Mourinho é o centro das atenções em Madrid: de uma só vez, pode ser bicampeão e tirar a Inter da fila, nesta que pode ser sua última partida pelo clube de Milão (Getty Images)
Quando José Mourinho nasceu em Setúbal, há 47 anos, a Inter havia ganhado seu último título da maior competição europeia dois anos antes. Desde então, Mourinho foi intérprete de Sir Bobby Robson e de Louis van Gaal no Barcelona, tornou-se técnico e teve experiências bem sucedidas por União Leiria e Benfica, para depois ser multicampeão pelo Porto, consagrando-se com o título da Liga dos Campeões.
No Chelsea, tornou-se o Special One e estabilizou-se como técnico de nível mundial, mantendo sua trajetória vencedora. Três anos depois, na Inter, a situação é semelhante àquela vivida em 2004, quando o português venceu o torneio com o Porto: a final pode ser sua última partida comandando a Inter, já que sua transferência para o Real Madrid parece questão de detalhes. Ligado afetivamente ao clube, mas detestando a Itália, Mourinho pode se tornar um jovem bicampeão do torneio e tirar a Inter de uma incômoda fila de mais de quatro décadas, caso consiga o terceiro título da competição para o clube. Além do mais, a Inter seria o primeiro time da história do futebol italiano ao conseguir a Tríplice Coroa: campeonato e copa nacionais, além do título continental.
Como de praxe, o Quattro Tratti não poderia ficar de fora de todas as expectativas que cercam a partida e traz mais uma prévia de um confronto desta edição da Liga dos Campeões: a final do torneio, na qual Bayern de Munique e Inter tentarão assegurar, no Santiago Bernabéu, a Tríplice Coroa e a quarta vaga na elite do futebol europeu para seus respectivos países. Até hoje, foram quatro jogos oficiais entre as duas equipes, com duas vitórias bávaras, um empate e uma vitória italiana. Na temporada 2007-08, os dois times se enfrentaram na fase de grupos da LC, com uma vitória do Bayern e um empate.
Mais uma vez, temos um convidado escrevendo sobre a equipe não-italiana. Sobre o Bayern, escreve Roberto Piantino, ex-editor do site Mercado Futebol e apaixonado pelo futebol da Alemanha, país em que viveu. Boa leitura!
Bayern de Munique Quatro troféus de campeão continental, uma Copa da Uefa, uma Recopa européia, duas Copas Intercontinentais, vinte e dois títulos da Bundesliga, e uma história repleta de grandes craques e diversas glórias. Em busca da “tríplice coroa”, o Bayern de Munique chega com estas respeitáveis credenciais à sua oitava decisão de Liga dos Campeões da Europa contra a Internazionale, rival poderoso e apontado pela maioria como o grande favorito na final deste sábado no estádio Santiago Bernabéu em Madrid.
Não muitos em Munique acreditavam num desfecho de temporada tão prolífico para o clube mais vencedor e popular da Alemanha. Após o fracasso do projeto liderado por Jürgen Klinsmann, e o curto período tampão de Jupp Heynckes nos derradeiros jogos da última temporada, o holandês Louis van Gaal, recém proclamado campeão holandês com o AZ Alkmaar, foi anunciado pelo Bayern como novo treinador, com grande autonomia para montar a nova equipe.
O holandês surpreendeu a todos ao exigir a saída dos brasileiros Lúcio e Zé Roberto, craques consagrados e com história no clube. O zagueiro, capitão da seleção brasileira, será agora adversário na final do Santiago Bernabéu. Por outro lado, van Gaal, seguindo sua tradição de aproveitar bem as categorias de base por onde passa, aproveitou, de forma assídua os garotos Müller, Badstuber, Contento e Alaba, todos formados no clube. Outros exemplos da força da base bávara são os titulares absolutos Lahm e Schweinsteiger, além de Rensing, Lell, e o talentoso Kroos, cedido ao Leverkusen e com retorno garantido para a próxima temporada. Cabe recordar que van Gaal foi quem lançou Puyol e Xavi em sua passagem pelo Barcelona, embora muitos prefiram lembrar-se somente das legiões holandesas que trouxe sem complexos.
