deu o título da Coppa Italia 2004-05 para a Inter, na final contra a Roma.

Antes de se aposentar, o sérvio ainda conquistou mais um scudetto, uma outra Coppa Italia e uma Supercopa Italiana. Contra o Ascoli, Mihajlovic marcou o último gol de falta de sua carreira na Serie A, chegando aos 28 tentos em tiros livres e estabelecendo mais um recorde no campeonato.

Xerife até o fim: perto de encerrar a carreira, Sinisa teve passagem positiva pela Inter (imago/Buzzi)

Depois da aposentadoria, Mihajlovic assumiu o posto de vice-treinador na Inter, auxiliando o amigo Mancini. Quando Mancio foi demitido da equipe nerazzurra, o sérvio começou a trilhar caminho próprio na arte de treinar clubes e passou por Bologna e Catania.

Na Emília-Romanha, somou uma grande sequência de empates e devido ao baixo aproveitamento, foi demitido após cinco meses e meio de gestão. Na Sicília, fez trabalho relevante, que culminou na salvezza do clube rossoazzurro e no recorde de pontos da história do Catania – marca que seria superada posteriormente por Simeone, Vincenzo Montella e Rolando Maran.

A boa passagem pelo Catania lhe rendeu a contratação pela Fiorentina, equipe à qual chegou para substituir Cesare Prandelli. No clube violeta, tentou impor o seu estilo pouco a pouco, mas não conseguiu superar as dificuldades do fim de ciclo vivido por parte do elenco e o mau relacionamento com algumas peças, como Mutu e Adem Ljajic. Após uma campanha de meio de tabela e um início de temporada medíocre, em 2010-11, foi demitido.

Sinisa chegou a estabelecer o recorde de pontos do Catania numa campanha de Serie A (Getty)

Mihajlovic ficou alguns meses parado e, em maio de 2012, foi anunciado como técnico da Sérvia. Porém, seu temperamento forte lhe levou a ter novos problemas com Ljajic e o desempenho da seleção ficou aquém do esperado. Depois de falhar na missão de classificar as águias para a Copa do Mundo de 2014, se demitiu. O motivo para a opção, no entanto, não foram os resultados: é que a Itália voltou ao seu caminho.

Em novembro de 2013, no mesmo dia em que sua saída da seleção foi anunciada, Sinisa foi declarado como novo técnico da Sampdoria. Na equipe em que brilhou como atleta, o sérvio fez um dos trabalhos mais relevantes de sua carreira. Em 2012-13, herdou a bagunça deixada por Delio Rossi, arrumou a casa e, através de um futebol ofensivo e agressivo, deixou os blucerchiati no meio da tabela.

Na temporada seguinte, Mihajlovic transformou a Samp em sensação. O time lígure brigou por vaga na Champions League, mas teve uma natural queda de rendimento e acabou ficando com o sétimo posto, que ainda lhe rendeu a classificação para a Liga Europa. Curiosamente, o objetivo foi conquistado às custas do rival Genoa, que terminou em sexto, mas teve a licença negada pela Uefa. Consequentemente, não pode disputar o torneio.

Após turbulências na Fiorentina, Mihajlovic voltou a fazer história pela Samp (Getty)

O grande trabalho na Sampdoria abriu as portas do Milan para Mihajlovic. Ex-Inter, o sérvio era visto como o nome indicado para devolver o clube rossonero aos momentos de glória, devido a sua filosofia de futebol, mas também por conta da rigidez em seus métodos. Sinisa liderava pelo exemplo e não admitia que alguém pisasse fora da linha.

A sua gestão começou de forma promissora, mas o Milan, no final da passagem do presidente Silvio Berlusconi, era um clube em confusão e à deriva. O cartola, que não tinha hábito de demitir técnicos, passou a fritar comandantes e não se fez de rogado ao exonerar Mihajlovic na reta final da temporada, após uma sequência de cinco jogos sem triunfos na Serie A. O sérvio havia levado o Diavolo à decisão da Coppa Italia e mantinha o time na sexta posição no Italiano. Cristian Brocchi, seu substituto, amargou o vice no mata-mata e ainda deixou os rossoneri na sétima colocação.

O tempo deu razão a Mihajlovic – e não apenas por conta da queda de desempenho do Milan no fim de 2015-16. Um mês após ser demitido por Berlusconi, foi anunciado pelo Torino e conseguiu fazer uma campanha similar à dos rossoneri em 2016-17, mesmo com elenco bem menos gabaritado à disposição. O Diavolo foi sexto colocado e o Toro ficou em nono, com 10 pontos a menos. No geral, os grenás até apresentaram futebol mais agradável e marcaram 14 gols a mais do que o time da Lombardia.

O sérvio passou pelo Milan, mas foi mais um triturado pelo caótico fim da gestão Berlusconi (Getty)

Mihajlovic seguiu no Torino e acertou a defesa, que era muito vazada, em 2017-18. Porém, o time passou a ter menos brilhantismo – ainda que se mantivesse no meio da tabela. Só que o presidente Urbano Cairo almejava dar um salto, até pela enorme pressão da torcida, e decidiu sacar Sinisa no início de janeiro de 2019. Os grenás ocupavam a nona posição e haviam acabado de ser eliminados da Coppa Italia pela Juventus, nas quartas de final. Walter Mazzarri foi o seu substituto e não entregou nada além do que o ex-defensor conseguiu.

Em junho de 2018, o sérvio foi anunciado como sucessor de Jorge Jesus no Sporting, mas jamais chegou a comandar o time lisboeta em partidas oficiais. Atravessando caos societário, o clube português trocou de presidente e, após nove dias no cargo, Mihajlovic foi demitido pela nova direção. Em janeiro de 2019, Sinisa aportou outra vez no Bologna e teria a sua última – e bela – dança.

