Proporcionalmente, craques capazes de decidir jogos são raros no futebol e, por isso, poucos times costumam tê-los em seus elencos. A Fiorentina de Claudio Ranieri foi uma das equipes cujos torcedores que puderam encher a boca para falar que contavam com um camisa 9 letal: Gabriel Batistuta, sempre determinante para o clube de Florença. Em 1995-96, depois de ser o cara da conquista da Coppa Italia, o argentino fez os dois gols da vitória violeta em cima do Milan, na Supercopa Italiana de 1996.
O Milan, campeão da Serie A da temporada anterior com oito pontos de vantagem sobre a vice Juventus, era o favorito ao título da Supercopa. A Fiorentina, quarta colocada no campeonato e vitoriosa na Coppa Italia, corria por fora. A Viola havia passado por Ascoli, Lecce, Palermo e Inter antes de superar a Atalanta na grande decisão. Foi com esse cenário que as equipes se enfrentaram no dia 25 de agosto de 1996, em San Siro.
Diante de quase 30 mil torcedores, o estádio Giuseppe Meazza seria o palco do confronto entre dois grandes centroavantes, que lideravam as suas equipes: o já citado Batistuta e George Weah. O liberiano vinha credenciado por ter sido eleito o melhor jogador do mundo tanto pela Fifa quanto pela revista France Football, em 1995, além de ter sido o artilheiro do Milan na temporada anterior, com 15 tentos. Já o argentino da Fiorentina tinha anotado ainda mais gols em 1995-96 (foram 27) e se sagrara goleador da Coppa Italia, com oito – sendo dois deles na final. Um duelo e tanto, que não deixou a desejar.
O Milan foi a campo com o seu tradicional uniforme rossonero e sua clássica formação 4-4-2 – com Weah, recuperado de lesão, o time estava completo. Já a Fiorentina, com a camisa branca e calções e meiões violetas, tinha o desfalque de Pasquale Padalino. O zagueiro italiano que era titular, estava machucado e não conseguiu se recuperar a tempo da final. Com isso, o técnico Ranieri optou por Giulio Falcone e Aldo Firicano como dupla de defensores centrais, com a proteção de Lorenzo Amoruso na lateral esquerda e do volante Giovanni Piacentini ajudando a proteger o flanco direito, onde se localizava Daniele Carnasciali.
A expectativa de um grande jogo se confirmou logo nos minutos iniciais, quando ambos os times tiveram boas oportunidades e mostraram que queriam começar a nova temporada com título. Weah, como de costume, era o homem mais perigoso dos rossoneri: primeiro, com um chute de longe para boa defesa de Francesco Toldo e, depois, arriscando finalização de fora da área e vendo a bola passar ao lado da baliza gigliata.
Apesar dessas chegadas do Milan, quem conseguiu abrir o placar foi a Fiorentina. Aos 12 minutos, Batistuta recebeu lançamento sob medida e, na entrada da área, sem deixar a bola cair, deu um lençol em cima de Franco Baresi para ficar na frente do gol. Depois de se desvencilhar da marcação de um dos maiores beques da história, o argentino acertou um chute preciso, da linha da pequena área, e, sem que Sebastiano Rossi pudesse fazer alguma coisa, estufou as redes do San Siro.
Minutos depois, Batistuta teve a chance de ampliar o placar. Em tabela com o belgo-brasileiro Luís Oliveira, o argentino ficou novamente cara a cara com Rossi, mas acabou chutando mascado, para a defesa do arqueiro. E, conforme preconiza a máxima do futebol, quem não faz, leva. Aos 22, Demetrio Albertini achou Dejan Savicevic livre pela direita. O montenegrino veio cortando pelo meio e ainda driblou Amoruso e Stefan Schwarz antes de finalizar da entrada da área para o fundo das redes. A bola ainda bateu cuidadosamente na trave antes de entrar e estabelecer a igualdade no marcador.
Empolgado com o empate, o Milan foi para cima e pressionou. Albertini deu uma assistência primorosa para Weah se consagrar, porém, novamente, o camisa 9 concluiu ao lado da baliza de Toldo. Paolo Maldini e o próprio Albertini também tentaram de fora da área, mas sem sucesso. De tanto martelarem, os rossoneri até conseguiram furar o bloqueio toscano. Em uma excelente jogada pela direita, Marco Simone achou Weah na grande área. O atacante liberiano dominou com a esquerda e, com a direita, de biquinho, chutou para o milagre de Toldo. Entretanto, no rebote, Simone estava lá para completar para o fundo das redes. A comemorou durou poucos segundos, até a equipe de arbitragem assinalar o impedimento.