Neste mesmo período na capital catalã, van Gaal teve como seu auxiliar um jovem português que exercera o mesmo papel no ano anterior ao lado do já falecido Bobby Robson. José Mourinho, descrito na época pela imprensa esportiva brasileira simplesmente como um mero tradutor, apurava ali seu caráter vencedor e demais predicados que lhe levariam a tornar-se o técnico de primeira linha que é.
As dispendiosas incorporações no último verão europeu de Robben, Olić, Gómez, Pranjić, Braafheid e Baumjohann, apesar do pouco aproveitamento e saída dos dois últimos, somadas às cessões de Sosa, Ottl, Toni e Breno, provaram-se acertadas com a conquista dos dois títulos mais importantes do futebol alemão – a Copa do país no último sábado, com uma goleada de 4 a 0 contra o Werder Bremen, e a Bundesliga, numa acirrada e vitoriosa disputa pela liderança contra Bayer Leverkusen e Schalke 04 ao longo do segundo turno, depois de ter ocupado a 14º colocação no início da temporada com a derrota diante do pequeno Mainz.
A derrota em Mainz gerou o maior período de dificuldades para van Gaal desde sua chegada. A partir de então optou por mudanças na equipe, com adoção mais assídua dos sistemas 4-3-3 e 4-2-3-1, e, já quase no final de 2009, do 4-4-2, com duas linhas, em detrimento do losango no meio do início da temporada, com Schweinsteiger e van Bommel como meias centrais, e Robben e Ribéry pelos lados.
As mudanças resultaram ser uma das chaves do sucesso e recuperação da equipe na temporada. Com uma seqüência de bons resultados, voltaram a brigar no topo da tabela da Bundesliga e conseguiram a façanha de golear a Juventus, em Turim, por 4 a 1 e conseguir a classificação aos confrontos eliminatórios da Liga dos Campeões, dada por muitos como perdida.
As enormes dificuldades encontradas nos confrontos diante de Fiorentina e Manchester United, definidos favoravelmente ao Rekordmeister somente pelos gols marcados como visitante nas duas derrotas na casa dos rivais, fizeram pairar dúvidas sobre o nível de jogo e a seqüência da equipe na temporada.
A versão final do Bayern na reta final desta temporada consuma-se com a adoção contingencial do 4-2-3-1, após a expulsão de Ribéry no primeiro jogos das semifinais contra o Lyon no Allianz Arena. Houve, então, o recuo de Schweinsteiger e van Bommel, como dupla de volantes, com funções mais defensivas que na versão anterior, e a entrada de Altintop no lugar do francês no passeio muniquense no jogo da volta na França, que terminou por equilibrar mais a equipe.
A grande força dos rivais italianos, respaldados pela genialidade de seu treinador, comandante e mentor de um dos melhores elencos da Europa, com uma das defesas mais sólidas do mundo, praticante de um jogo vertical e físico, e setor ofensivo formado por jogadores que aliam grande capacidade goleadora a obediência tática, colocará à prova o último esforço do Bayern na temporada.
A formação titular na vitória em terras francesas deverá ser a que entrará em campo na finalíssima. Com a suspensão de Ribéry, sua vaga como meia pela esquerda novamente deverá ficar com Altintop, que auxiliará o jovem lateral esquerdo Contento na difícil missão de conter Eto’o e as incursões de Maicon pelo setor. Müller, centralizado, e o holandês Robben, jogador com maior poder de decisão do lado alemão, na direita, terão a companhia de Olić, como homem mais avançado, no setor ofensivo. A defesa, sem problemas de suspensões e lesões, terá a dupla de zaga Demichelis-van Buyten, e ainda Lahm na lateral direita. Mais atrás, e em sua segunda final de Liga dos Campeões na carreira, o goleiro Butt certamente espera não repetir a falha cometida no gol de Raúl na derrota para o Real Madrid em 2002.
