No fim de junho de 2016, Roy Hodgson, então técnico da Inglaterra, não resistiu a mais um vexame da seleção britânica e, após a eliminação nas oitavas de final da Eurocopa contra a pequena Islândia, pediu demissão do cargo. Não deixa de ser irônico que o treinador tenha caído após perder para a equipe nacional de um país nórdico, da mesma região do globo em que mais teve sucesso – êxito responsável por alavancar a sua carreira na Itália, por exemplo.
À frente da seleção inglesa, Hodgson teve exposição comparável apenas às que teve quando foi técnico de Inter e Liverpool. No entanto, os holofotes apontados para ele só evidenciaram o pior: o comandante londrino fez o mesmo que seus antecessores. Ganhou milhões sem merecimento, deixou a torcida empolgada e fracassou na Copa do Mundo e na Euro mesmo com uma boa geração a seu dispor. Acabou sendo mais lembrado por suas feições e gestuais pitorescos, além da total falta de intimidade com uma mentalidade vencedora e o poder de incentivar e convencer seus comandados de suas ideias.
A definição do Felipe Portes, da Todo Futebol, é precisa. A cena antológica do treinador após o gol de Luis Suárez na derrota da Inglaterra para o Uruguai durante a Copa do Mundo, também. E apresentam um técnico que passou pela Itália sem deixar saudades.
Gosto muito do Roy Hodgson. Ele tem cara de garçom, de figurante o “Viva o Gordo” e daquele seu tio do interior que peida em público.
— Felipe Portes (@felipeportes5) 16 de junho de 2016
Este senhor já treinou Inter (duas vezes!) e Udinese pic.twitter.com/F1mGbYLir0
— Calciopédia (@calciopedia) 27 de junho de 2016
O homem que descartou Roberto Carlos
Hodgson morava do outro lado dos Alpes quando foi contactado para se transferir para Milão e fechar com a Inter, com a Serie A 1995-96 já em andamento. O inglês era o técnico da Suíça e aceitou trabalhar na equipe recém-adquirida por Massimo Moratti, a qual assumiu na 7ª rodada do campeonato. Teria o seu emprego de maior destaque pouco depois de comandar os helvéticos na Copa de 1994.
Quando Hodgson chegou na Inter, o clube havia investido bastante e acertado com nomes como Javier Zanetti, Sebastián Rambert, Maurizio Ganz, Salvatore Fresi, Roberto Carlos e seu compatriota, o inglês Paul Ince. Porém, Ottavio Bianchi, seu antecessor, conseguiu a proeza de cair na primeira fase da Copa Uefa para o pequeno Lugano, da Suíça, o que fez a diretoria buscar o inglês no próprio país alpino. English Roy tinha a missão de apagar incêndio, mas não conseguiu fazer mais do que uma temporada medíocre na Lombardia, concluída com a sétima posição no Campeonato Italiano.
O inglês não durou mais que uma outra temporada na Pinetina. Em 1996-97, a Inter se reforçou ainda mais com as contratações de Iván Zamorano, Youri Djorkaeff, Aron Winter e Ciriaco Sforza e até fez uma campanha melhor: foi terceira colocada na Serie A, mas perdeu a final da Copa Uefa para o Schalke 04, tecnicamente inferior.
A derrota acabou ficando na conta de Hodgson, que foi alvo de moedas e isqueiros atirados pelos torcedores da Beneamata. Para se ter uma ideia, até mesmo o sempre calmo e educado Zanetti demonstrou irritação com o técnico na partida de volta da final – desculpando-se em seguida. Com o terceiro lugar já garantido, English Roy foi demitido após a final da copa e deu lugar a Luciano Castellini, que dirigiu a equipe nas duas últimas rodadas da Serie A.
Durante sua passagem pela Inter, o inglês ficou reconhecido por ser um homem decente, muito cortês, mas ao mesmo tempo sem afinidade com a persuasão e espírito vencedor – características atribuídas a Claudio Ranieri ao longo de quase toda sua carreira, por exemplo. Hodgson também ficou marcado por ter sido o técnico que dispensou Roberto Carlos, em uma das piores negociações da história recente do clube lombardo.
O inglês insistia em utilizar o brasileiro como meia aberto pela esquerda de seu 4-4-2 em linha, por considerá-lo indisciplinado taticamente e fraco do ponto de vista defensivo. Para manter seu espaço na seleção brasileira e jogar em sua posição de origem, Roberto pediu para ser negociado com o Real Madrid, clube em que fez história: venceu três Ligas dos Campeões (o mesmo número de Champions que a Inter conquistou desde sua fundação), e se tornou um dos maiores laterais esquerdos daquele período, com títulos mundiais acumulados pelo Real e pelo Brasil. Já Hodgson…
Por incrível que pareça, o inglês teve outra oportunidade com os nerazzurri. Na horrenda temporada 1998-99 ele foi contratado como interino para as quatro últimas partidas da Serie A, acumulando vitórias contra Roma (5 a 4) e Bologna e derrotas contra Parma e Venezia. Após concluir a temporada na 8ª posição, a Beneamata teve de jogar duas partidas extras contra o Bologna (empatado em número de pontos) para decidir quem jogaria a Copa Uefa. Os bolonheses faturaram o spareggio com dois triunfos por 2 a 1 e ficaram com a vaga.