Mihajlovic estreou com vitória sobre a Inter em San Siro. O improvável triunfo seria uma prévia de sua segunda passagem pela Emília-Romanha: nesse período, devolveu a autoestima aos torcedores, tirou o clube do sufoco e ainda desenvolveu uma relação de afeto com atletas e apoiadores dos rossoblù, tanto através do futebol apresentado quanto de entrevistas espirituosas e de outros fatos marcantes.

Com futebol agressivo, Mihajlovic mereceu melhor sorte no Torino (Getty)

Logo após evitar o rebaixamento do Bologna e levar o time ao décimo posto da Serie A, Mihajlovic descobriu que havia sido acometido por uma forma aguda de leucemia. Inicialmente, chegou a declarar que iria dar uma pausa nas suas atividades laborais para se submeter aos tratamentos, mas clube, na figura do diretor esportivo Walter Sabatini, bancou a permanência do sérvio. Enquanto Sinisa estivesse impossibilitado de trabalhar, o auxiliar Miroslav Tanjga lhe representaria nas funções de campo.

Dali em diante, se estabeleceu um laço inquebrável entre Mihajlovic e os jogadores do Bologna. Do hospital, durante as sessões de quimioterapia, o técnico acompanhava os treinos por videoconferência e passava, à distância, orientações para o seu auxiliar e os atletas. Sinisa surpreendeu ao aparecer para comandar o time na abertura da Serie A, contra o Verona, num empate por 1 a 1 no estádio Renato Dall’Ara. Na ocasião, ainda ostentava um curativo no pescoço – por ali, recebia medicação intravenosa.

Durante a temporada, diversas vezes Sinisa ficou internado para dar continuidade ao tratamento. E, sempre que o Bologna ganhava, os jogadores apareciam no pátio do hospital para saudarem o técnico, que os cumprimentava da janela de seu quarto. As belas cenas rodaram o mundo e o treinador, que era amado pelas torcidas de quase todos os clubes que defendeu, passou a receber o afeto das demais. Mihajlovic se tornou, inclusive, cidadão honorário de Bolonha.

Mihajlovic ficou eternizado na história do Bologna (Getty)

Com o tratamento, Sinisa viu a sua leucemia entrar em remissão. Assim, passou a trabalhar com regularidade – e quase sempre com seu novo estilo, munido de uma boina similar à utilizada pelos personagens da série Peaky Blinders. O Bologna, eficaz no ataque e despreocupado na defesa, teve três temporadas de tranquilidade, sempre no meio da tabela: 12º lugar em 2019-20 e 2020-21, e 13º em 2021-22. Para as ambições do clube e a diferença de orçamento em relação a agremiações que brigam por vagas em torneios da Uefa, estava de bom tamanho. Mas o câncer estava à espreita.

Em março de 2022, Sinisa anunciou que a leucemia havia voltado. O técnico reiniciou os tratamentos e as cenas de visitas da delegação do Bologna ao hospital em que ele se submetia às devidas terapias se tornaram frequentes outra vez. Em 2022-23, porém, o time iniciou a Serie A sem qualquer vitória nas cinco primeiras rodadas e Mihajlovic foi demitido.

Através de um comunicado, a diretoria do Bologna disse que a decisão se tornou inevitável, pois ciclos esportivos têm prazo de validade e não são imunes a desgastes. Na nota, o clube destacou “o forte vínculo afetivo criado com a agremiação e toda a cidade” durante “três anos e meio emocionantes e dramáticos”. Além disso, Mihajlovic foi homenageado na carta e definido como um exemplo para a história dos felsinei. O presidente Joey Saputo chegou a afirmar que a demissão foi “a escolha mais difícil” de sua gestão.

Sem clube, Mihajlovic passou a se dedicar integralmente a seu tratamento, mas dessa vez em Roma, cidade em que se estabeleceu desde que chegou à Itália. Infelizmente, a abordagem terapêutica não teve sucesso devido ao agravamento da doença e, em 16 de dezembro de 2022, o guerreiro sérvio alçou bandeira branca – pela primeira e única vez, aos 53 anos. Sinisa deixou esposa, seis filhos e uma neta, fruto do relacionamento entre a herdeira Virginia e o zagueiro Alessandro Vogliacco.

 

Atualizado em 16 de dezembro de 2022.

Sinisa Mihajlovic
Nascimento: 20 de fevereiro de 1969, em Vukovar, antiga Iugoslávia (atual Croácia)
Morte: 16 de dezembro de 2022, em Roma, Itália
Posição: zagueiro, lateral-esquerdo e volante
Clubes: Vojvodina (1988-91), Estrela Vermelha (1991-92), Roma (1992-94), Sampdoria (1994-98), Lazio (1998-2004) e Inter (2004-06)
Carreira como treinador: Bologna (2008-09 e 2019-22), Catania (2009-10), Fiorentina (2010-11), Sérvia (2012-13), Sampdoria (2013-15), Milan (2015-16), Torino (2016-18) e Sporting (2018)
Títulos: Campeonato Iugoslavo (1989, 1991 e 1992), Copa dos Campeões (1991), Copa Intercontinental (1991), Supercopa Italiana (1998, 2000 e 2005), Recopa Uefa (1999), Supercopa Uefa (1999), Serie A (2000 e 2006) e Coppa Italia (2000, 2004, 2005 e 2006)
Seleção iugoslava/sérvio-montenegrina: 63 jogos e 9 gols

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