Inter Os nerazzurri, com dois títulos da antiga Copa dos Campeões, três Copas da Uefa, uma Recopa européia, duas Copas Intercontinentais, dezoito scudetti, seis Coppa Italia e quatro vezes campeões da Supercopa Italiana, vêm embalados para tentar o primeiro título do clube na moderna fase do torneio europeu, conhecido desde o início da década de 1990 como Liga dos Campeões. Nas casas de apostas europeias, a Inter é tida como favorita pelo título que será disputado amanhã, no estádio do Real Madrid.
A temporada da Inter é praticamente perfeita até aqui. Soberana na Itália, a equipe treinada por José Mourinho teve momentos de incerteza na pré-temporada, quando negociou Zlatan Ibrahimovic com o Barcelona, contratando Samuel Eto’o e ganhando cerca de 45 milhões de euros pela transação. Além disso, foram contratados Diego Milito e Thiago Motta, do Genoa, e Lúcio, que vinha “escorraçado” do Bayern por van Gaal.
A temporada não começou tão bem em campo, com a perda da Supercopa para a Lazio, em Pequim, e com o empate na estreia da Serie A com o caçula Bari, no Giuseppe Meazza. Porém, a contratação de Wesley Sneijder foi crucial para o restante da temporada. Mal desceu do avião, o holandês entrou em campo e foi fundamental para a goleada por 4 a 0 sobre o rival Milan, na segunda rodada, jogo no qual Milito, Eto’o e Motta também foram importantes.
O primeiro turno da Beneamata foi arrasador: ainda escalada no 4-3-1-2 típico da gestão de Roberto Mancini e no primeiro ano com Mourinho, a Inter passou a primeira parte da temporada conseguindo bons resultados, como no dérbi de Milão e nas vitórias contra Napoli, Genoa, Palermo e Siena. Os oito pontos de vantagem sobre o Milan, então vice-líder, davam a impressão de que o pentacampeonato nacional seria conquistado com grande facilidade, não obstante o time tivesse empatado em casa com a Roma e perdido para Juventus e Sampdoria.
Na LC, classificou-se na segunda posição de um grupo complicado, no qual empatou com o Barcelona em casa, jogando bastante recuada, e também empatou contra Dynamo Kiev e Rubin Kazan. Uma vitória de virada, conseguida nos últimos minutos da partida de volta, em Kiev, mudou o rumo das coisas: mesmo com a derrota no Camp Nou para o Barcelona, bastou vencer o Rubin em casa para garantir a segunda posição no grupo.
O sorteio, em dezembro, não foi feliz para os nerazzurri: as oitavas-de-final reservariam um embate contra o Chelsea, tido como um dos favoritos ao título. Até então, a Inter jogava mal – e até com medo – na competição continental, o que empurrava o favoritismo para o lado londrino. Janeiro e fevereiro passaram como uma flecha e a Inter já demonstrava preocupações com o duelo da LC. Apesar de uma grande vitória sobre o Milan na Serie A, a vantagem havia caído para quatro pontos até o momento do jogo de ida contra o Chelsea.
Naquele momento, porém, a Inter passava a jogar de maneira diferente: com o importante acréscimo de Pandev ao elenco, em janeiro, para substituir Eto’o, que estava com Camarões na Copa Africana de Nações, deu uma nova opção tática a Mourinho. Reconhecendo a ótima fase de Pandev e o poder de decisão de Eto’o, o Special One decidiu ousar para encaixar os dois no onze inicial e colocou a Inter para jogar no 4-2-3-1. Anteriormente, o esquema tático que era utilizado somente quando as partidas se complicavam para a campeã italiana. Assim, a Inter de Mourinho passava a ser ofensiva, mas mantia o balanço tático ao não deixar de compacta defensivamente, com o apoio dos pontas.
