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Jörg Heinrich conquistou a torcida da Fiorentina com raça e polivalência

Itália e Alemanha sempre tiveram ligações na história da humanidade e o futebol não fica de fora dela. No final da década de 1990, o alemão Jörg Heinrich saiu como campeão do mundo pelo Borussia Dortmund para militar em solo italiano. Na Velha Bota, ficou marcado na memória do torcedor da Fiorentina como um dos laterais-esquerdos mais regulares que passaram pela equipe e como um dos bons germânicos que atuaram pela Serie A.

Heinrich nasceu na pacata cidade de Rathenow, no leste alemão, e cresceu vendo a Alemanha Ocidental, do outro lado do muro, ser campeã europeia em 1980 e mundial em 1990 – além de ter sido vice das Copas de 1982 e 1986. A última dessas conquistas ocorreu durante o processo de reunificação do país e num período em que Jörg, no início de sua carreira, ainda não militava nos principais gramados do futebol europeu. Pelo contrário, nessa época disputava as divisões inferiores da porção oriental germânica.

Em 1988, Heinrich iniciou a sua carreira no modesto Motor Rathenow e, depois, ainda passou pela segunda divisão da Alemanha Ocidental com Chemie Velten e Kickers Emden. Em 1991, as ligas do leste e do oeste se uniram e Jörg se viu na disputa da terceirona, onde permaneceu até 1994. Depois da longa sequência nos escalões inferiores, o defensor recebeu a sua oportunidade no topo do campeonato: beirando os 25 anos, foi adquirido pelo Freiburg.

Pelo Freiburg, ele estreou na Bundesliga de 1994-95 e disputou 33 das 34 partidas possíveis daquela edição, evidenciando a regularidade tão presente na sua carreira. Além da consistência, Heinrich marcou sete gols e forneceu oito assistências, sendo uma das grandes revelações do campeonato. Não bastasse isso, ajudou o time do sudoeste da Alemanha a conquistar o terceiro lugar, o melhor em toda a sua história, e se classificar para a Copa Uefa.

O desempenho de Jörg foi tão bom que o levou à seleção alemã e também saltou aos olhos dos dirigentes de outro grande clube do país: o Borussia Dortmund, que o contratou durante o mercado de inverno da temporada 1995-96. Heinrich chegou com o campeonato em andamento, estreou em fevereiro de 1996 e logo conseguiu seu espaço no time. Disputou 17 partidas, distribuiu cinco assistências e foi campeão nacional pelos aurinegros, conquistando o primeiro troféu de uma carreira ainda muito promissora.

Muito versátil, Heinrich caiu como uma luva num forte time da Fiorentina (imago/Baering)

Foi no próprio Dortmund que a sua relação com o futebol italiano começou. Heinrich era o camisa 17 que fazia a lateral esquerda do time de Ottmar Hitzfeld que venceu a Juventus de Marcello Lippi na final da Liga dos Campeões de 1996-97 e faturou o seu primeiro título europeu. A equipe aurinegra manteve a base para a disputa do Mundial Interclubes, mas acabou trocando de técnico: o italiano Nevio Scala, que fizera sucesso no comando do Parma, assumiu e levou os alemães à taça graças a uma vitória por 2 a 0 sobre o Cruzeiro.

O segundo gol da vitória do BVB foi marcado por Heinrich. Aos 84 minutos, Andreas Möller cobrou escanteio muito aberto. A defesa do Cruzeiro tentou sair jogando, mas foi desarmada por Paulo Sousa. O português – que representou Juventus, Inter e Parma como atleta e a Fiorentina como técnico – observou Jörg com o braço erguido dentro da área e colocou a bola no pé esquerdo do alemão, que deu um leve toque para tirar a bola de Dida e decretar o título mundial aurinegro.

Nos tempos de Dortmund, Heinrich se destacou principalmente pela versatilidade. No clube do Westfalenstadion foi pau para toda obra: jogou na lateral-esquerda ou na ala canhota, suas funções de origem, mas também atuou com frequência como zagueiro central, lateral-direito e volante, além de ser improvisado como líbero ou em posições mais ofensivas no meio-campo. Na Copa do Mundo de 1998, competição em que a Alemanha caiu nas quartas de final para a Croácia, Jörg foi utilizado nos dois flancos do esquema 3-5-2 de Berti Vogts.

Logo depois do Mundial, a Fiorentina de Giovanni Trapattoni contratou o polivalente jogador para alçar voos ainda maiores em um dos melhores campeonatos da Europa. Trap, vale mencionar, conhecia bem o futebol de Heinrich porque treinara o Bayern Munique em duas passagens, ocorridas em 1994-95 e entre 1996 e 1998. De certa forma, o técnico saiu da Alemanha e levou Jörg consigo para Florença.

Na temporada de estreia, apesar da eliminação precoce na segunda fase da Copa Uefa para os suíços do Grasshopper, o experiente Jörg (já com 28 para 29 anos) ajudou a Viola a chegar no terceiro lugar da Serie A e conquistar uma vaga na Champions League do ano seguinte. Foram 33 jogos disputados dos 34 possíveis, com três gols marcados – o mais importante deles num triunfo por 3 a 1 sobre a Inter.

