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‘Pau para toda obra’, Daniele Bonera experimentou a glória e o fracasso no Milan

Em 1981, o cantor Roberto Carlos lançou um álbum homônimo que seria aclamado pelo Brasil inteiro. No mesmo ano, nasceu em Brescia, norte da Itália, um bebezinho que, várias primaveras depois, se tornaria jogador de futebol. O nome da criança era Daniele Bonera. Ele ficou conhecido no Milan, participando do último grande esquadrão rossonero e do declínio do clube. Deixou San Siro em 2015, após intensas críticas da torcida. Uma estrofe da música “Emoções”, daquele álbum de Roberto Carlos, elucida o sentimento de Bonera em sua partida: “Se chorei / Ou se sorri / O importante / É que emoções eu vivi”. E como teve emoções… Que o diga o torcedor milanista.

Fã de futebol desde a infância, Bonera chegou às categorias de base do Brescia, equipe da sua cidade, em 1994, aos 13 anos. Depois de ganhar destaque no time Primavera, equivalente ao sub-19, integrou o elenco principal na temporada 1998-99. Apesar disso, não foi utilizado por Silvio Baldini, técnico que levou as andorinhas à sétima colocação naquela edição da Serie B. O treinador não ficou para a época seguinte a acabou sendo substituído por Nedo Sonetti.

Bonera recebeu suas primeiras oportunidades como profissional próximo à virada do século. Em sua estreia, jogou os 90 minutos contra o Vicenza, no Mario Rigamonti. A partida ficou empatada em 1 a 1. Ao todo, o camisa 21 atuou em cinco partidas na segundona italiana de 1999-2000, competição que a Leonessa terminou em terceiro lugar e, assim, ascendeu à elite.

Agora na Serie A, a diretoria do Brescia reforçou o plantel e decidiu mudar mais uma vez de comandante: saiu Sonetti, entrou Carlo Mazzone. O técnico apostou em Bonera e o promoveu à titularidade, definitivamente, em janeiro de 2001. No 3-5-2 do romano, o jovem defensor formou diversos trios de zaga, uma vez que o treinador revezava bastante seus beques: Filippo Galli, Vittorio Mero, Alessandro Calori e Fabio Petruzzi. Com a classe de Roberto Baggio na armação de jogadas e o instinto artilheiro de Dario Hübner na área, o Brescia conseguiu um expressivo oitavo lugar em seu retorno à primeira divisão.

 

O bom início de carreira no Brescia credenciou Bonera a voos mais altos no futebol italiano (EMPICS/Getty)

Após a temporada de afirmação, Bonera seguiu mostrando bom futebol em 2001-02. Além disso, disputou sua primeira competição internacional, a Copa Intertoto. Os biancazzurri conseguiram atingir a final do torneio, porém perderam para o Paris Saint-Germain devido ao gol marcado fora de casa: após 0 a 0 na ida, em Paris, os franceses levaram a melhor ao empatarem em 1 a 1 com os italianos, em Brescia. Bonera concluiu a temporada com 37 jogos, mas foi expulso três vezes na Serie A.

O bom desempenho de Daniele no Brescia o fez ser convocado pela primeira vez para a seleção italiana. Em setembro de 2001, o jogador atuou como lateral-direito na vitória por 1 a 0 sobre Marrocos, em Piacenza. O teste no amistoso serviu para Giovanni Trapattoni observar o garoto em ação mais de perto. Afinal, Bonera vinha entregando um rendimento satisfatório nas seleções de base da Itália, e deixou impressão positiva jogando pelo Brescia.

Em julho de 2002, o defensor deixou o clube lombardo e assinou contrato com um endinheirado Parma, que se aproveitava do lucrativo patrocínio da Parmalat – à época uma das maiores empresas de laticínios do mundo – para qualificar o elenco. Bonera chegou com status de titular e correspondeu às expectativas. Apesar da derrota por 2 a 1 frente à Juventus na Supercopa Italiana, o zagueiro fez grande temporada e contribuiu para a quinta posição obtida pelos crociati.