Pela equipe de Florença, Batistuta continuava a ser motivo de preocupação para a defesa rossonera. De cabeça, em chutes de longa distância ou sendo abastecido por Rui Costa e Oliveira, ele era – de longe – quem mais incomodava. Esse foi o retrato do primeiro tempo: um empate com domínio do Milan, mas com uma Fiorentina bem atenta e arisca.
Na segunda parte, a toada permaneceu a mesma, com os dois lados conseguindo boas chances. A principal delas foi da Fiorentina, com Rui Costa. O trequartista português driblou três defensores e chutou da entrada da área, mas a bola acertou em cheio a trave milanista. A Viola, inclusive, chegou a reclamar de um pênalti de Alessandro Costacurta em cima de Oliveira. O árbitro Fiorenzo Treossi mandou seguir – e, na verdade, não foi nada mesmo.
O treinador milanista Óscar Tabárez, ciente do poderio violeta, decidiu mexer no time. Edgar Davids e Stefano Eranio entraram nos lugares de Savicevic e Albertini. Porém, a Fiorentina continuou oferecendo perigo: Piacentini chutou de longe e a bola ia no ângulo, mas Rossi se esticou todo para evitar o gol.
A partida ficava cada vez mais tensa e caminhava para o empate. Esse era o cenário até os 83 minutos, quando Marcel Desailly derrubou Batistuta na entrada da área. O próprio argentino foi para a cobrança da falta e acertou o ângulo de Rossi, que nada pode fazer para evitar a doppietta do craque. O detalhe é que a bola passou justamente pelo buraco na barreira criado por jogadores da Viola que estavam posicionados de modo a confundir o arqueiro adversário e saíram no momento da finalização.
Depois do tento na reta final da peleja, engana-se quem pensa que não teve mais nada. Pelo contrário, a partida ficou ainda mais eletrizante. Weah teve ainda três chances para empatar o placar, mas realmente não era o seu dia. O camisa 9 rossonero falhou na pontaria em todas as oportunidades que teve. Nem mesmo contou com a sorte: nos acréscimos, Toldo saiu mal do gol e rebateu a bola em cima do liberiano, que não conseguiu concluir e viu a pelota sair em tiro de meta.
A Fiorentina ganhou a partida por 2 a 1 e, de quebra, conquistou a sua primeira e até agora única Supercopa Italiana. Na temporada 1996-97, quase a equipe de Florença faturou um segundo troféu, mas parou no Barcelona nas semifinais da Recopa Uefa. Nas outras competições, o caminho não foi tão belo como se imaginava. Os gigliati fizeram uma frustrante campanha na Serie A, terminada com o nono lugar, e foram eliminados pelo Bologna antes das oitavas da Coppa Italia. Já o Milan, em comum com a Viola, teve desempenho bem inferior às expectativas: figurou apenas na 11ª colocação do campeonato, além de ter caído na fase de grupos da Liga dos Campeões e nas quartas da copa nacional para o Vicenza, que viria a levantar a taça.
No fim das contas, o único capítulo de 1996-97 que entrou para a parte mais bonita da história dos dois times foi apenas o daquela noite inspirada no San Siro. A esplêndida exibição de Batistuta, com direito a gol de extrema categoria com um drible desconcertante sobre uma lenda como Baresi e uma cobrança de falta perfeita, mostram o quão completo foi o atacante argentino. Batigol, afinal, era a alma daquela Fiorentina.
Milan 1-2 Fiorentina
Milan: Rossi; Reiziger, Costacurta, Baresi, Maldini; Savicevic (Davids), Albertini (Eranio), Desailly, Boban; Weah, Simone. Técnico: Óscar Tabárez.
Fiorentina: Toldo; Carnasciali, Falcone, Firicano, Amoruso; Piacentini, Cois (Pusceddu), Schwarz; Rui Costa (Robbiati); Batistuta, Oliveira (Bigica). Técnico: Claudio Ranieri.
Gols: Savicevic (22’); Batistuta (12’ e 83’)
Árbitro: Fiorenzo Treossi (Itália)
Local e data: San Siro, Milão (Itália), em 25 de agosto de 1996