A 11ª Copa do Mundo foi realizada em 1978, na Argentina, durante um período sociopolítico conturbado do país. Escolhida como sede da competição em 1966, a nação sul-americana foi tomada por um golpe militar em 1976 e atravessou uma sangrenta ditadura por sete anos. No período, houve uma expressiva oposição ao regime na sociedade, sufocada pelos generais na base da força e da propaganda: de um lado, o governo torturou e matou; de outro, usou o torneio como forma de apelar para o sentimento de união nacional.
Calhou, para o regime, que a forte seleção anfitriã faturasse a taça pela primeira vez em sua história, se valendo da qualidade do elenco e da pulsação de sua apaixonada torcida, conhecida por atirar inúmeros rolos de papel nos gramados e alentar os jogadores ininterruptamente. Só que o caminho da Argentina não foi fácil. As dificuldades começaram logo na fase de grupos, quando a albiceleste encarou Itália e França, que tinham jovens e talentosas gerações. Italianos e franceses fizeram a partida inaugural da chave e, no confronto direto, mostraram ao mundo do que eram capazes – o que ficaria comprovado poucos anos depois, em 1982 e 1984.
Bicampeã mundial àquela altura, a Itália chegava à Argentina com um grande peso em suas costas. A Nazionale encarava um jejum de 40 anos sem títulos da competição e acumulava, nas quatro edições anteriores do torneio, diferentes frustrações: três eliminações na fase de grupos (1962, 1966 e 1974) e um vice, em 1970. Sob a batuta de Enzo Bearzot, ex-técnico da seleção olímpica, a Squadra Azzurra via a geração de Gianni Rivera, Sandro Mazzola, Luigi Riva e tantos outros passar o bastão para um novo núcleo de atletas – sobre os quais logo falaremos.
O caminho da Itália até a Copa do Mundo passou pela ótima campanha ofensiva da equipe, que assegurou a vaga no saldo de gols. A Squadra Azzurra vinha invicta até o jogo fora de casa contra a Inglaterra, em que perdeu por 2 a 0, e viu os ingleses empatarem na liderança do grupo. Só que a formação britânica não conseguiu ir além de magras vitórias sobre Finlândia (2 a 1) e Luxemburgo (2 a 0), de modo que bastaria um triunfo simples dos italianos na visita dos luxemburgueses para que a vaga fosse conquistada. Sem miséria, a Nazionale garantiu um 3 a 0 para festejar o passaporte carimbado para a Argentina.
O grande destaque das eliminatórias, foi, sem dúvidas, Roberto Bettega, que emplacou nove gols em seis partidas – artilheiro da qualificatória da Uefa, marcou em quase todos os jogos, só passando em branco na derrota para a Inglaterra. Ainda balançou a rede quatro vezes na peleja caseira contra a Finlândia. Além da ótima campanha do atacante, a Squadra Azzurra contou com a colaboração de remanescentes de 1974, como Dino Zoff, Mauro Bellugi, Romeo Benetti, Franco Causio e Paolo Pulici, e a importante inserção de novos elementos – Claudio Gentile, Marco Tardelli, Giancarlo Antognoni, Renato Zaccarelli e Francesco Graziani.
Os franceses, por sua vez, não disputavam uma Copa do Mundo desde 1966 e figuravam como força de segundo escalão no torneio. Contribuía, para isso, o fato de o caminho da França até a Argentina ter sido marcado por fortes emoções, devido a um empate na Bulgária e a uma derrota inesperada para a Irlanda de Liam Brady. Somente na última rodada, em casa, os Bleus conseguiram ultrapassar os búlgaros por conta de uma vitória por 3 a 1, na qual anotaram dois jovens de 22 anos: Dominique Rocheteau e o brilhante Michel Platini. Autor de três gols nas eliminatórias, o meia era o destaque da seleção.
Somente 16 seleções participavam do Mundial naquela época e os sorteios costumavam ser ingratos. Porém, nem a anfitriã escapou das dificuldades, visto que foi agrupada, na chave 1, ao lado de Itália (mais forte adversária do pote 2), França (mais dura do 4) e Hungria – que estava atrás da Polônia no terceiro recipiente, disputando o posto de segunda força com a Espanha, mas havia eliminado a sólida União Soviética nas eliminatórias. Em resumo: como apenas as duas melhores colocadas avançavam para a fase seguinte, teríamos fortes emoções nas partidas marcadas para Buenos Aires e Mar del Plata.