Durante duas temporadas, o alemão foi absoluto na lateral esquerda violeta (imago/Alternate)

Em 1998-99, o camisa 17 foi peça-chave do forte time florentino comandado por Rui Costa, Gabriel Batistuta, Francesco Toldo e Edmundo, que chegou à final da Coppa Italia. Na decisão, porém, a equipe violeta acabou sendo derrotada, pelo critério de gols fora de casa, pelo Parma de Alberto Malesani. Desta forma, Jörg encerrou sua primeira temporada fora da Alemanha com 46 jogos realizados, sendo 45 deles como titular.

Por sua capacidade de contribuir com assistências ou passes decisivos para resolver a vida dos gigliati com vitórias conquistadas nos minutos finais, o lateral ganhou o apelido de l’Ispettore Heinrich – ou Detetive Heinrich, em português. A alcunha se deve ao investigador Derrick, do homônimo seriado policial alemão. O programa fez tanto sucesso na Europa que ficou no ar de 1974 a 1998, sendo que a última temporada foi exibida na Itália enquanto Jörg vivia o seu auge.

Na campanha seguinte, Heinrich superou a decepção de um desempenho bastante negativo da Alemanha na Copa das Confederações de 1999 – a Nationalmannschaft foi eliminada numa chave que tinha Brasil, Austrália e Estados Unidos. Em outubro daquele ano, emplacou uma de suas melhores exibições com a camisa da Viola na vitória por 1 a 0 contra o Arsenal, em Wembley, num jogo válido pela fase de grupos da Champions League 1999-2000.

Na partida, Heinrich saiu desde a linha do meio-campo, driblando os adversários até que passou com a perna direita, que não é a sua preferida, para Batistuta marcar o gol solitário do jogo com uma linda finalização. O lance colocou o alemão, conhecido por sua garra e sua seriedade, de uma vez no coração da torcida violeta. Afinal, o resultado histórico acabou garantindo para a Fiorentina o avanço à segunda fase de grupos da competição. A equipe italiana teve um bom desempenho na etapa seguinte, mas não foi adiante.

O restante da temporada do “detetive” pela Fiorentina também foi muito bom. Titular absoluto do time de Trap, Heinrich voltou a aparecer em alto nível ao decidir um duelo contra o Milan, então campeão italiano. Os rossoneri abriram o placar com o alemão Oliver Bierhoff, mas Jörg colocou água no chope do conterrâneo ao contribuir com uma assistência e um gol de oportunismo para virar o confronto.

Contra o Arsenal, Heinrich teve uma atuação que ficou guardada na memória da torcida da Fiorentina (imago/WEREK)

A Fiorentina concluiu aquela Serie A na sétima posição e precocemente eliminada da Coppa Italia. A crise financeira que levaria à falência do clube em 2002 começou a mostrar a sua face e fez a Viola mudar de rumo: Trapattoni deixou a Toscana e Batistuta teve de ser vendido à Roma para que a agremiação tivesse dinheiro em caixa. Heinrich foi um dos que acabaram saindo: após 87 jogos e cinco gols marcados, retornou ao Borussia Dortmund.

Heinrich defendeu os aurinegros por mais três anos e conquista uma nova Bundesliga. Após a segunda passagem pelo clube da Renânia do Norte-Vestfália, assinou com o Köln e não conseguiu evitar o seu rebaixamento para a categoria secundária da Alemanha. Jörg ainda representou Luwigsfelder e Union Berlin, da quarta divisão, e o Chemie Premnitz, do quinto escalão até, finalmente, pendurar as chuteiras em 2006.

Aposentado, Jörg Heinrich continuou ligado ao futebol. Entre 2006 e 2007, foi diretor esportivo do Union Berlin e, anos depois, comandou os minúsculos Rathenow 94, Luckenwalde e Falkensee-Finkenkrug. Desde 2017, o ex-defensor integra a comissão técnica permanente do Borussia Dortmund.

Se a trajetória do inspetor fora dos campos não é repleta de holofotes, a mistura entre polivalência e regularidade lhe garantiu um lugar cativo no coração dos torcedores de Freiburg, Dortmund e Fiorentina. Apesar de não ter conquistado nenhum troféu com a camisa violeta, Heinrich demonstrou muita entrega e, não à toa, é lembrado com muito saudosismo pelas bandas da Toscana.

Jörg Heinrich
Nascimento: 6 de dezembro de 1969, em Rathenow, Alemanha
Posição: lateral-esquerdo, zagueiro e volante
Clubes como jogador: Motor Rathenow (1988-89), Chemie Velten (1989-90), Kickers Emden (1990-94), Freiburg (1994-96), Borussia Dortmund (1996-98 e 2000-03), Fiorentina (1998-00), Köln (2003-04), Ludwigsfelder (2004-05), Union Berlin (2005-06) e Chemie Premnitz (2006-07)
Títulos: Bundesliga (1996 e 2002), Supercopa da Alemanha (1996), Champions League (1997) e Copa Intercontinental (1997)
Clubes como treinador: Rathenow 94 (2013-15), Luckenwalde (2015-16) e Falkensee-Finkenkrug (2017)
Seleção alemã: 37 jogos e 2 gols

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