Jogando com o esquema novo no Meazza, vitória da Inter por 2 a 1 e uma grande exibição de Lúcio. A vitória serviu como uma espécie de “batismo de fogo”: os nerazzurri não conquistavam uma vitória na fase eliminatória da LC, desde 2006, quando bateu o Villarreal. No jogo de volta, com o favoritismo ainda do lado dos Blues, os italianos chegaram ao primeiro grande feito da temporada: a vitória por 1 a 0 em Stamford Bridge foi um verdadeiro capolavoro coletivo, que contou com uma outra ótima exibição defensiva além de aplicação tática acima da média. Na principal conquista da temporada até aquele momento, os contratados nas janelas de transferências haviam mostrado serviço, demonstrando o sucesso da ação da diretoria interista no mercado europeu.
Na LC, o sorteio garantiu um adversário acessível para as quartas,-de-final, mas não reservou uma boa notícia no emparelhamento para o estágio seguinte: primeiro, o CSKA Moscou e, depois, caso se classificasse, a equipe enfrentaria Arsenal ou o temível Barcelona. No confronto das quartas contra os moscovitas, a maior dificuldade foi enfrentar o frio da Rússia: a Inter claramente se poupava para manter a vantagem que ia se extinguindo no campeonato italiano. Após apenas quatro vitórias em dez jogos e uma derrota para a Roma, não havia mais gordura para queimar. Logo após a classificação para as semifinais contra o Barcelona, a Inter perde a liderança para a equipe romana, atingindo o período mais dramático da temporada: poderia terminar a temporada sem títulos.
Sem sofrer qualquer abalo aparente, os jogadores e a comissão técnica da Inter demonstraram que foco total na LC. Na partida de ida contra o Barcelona, a Inter convenceu quem ainda não havia sido dobrado pelas atuações frente ao Chelsea. Jogando em casa, começou perdendo para o Barcelona, mas graças a atuação de um ótimo e decisivo Milito, virou a partida para um 3 a 1 bem gerido defensivamente e que poderia ter se transformado em goleada, caso Sneijder não perdesse chance incrível.
No jogo de volta, a Inter estava mais tranquila: já havia retomado a ponta na Serie A e poderia até perder por um gol de diferença para o Barcelona temido por todos, sobretudo por ter Messi, um alienígena. Mourinho mandou a campo um catenaccio à Helenio Herrera, que praticamente não permitiu ao Barcelona levar perigo. Com a expulsão de Motta, Eto’o e Milito atuaram como verdadeiros laterais, mostrando o comprometimento com a coletividade tão prezado pelo técnico de Setúbal. A classificação heróica sobre os favoritos ao título deu a Inter uma confiança inimaginada por qualquer torcedor que acompanhou o clube na virada do século e nos anos subsequentes, que pode fazer a diferença na final.
Com os títulos da Serie A e da Coppa Italia assegurados, a Tríplice Coroa é a pequena obsessão de um time que quer entrar na história, sobretudo porque o ciclo de Mourinho em Via Durini parece estar concluindo-se. O time que deve ir a campo ainda não foi definido pelo treinador, embora todos estejam disponíveis. Mourinho não quis falar sobre escalação na coletiva de hoje, mas é possível que seja o mesmo que enfrentou o Barcelona, à exceção de Thiago Motta, que deve ser substituído por Stankovic, no meio-campo.
Para se proteger de Robben, o treinador português estuda mover Zanetti para o meio-campo e escalar Chivu na lateral-esquerda, permitindo, por outro lado, que Maicon suba mais pelo lado direito, aproveitando a inexperiência de Contento. Ainda existe a opção de um módulo mais cauteloso, sem Pandev no time: assim, Mourinho escalaria o time com o meio campo em losango, com Cambiasso mais recuado e Stankovic e Zanetti apoiando Sneijder, o trequartista. Na defesa, as preocupações com o estado físico de Lúcio nas últimas semanas cessaram e o brasileiro terá o dever de, juntamente com Samuel, restringir as ações de Olić, em grande fase nesta temporada.
Prováveis escalações Bayern de Munique: Butt; Lahm, Demichelis, van Buyten, Contento; van Bommel, Schweinsteiger; Robben, Müller, Altintop; Olić.