Mesmo com a má fama adquirida pela decepção na Inter, Hodgson ainda dirigiu a Udinese em 2001-02, temporada em que a equipe bianconera brigou para não ser rebaixada. O inglês entrou em atritos com a direção do clube friulano em sua passagem e acabou sendo demitido na 14ª rodada.
Jornais publicaram que ele teria dito que estava feliz por ter voltado a treinar um time da Serie A, mas que poderia ter escolhido uma agremiação melhor, porque “a Udinese é um clube muito estranho”. Hodgson nega ter dito estas palavras, mas assume que ficou aliviado por ter sido demitido, pois não se entendia com os cartolas. Vale ressaltar que o fracasso da equipe de Údine naquela temporada pode ser atribuído, sim, a ele, uma vez que o elenco era formado por vários jogadores de longa história no Friuli, como Morgan De Sanctis, Valerio Bertotto, Per Kroldrup, David Pizarro, Martin Jorgensen, David Di Michele, Vincenzo Iaquinta e Roberto Muzzi. Seria possível alcançar melhores resultados com este time, mas English Roy não demonstrou competência, mais uma vez.
Quando era bom o senhor inglês
Apesar de ser reconhecido pelas suas falhas, Hodgson teve seus momentos de alta. O treinador se notabilizou por ser um homem do mundo: globetrotter, ele girou o planeta antes de chegar à Itália e continuou percorrendo distâncias após deixar o Belpaese. Poliglota, além de inglês, ele fala fluentemente sueco, norueguês, alemão, italiano e um pouco de dinamarquês, francês e finlandês.
Hodgson iniciou sua carreira como treinador no futebol sueco, em 1976, por indicação do amigo Bob Houghton, que treinava o Malmö. Roy levou o surpreendente Halmstads a dois títulos nacionais, o Örebro à primeira divisão, a Allsvenskan, e ainda faturou um pentacampeonato com o próprio Malmö, nos anos 1980. Os dois são tidos como dois dos responsáveis pela evolução do futebol da Suécia, pela introdução da marcação por zona e de maior rapidez nas transições – Sven-Göran Eriksson, por exemplo, tem muito em comum com o estilo dos ingleses.
Após se tornar mito na Suécia e recusar contrato vitalício do Malmö, Hodgson foi para a Suíça, país em que se destacou à frente do Neuchâtel Xamax – chegou a vencer o Real Madrid em uma partida da Copa Uefa e foi campeão da Supercopa local. O inglês acabou substituindo Uli Stielike no comando da seleção nacional helvética e sobrou: classificou a Suíça para a Copa do Mundo, algo que não acontecia desde 1966.
Neste percurso, deixou para trás Portugal e Escócia, além de ter tirando pontos da Itália de Arrigo Sacchi na qualificatória – chamando, pela primeira vez, a atenção do futebol da Bota. No Mundial, classificou-se em segundo em um grupo que tinha Estados Unidos, Romênia e a favorita Colômbia, caindo apenas nas oitavas de final, diante da Espanha. Em 1995, ele fechou com a Inter, clube em que ficou até 1997.
Depois da primeira passagem pela Itália, Hodgson acertou com o Blackburn e teve alguns bons meses pelos Rovers antes de ser demitido – neste período, foi sondado para assumir as seleções da Alemanha e da Inglaterra. No entanto, parecia que o inglês tinha como destino ir bem somente nos países escandinavos: foi campeão com folga na Dinamarca, pelo Copenhagen e teve trabalhos satisfatórios pelo Viking (Noruega) e pela seleção da Finlândia.
Em 2007, Hodgson voltou a dirigir um clube inglês e renasceu para o futebol, após ser sétimo colocado na Premier League 2008-09 e vice campeão da Liga Europa em 2010. A aprovação do trabalho nos Cottagers o levou ao Liverpool, no qual fracassou, e depois a uma medíocre passagem pelo West Bromwich. E, então, o prêmio: a seleção da Inglaterra.
Parecia a hora de voltar para a Escandinávia, certo, Roy? Errado. O veterano resistiu ao vexame e emendou dois bons trabalhos no Crystal Palace, salvando o time da degola na primeira divisão inglesa em várias ocasiões. Entre essas experiências, um rebaixamento para a segundona com o Watford. De qualquer forma, um fim de trajetória mais digno e discreto do que o período de bizarras invenções na Inter.
Roy Hodgson
Nascimento: 9 de agosto de 1947, em Croydon, Inglaterra
Carreira como treinador: Halmstads (1976-80), Bristol City (1982), IK Oddevold (1982), Örebro (1983-84), Malmö (1985-89), Neuchâtel Xamax (1989-92), Suíça (1992-95), Inter (1995-97 e 1999), Blackburn (1997-99), Grasshoppers (1999-2000), Copenhagen (2000-01), Udinese (2001), Emirados Árabes Unidos (2002-04), Viking (2004-05), Finlândia (2006-07), Fulham (2007-10), Liverpool (2010-11), West Bromwich (2011-12), Inglaterra (2012-16), Crystal Palace (2017-21 e 2023-24) e Watford (2022)
Títulos: Allsvenskan (1976, 1979, 1985, 1986, 1987, 1988 e 1989), Segunda divisão norte da Suécia (1984), Copa da Suécia (1986 e 1989), Supercopa da Suíça (1990), Superliga Dinamarquesa (2001) e Supercopa da Dinamarca (2001)
Resumindo: Roy Hodgson só deu certo mesmo em times escandinavos e clubes ingleses de menor expressão, times grandes na mão desse cara é cagada na certa.