Para a aventura na Copa do Mundo, Bearzot tomou uma atitude bastante estratégica: a de basear o seu time e o seu esquema na vencedora Juventus de Giovanni Trapattoni. O técnico havia faturado o bicampeonato nacional, mas a Velha Senhora já estabelecia domínio na Serie A antes de sua chegada, visto que havia faturado cinco dos oito scudetti disputados, até então, na década de 1970.
O chamado Blocco-Juve era formado por 10 convocados, sendo que oito eram absolutos no onze inicial de Bearzot. Por conta do entrosamento desenvolvido entre o grupo no clube, o técnico promoveu à equipe titular o líbero Gaetano Scirea, que não havia disputado nenhuma partida das eliminatórias e chamou para a Copa o lateral-esquerdo Antonio Cabrini, de 20 anos, que jamais havia atuado pela seleção principal. Quem também pedia passagem e só tinha no currículo dois amistosos realizados com a camisa azzurra era Paolo Rossi, 21, artilheiro da Serie A pelo Vicenza.
Na estreia, contra a França, apenas Rossi, o lateral-direito Bellugi e o meia Antognoni não eram atletas da Juventus. Uma Itália “bianconera”, portanto, foi a que adentrou o gramado do estádio José María Minella, em Mar del Plata, no início da tarde de 2 de junho, para fazer o segundo jogo daquela Copa do Mundo – a Argentina só estrearia à noite, ante a Hungria, no Monumental de Núñez. Para os azzurri e os Bleus, a partida era uma espécie de decisão precoce: uma vitória no clássico europeu representaria um passo gigante na busca pela classificação, enquanto uma derrota aumentaria muito as chances de eliminação na fase de grupos.
O capitão e consagrado Zoff, de 36 anos, era o mais experiente do time e, além dele, somente Bellugi (28), Benetti (32), Causio (29) e o artilheiro Bettega (27) já haviam alcançado a maturidade como atletas. Todos os outros titulares – Gentile, Scirea, Cabrini, Antognoni, Tardelli e Rossi – tinham 25 ou menos. Portanto, Bearzot propunha uma insinuante mescla de tarimba e juventude.
Do outro lado, a França de Michel Hidalgo era um pouco mais conservadora no aproveitamento dos garotos. O técnico deixou o ótimo Rocheteau no banco e apostou quase todas as fichas no poder de decisão de Platini, que compunha a espinha dorsal mais jovem do onze inicial com o lateral-direito Gérard Janvion, o canhoto Maxime Bossis e o ponta esquerda Didier Six. Jogadores mais experientes, como o xerife e capitão Marius Trésor, além do volante Henri Michel e do centroavante Bernard Lacombe, também eram peças relevantes no esquema dos Bleus.
Opções mais cautelosas à parte, a França não se fez de rogada e começou a partida com bola na rede. A Itália deu a saída, mas perdeu a posse no ataque. Os franceses, então, engataram jogada pelo lado esquerdo, onde Six pegou a defesa azzurra desarrumada, avançou em velocidade, deixou os marcadores para trás e cruzou na cabeça de Lacombe, que ganhou de Bellugi. O gol, realizado aos 37 segundos, até hoje é um dos 10 mais rápidos da história das Copas.
Após sofrer um rápido golpe, o time italiano manteve a postura e a marcação individual, comum para a época: entre os principais encaixes, se destacavam o de Gentile em Six, o de Benetti em Michel e o de Tardelli em Platini; apenas Scirea, líbero, tinha outra atribuição. Com calma, a equipe de Bearzot foi crescendo no jogo e chegou a levar perigo ao gol francês em boas tramas pelos lados do campo, que não foram aproveitadas por Bettega e Causio.
A Itália mantinha o controle da partida, enquanto a França buscava poucas escapadas pelos lados – mas, ao chegar ao meio do campo, os Bleus perdiam a bola rapidamente. A Nazionale continuava seu jogo pelos flancos, buscando os homens na área, e tinham no estreante Cabrini uma afiada válvula de escape. Em uma das muitas tentativas de cruzamento vindas do lado esquerdo, mas dessa vez saída dos pés de Benetti, Bettega acertou um cabeceio que levou muito perigo, pois passou a centímetros da trave adversária.
