Técnicos

Enzo Bearzot, o homem que encerrou a seca de 44 anos da Azzurra

“O futebol parece ter-se tornado uma ciência, ainda que nem sempre exata. Mas, para mim, antes e acima de tudo, trata-se de um jogo”. Em uma ideia, este é Enzo Bearzot, uma carreira futebolística como volante antes de uma longa estrada como técnico de seleções italianas. Como jogador, seu melhor resultado foi uma convocação para a seleção, em 1955. Como técnico, se consagrou pelo recorde de jogos como ct azzurro (104 partidas), pelo título inesperado na Copa de 1982 e por seu “extraordinário altruísmo”, na descrição de Gaetano Scirea.

Em 1964, depois de encerrar a carreira de jogador – na qual teve passagens por Torino, onde foi ídolo, Inter e Catania –, começou como auxiliar de Nereo Rocco no Torino. O vencedor de duas Copas dos Campeões pelo Milan seria o grande professor de Bearzot. A experiência no Prato, da Serie C, durou só uma temporada. A partir daí começou a fase que consagraria o treinador em âmbito mundial, primeiro na equipe sub-23, depois na principal. No comando da Squadra Azzurra, duraria nove anos: três Copas do Mundo, uma Eurocopa e uma Olimpíada.

A “Era Bearzot” começou logo depois da Copa de 1974, mas viu seu sinal amarelo quando o grupo não conseguiu se classificar para a Euro ’76. Já o sinal verde surgiu na Copa seguinte: apesar do quarto lugar em 1978, os críticos foram quase unânimes ao afirmar que a Itália jogava o melhor futebol do torneio vencido pela Alemanha. Algo que aconteceria de novo na Euro seguinte, disputada na própria Itália, em 1980.

O técnico do tri italiano e seu inseparável cachimbo (imago)

Desde o início, Bearzot planejava modernizar o futebol engessado por Herrera. E tinha no futebol total holandês sua maior inspiração. Na defesa, logo lançou um jovem Scirea, líbero com bons dotes ofensivos, que depois se tornaria uma lenda italiana. O meio-campo conheceu Tardelli, lateral de origem que era defensor e atacante, à medida que o time precisasse. O ataque passou por Bettega e Graziani para que a pouca mobilidade não travasse seu projeto. Tudo muito bonito e com dois quartos lugares honrosos. Até que, a seguir, veio sua obra prima: Espanha ’82.

Apesar dos elogios, o orgulho de Bearzot estava à prova e o título era a meta de seu trabalho, ainda que seus ideais tivessem de ser sacrificados. No caminho para a Copa, o bom futebol havia sumido e os resultados não empolgavam tanto. O jogo italiano chegava perto da mediocridade e a imprensa pedia a cabeça do técnico. Isso fez com que o torneio começasse com a adoção (pela primeira vez entre os italianos) do silenzio stampa, imposto pelo treinador para que todo o elenco não pudesse falar à imprensa – uma forma de vingar as ferozes críticas dos jornais italianos à sua Nazionale.

A campanha anti-Bearzot durou pelo menos até a histórica partida em que Paolo Rossi marcaria três gols contra o Brasil de Zico, depois de tirar do páreo a Argentina de Maradona. E fazer de todo o resto somente história. Do mundo que sabe que Rossi é um dos maiores carrascos da história do futebol brasileiro, nem todos conhecem seus dois anos de suspensão que se encerraram pouco antes da Copa. E nem que Bearzot o bancou no time titular contra tudo e todos até que o camisa nove fosse ovacionado contra o hoje decantado time de Telê Santana.

O torneio terminou com um título que finalmente voltava à Itália, depois de 44 anos. Uma vitória do grupo, pela capacidade de gestão que possuía Bearzot – no melhor estilo imortalizado no Brasil pela “família Scolari” de 2002. Mas também uma vitória técnica e tática herdada de Nereo Rocco e Fulvio Bernardini, posta em prática por Enzo Bearzot. Um homem forte demais para o dia a dia do futebol italiano, que logo tratou de colocá-lo às suas margens.

Alçado aos céus pelos jogadores, Bearzot comemora a volta por cima (imago)

Itália ’82
Tecnicamente, o time tricampeão mundial não chegava aos pés de Argentina e Brasil, as equipes mais espetaculares daqueles anos. Mas sua eficácia era maior. Zoff, com seus 40 anos, fazia milagres entre as traves para se consagrar o melhor goleiro daquele Mundial. Não bastasse, tinha à sua frente a dupla de laterais Gentile-Cabrini fechando a defesa com Scirea e Collovatti ou o jovem Bergomi. No meio, o incansável Oriali suportava os ótimos Tardelli, Conti e Antognoni. O ataque com Rossi e Graziani, quem diria, era o ponto fraco. Mas quem estava em Madri naquele 11 de julho de 1982 nem percebeu isso.

Pós-tri
Depois da sua única conquista como treinador (e que conquista!), Bearzot seguiu comandando a Itália, uma vez que tinha contrato até 1990. Mas como não conseguiu a classificação para a Euro 1984 e a Itália foi eliminada nas oitavas do Mundial de 1986, o técnico se demitiu. E, na verdade, aposentou-se da carreira de treinador. Entre 2002 e 2005, comandou o setor técnico da Federação Italiana de Futebol – FIGC.

O histórico treinador morreu em 21 de dezembro de 2010, exatos 42 anos após a morte de Vittorio Pozzo – técnico bicampeão mundial com a Squadra Azzurra, e segundo com mais jogos pela seleção. Em seu funeral, teve caixão carregado por jogadores e membros da comissão técnica de 1982. Uma homenagem mais que merecida a um mito do esporte.

Enzo Bearzot
Nascimento: 26 de setembro de 1927, em Aiello del Friuli
Morte: 21 de dezembro de 2010, em Milão
Carreira como jogador: Pro Gorizia (1946-48), Inter (1948-51 e 1956-57), Catania (1951-54) e Torino (1954-56 e 1957-64)
Carreira como treinador: Prato (1968-69), Seleção Italiana Sub-23 (1969-75), Seleção Italiana (1977-1986)
Título: 1 Copa do Mundo (1982)

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