Titular indiscutível da equipe, Bonera chegou a fazer dupla com Paolo Cannavaro e Matteo Ferrari. Um fato raro ocorreu na carreira do camisa 5 em seu ano de debute pelo Parma: ele marcou seu primeiro gol como profissional. Curiosamente, o tento veio contra seu ex-time, o Brescia, no Mario Rigamonti, estádio em que ele dera seus primeiros passos no futebol profissional. A partida, válida pela 18ª rodada da Serie A, acabou em 1 a 1. Para se ter uma ideia do feito extraordinário, o atleta não balançou mais as redes até o fim de sua carreira, em 2019.

Com a camisa do Parma, Bonera mostrou polivalência (AFP/Getty)

Em 2004, Bonera integrou um grupo promissor de jovens italianos que venceu o Europeu Sub-21. Na final, os azzurrini enfiaram 3 a 0 no selecionado de Sérvia e Montenegro para alçarem a taça. Titular durante a campanha vitoriosa, o lombardo terminou a competição fazendo a lateral direita do time de Claudio Gentile. No mesmo ano, Gentile convocou Bonera para a Olimpíada de Atenas. A seleção italiana ficou com a medalha de bronze e um saldo bastante positivo, já que atletas como Andrea Barzagli, Giorgio Chiellini, Andrea Pirlo, Daniele De Rossi e Alberto Gilardino mostraram suas credenciais ao mundo.

Na época 2003-04, Bonera mostrou toda sua polivalência que marcaria sua trajetória no esporte: além da zaga, jogou também como lateral-direito e lateral-esquerdo. Quando Giuseppe Cardone ou Júnior não podiam atuar, o comandante Cesare Prandelli designava Daniele para fechar os flancos da linha de defesa. Essa adaptação ocorreu com mais frequência após os jogadores mais valorizados e de salários altos serem vendidos. É que a Parmalat quebrou e deixou o Parma no fundo do poço – o clube entrou em processo de falência.

Lutando contra as adversidades financeiras, o Parma surpreendeu e alcançou as semifinais da Copa Uefa, perdendo para o CSKA Moscou. Na Serie A, contudo, os ducali não tiveram a mesma sorte e lutaram para não cair – eles tiveram que disputar os playoffs para permanecerem na elite. A temporada 2005-06 foi a última de Bonera no time gialloblù. Foram 139 partidas e um gol vestindo a camisa crociata.

Em julho de 2006, aos 25 anos, o zagueiro realizou um sonho de criança ao firmar acordo com o Milan até junho de 2010. Ele era torcedor do clube milanês desde a infância. “Só de entrar no centro esportivo rossonero, para mim, é algo mágico”, afirmou, extasiado, em sua apresentação como novo jogador da equipe. A cúpula milanista buscou a contratação do lombardo visando rejuvenescer um setor cuja média de idade estava bem alta.

Em quase uma década de Milan, Bonera se tornou uma espécie de “quebra-galho” oficial (Getty)

Bonera não fez parte do grupo italiano que superou a desconfiança e conquistou a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha. Porém, esteve na “lista de emergência” do técnico Marcello Lippi. O lateral Gianluca Zambrotta poderia ser cortado por causa de lesão, então o lombardo seria automaticamente chamado para compor o plantel. No entanto, Zambrotta se recuperou a tempo de disputar o Mundial e, assim, Daniele acabou fora da lista final.

Após a Copa, ele só voltaria a ter uma chance na Nazionale, então treinada por Roberto Donadoni, em março de 2007, em jogo das Eliminatórias da Eurocopa 2008 contra a Escócia, em Bari. Uma contusão, entretanto, o impediu de servir à Azzurra. Enquanto isso, no Milan, Bonera se preparava para ganhar seu primeiro grande troféu.

Três anos depois da conquista do Europeu Sub-21, o zagueiro ajudou os rossoneri a vencerem a Liga dos Campeões. O camisa 25 atuou cinco vezes na campanha que culminou no título europeu. Na Serie A e na Coppa Italia, aproveitou as lesões de Alessandro Nesta e Kakha Kaladze para se firmar como companheiro de zaga de Paolo Maldini. Encerrou a temporada com muita moral, de modo que os torcedores nem lembravam que o atleta havia sido expulso em sua estreia pelo Milan, contra o Anderlecht, na Bélgica, pela fase de grupos da Liga dos Campeões, em outubro de 2006.

Em 2008-09, Bonera perdeu vários jogos devido a uma lesão. Assim, passou a fazer companhia a Nesta e Kaladze no departamento médico milanista. Nessa temporada, ele perdeu de vez espaço na seleção italiana. Sua última apresentação pela Nazionale ocorreu em novembro de 2008, num amistoso com a Grécia, realizado em Atenas.