Em mais um cruzamento da Itália, Trésor, até então, perfeito na partida, perdeu o tempo da bola, que caiu limpa no pé de Cabrini. A partir de então, se desenhou um lance rocambolesco: o lateral ajeitou para o centro, Bettega não conseguiu acertar a finalização, e a pelota encontrou Causio, que cabeceou na trave. Na volta, a redonda sobrou nos pés de Patrice Rio, que rebateu em direção à baliza, mas Causio estava no meio do caminho e evitou a trapalhada involuntária. Contando com a sorte e o oportunismo que sempre o seguiram dentro de campo, Rossi estava no lugar certo e viu a ricocheteada se transformar num gol de sua autoria. Aos 29 minutos, a Nazionale empatava o confronto com o primeiro dos nove tentos que Pablito anotaria em Mundiais.
Após o empate, a Itália seguiu no controle do jogo, mas não conseguiu virar. Para a segunda etapa, Bearzot decidiu sacar Antognoni, pouco eficaz até então, e deu espaço a Zaccarelli, cérebro de um bom time do Torino. Não demorou para que a troca desse resultado: aos 54 minutos, Gentile fez boa tabela com Rossi pela direita e cruzou para o meio da área. Depois de passar por todo mundo, a bola sobrou para o meia do Toro acertar um chute de primeira, rente ao chão, sem chances para o arqueiro Jean-Paul Bertrand-Demanes, que nem pulou.
A sequência da partida não teve grandes emoções – a não ser por um chute perigoso de Bossis e um contra-ataque puxado por Rossi, que Causio desperdiçou. No fim das contas, a Itália passou a picotar bastante o jogo, enquanto a marcação de Tardelli sobre Platini era primorosa: com 19 desarmes e antecipações, o volante da Juventus praticamente impediu que seu futuro colega de clube jogasse. Michel sequer finalizou a gol.
A vitória da Itália foi importantíssima para a continuidade da sua campanha na competição. Com a confiança ainda mais em alta após o clássico europeu, a Squadra Azzurra venceu a Hungria na segunda rodada, por 3 a 1 garantido a classificação antecipada. Ainda faturou a liderança do Grupo 1 no confronto direto contra a Argentina, graças a um triunfo simples, com gol do artilheiro Bettega. A Nazionale terminou a primeira fase com 100% de aproveitamento, seis tentos marcados e apenas dois sofridos. Já a França perdeu para a albiceleste por 2 a 1 e, já eliminada da Copa, se despediu do torneio com um sucesso por 3 a 1 sobre os magiares.
No fim das contas, nenhum duelo do Grupo 1 teve tanto impacto para o futuro quanto o realizado entre Itália e França. A seleção francesa, eliminada, não tinha nenhum título em sua história àquela altura, mas conseguiu mudar isso com aquela geração, ainda comandada por Hidalgo e liderada, em campo, por Platini.
Em evolução, o craque foi o grande destaque da equipe que ficou com o quarto lugar na Copa de 1982 e que, em 1984, ganhou a Euro em casa, encerrando o incômodo jejum. No total, 10 jogadores que fizeram parte das célebres campanhas citadas haviam sido convocados para o Mundial de 1978. Mais: quatro deles, treinados por Henri Michel, volante daquele time, ainda ajudaram os Bleus a faturarem o terceiro posto no México, em 1986.
Para a Itália, os resultados foram mais imediatos – e ainda mais expressivos. Ainda em 1978, a Nazionale foi avançando na competição e acabou ficando no segundo lugar do Grupo B, que sucedia a primeira fase. Assim, teve de disputar o terceiro lugar com o Brasil e terminou a Copa na quarta posição, após derrota por 2 a 1. Tal qual a França, a Squadra Azzurra manteve o técnico e a base: Bearzot levou 10 dos convocados para a expedição argentina para o Mundial de 1982. E, com o brilho de Zoff, Gentile, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antognoni, Causio, Graziani e do artilheiro Rossi, não deu outra. Uma histórica seleção italiana faturou o tricampeonato.
Itália 2-1 França
Itália: Zoff; Scirea; Gentile, Bellugi, Cabrini; Benetti, Tardelli; Causio, Antognoni (Zaccarelli), Bettega; Rossi. Técnico: Enzo Bearzot.
França: Bertrand-Demanes; Janvion, Trésor, Rio, Bossis; Michel, Guillou; Dalger, Platini, Six (Rouyer); Lacombe (Berdoll).
Gols: Rossi (29′) e Zaccarelli (52′); Lacombe (1′)
Árbitro: Nicolae Rainea (Romênia)
Local: estádio José María Minella, Mar del Plata (Argentina), em 2 de junho de 1978