O defensor faturou cinco títulos pelos rossoneri (AFP/Getty)

Em julho de 2009, Daniele foi premiado com uma extensão contratual que o mantinha em San Siro por mais quatro anos, até 2013. Aquele período não foi dos melhores para o camisa 25, que desfalcou o time em inúmeros compromissos por causa das recorrentes contusões. Geralmente longe dos gramados, o lombardo viu a rival Internazionale, treinada por José Mourinho, ganhar tudo em 2009-10. Nesta temporada, o defensor entrou em campo apenas 11 vezes, totalizando 778 minutos em ação.

Os problemas físicos e musculares seguiram atormentando Bonera no início da década de 2010, mas ele conseguiu ter mais tempo de jogo em relação às duas épocas anteriores e contribuiu para o 18º scudetto obtido pelo Milan. Já em 2011-12, o jogador soltou o grito de campeão da Supercopa Italiana – triunfo por 2 a 1 sobre a Inter, em Pequim – e utilizou, pela primeira vez, a faixa de capitão. O lombardo teve essa honra no 3 a 1 aplicado sobre a Lazio, em San Siro, pelas quartas de final da Coppa Italia, em janeiro de 2012.

No entanto, as coisas começaram a desandar para o Milan ao fim daquela temporada. A diretoria precisou vender dois astros do time, o zagueiro Thiago Silva e o atacante Zlatan Ibrahimovic, para fazer caixa. Com pouco dinheiro, não conseguiu contratar substitutos à altura. Nesse momento, a agremiação de Milão começou seu período de franco declínio, a exemplo do futebol de Bonera.

Exaurido pelas infindáveis lesões, Bonera dificilmente conseguia ter uma sequência de partidas pela equipe rossonera. E quando estava saudável, geralmente comprometia o sistema defensivo. As falhas passaram a persegui-lo. Embora seu desempenho fosse questionável, a agremiação optou, em maio de 2013, por renovar seu vínculo até junho de 2015.

O italiano jogou pouco pelo Villarreal, clube em que se aposentou (AFP/Getty)

Os dois anos seguintes passaram lentamente para os torcedores do Milan, que riam de nervoso ao verem as pixotadas do camisa 25 em campo. A temporada 2014-15 certamente foi uma das piores dos anos 2010 para o Milan e, ao seu término, o clube optou por não renovar o contrato do jogador. Assim, Bonera deixou a agremiação como agente livre, aos 34 anos. Foram cinco títulos e 201 partidas em quase uma década em Milanello.

Sem amarras contratuais, Bonera arrumou as malas, voou para a Espanha e acertou com o Villarreal. Entregando experiência e conselho aos mais jovens do grupo, o italiano jogou quatro temporadas pelo Submarino Amarelo e encarou adversários do nível de Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar, entre outros craques mundiais de La Liga. Tornou-se, também, o jogador mais velho a vestir a camisa do clube valenciano.

Após tanto batalhar contra seu corpo, entretanto, Daniele resolveu parar. Aos 38 anos, aceitou que não dava mais para continuar e pendurou as chuteiras ao fim de 2018-19. Mas o lombardo não ficou muito tempo parado. Ele, que havia se formado no curso de treinadores em Coverciano, Florença, em setembro de 2018, foi anunciado como integrante da comissão técnica do Milan em 2019. O bom filho tornou a casa.

Embora os erros cometidos por Bonera dentro do campo ainda estejam vivos na memória dos torcedores rossoneri, não dá para negar que, quando o ex-zagueiro está no Milan, ele vive um momento lindo. Olha para Milanello, e as mesmas emoções continua sentindo. Foram tantas já vividas. São momentos que ele não esqueceu. São tantas emoções, bicho.

Daniele Bonera
Nascimento: 31 de maio de 1981, em Brescia, Itália
Posição: zagueiro e lateral
Clubes: Brescia (1999-2002), Parma (2002-06), Milan (2006-15) e Villarreal (2015-19)
Títulos: Europeu Sub-21 (2004), Bronze Olímpico (2004), Liga dos Campeões (2007), Supercopa Uefa (2007), Mundial de Clubes (2007), Serie A (2011) e Supercopa Italiana (2011)
Seleção italiana: 16 jogos

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