Quando o assunto é a participação da Itália na Copa do Mundo de 2002, logo vem à tona o jogo da eliminação da Nazionale, contra a Coreia do Sul, uma das anfitriãs do torneio, e a questionável atuação do árbitro equatoriano Byron Moreno. No entanto, um olhar mais aprofundado para a campanha dos azzurri no continente asiático mostra que a seleção treinada por Giovanni Trapattoni foi vítima de grosseiros erros de arbitragem ao longo de toda a disputa – e alguns dos mais crassos foram fundamentais para a outra derrota da equipe na competição, para a Croácia.
A seleção italiana enfrentaria a Croácia pela segunda rodada da fase de grupos do torneio. Com uma geração talentosa, que empilhou quatro títulos europeus na categoria sub-21 durante o decênio anterior à Copa do Mundo, a Nazionale chegou ao Japão disposta a mostrar que podia brigar pelo título. A excelente vitória sobre o Equador, na estreia, fazia a Squadra Azzurra ter a confiança de que a classificação antecipada para as oitavas de final seria confirmada com um triunfo sobre os croatas.
A Croácia, assim como a Itália, chegou ao Mundial cercada por grande expectativa – afinal, havia sido terceira colocada na edição anterior da competição. Os vatreni contavam com nove remanescentes do elenco que fez história em 1998, mas os seus principais nomes estavam na fase final de suas carreiras, a exemplo de Davor Suker, Robert Prosinecki, Robert Jarni, Goran Vlaovic, Zvonimir Soldo e Mario Stanic. O veterano Alen Boksic, que perdeu aquela Copa por lesão, foi convocado dessa vez, mas também se aposentaria pouco depois.
Esses jogadores talentosos que o técnico Mirko Jozic tinha em mãos, porém, não apresentavam as melhores condições físicas – dessa forma, entre os veteranos, só Jarni, Soldo e Boksic tiveram constante utilização na campanha da Croácia. Ainda jovens e integrantes do plantel de 1998, Dario Simic e Anthony Seric eram reservas. Além disso, grande parte dos atletas que integravam a lista de convocados era de nível notoriamente inferior ao do time xadrez que brilhara na França. Com muitos pontos de interrogação no elenco, os croatas estrearam com derrota para o México e foram muito criticados pela imprensa de seu país.
A Itália esperava aproveitar as energias negativas que pairavam sobre o ambiente croata para sair do estádio Kashima com uma vitória consagradora, que ratificasse sua superioridade técnica e física sobre a Croácia. No entanto, o cenário sonhado pelos italianos não foi exatamente o que se verificou em campo.
Jozic escalou seu time com três modificações em relação ao jogo contra o México. Suspenso, por ter recebido cartão vermelho, o lateral-esquerdo Boris Zivkovic deu lugar a Daniel Saric, ao passo que os ofensivos Suker e Prosinecki foram sacados por motivos técnicos. Suas vagas foram assumidas por dois conhecidos do futebol italiano: o jovem Davor Vugrinec, do Lecce, e o incansável Milan Rapaic, que já representara o Perugia e atuava pelo Fenerbahçe. As alterações fizeram com que a seleção xadrez se mostrasse outra equipe ante uma Itália que, em comparação ao duelo com o Equador, só havia trocado Luigi Di Biagio por Cristiano Zanetti.
A Croácia dominou o meio-campo e provocou enormes dificuldades para o time de Trapattoni durante toda a etapa inicial. No entanto, a primeira boa chance foi da Itália: aos 15 minutos, Robert Kovac errou ao tentar dominar uma bola recuada e perdeu a posse para Damiano Tommasi, que saiu cara a cara com Stipe Pletikosa e não conseguiu colocar no canto. Aos 24, Alessandro Nesta se machucou e foi substituído por Marco Materazzi.
Com o passar do tempo, a Itália se mostrou incomodada com a surpreendente melhora dos croatas, que quase marcaram aos 26. Após tabelinha, Vugrinec tentou colocar no canto e chutou fraco; no rebote dado por Gianluigi Buffon, Materazzi precisou se esforçar para cortar antes que Boksic concluísse para as redes. O time de Trapattoni tentava agredir somente em contra-ataques, mas essa estratégia não surtia efeito algum. Assim, a solução encontrada pelo técnico foi diminuir bastante o ritmo do jogo, para protelar a definição para a segunda etapa.
Após o intervalo, a Itália teve uma notável melhora e seus jogadores passaram a ter a bola nos pés – sem deixarem de lado a objetividade que distinguia a estratégia trapattoniana. Aos 50 minutos, Cristiano Doni recebeu no flanco esquerdo e observou a infiltração de Gianluca Zambrotta na área, por trás da marcação croata. O lançamento, na medida, encontrou o ala, que se esticou todo para fazer um movimento de taekwondo e ajeitar para Christian Vieri, até então sumido, cabecear para as redes. O lindo gol acabou anulado de forma absurda, por um impedimento inexistente: no momento do passe, o artilheiro azzurro estava cerca de dois metros atrás da linha da pelota. Por causa de severa reclamação, Bobo foi advertido com um cartão amarelo.
Apesar de o gol ter sido invalidado pela arbitragem do inglês Graham Poll, a Itália descobriu o caminho para voltar às redes. E isso não demorou: aos 55 minutos, Doni levantou na área e Vieri cabeceou, de forma impiedosa, para superar Pletikosa e abrir o placar. Com a vantagem, a Nazionale melhorou ainda mais e passou a ser capaz de controlar as ações do jogo. O triunfo parecia encaminhado.
Mas só parecia. Num intervalo de apenas quatro minutos, a Croácia virou o jogo com dois gols fortuitos. Primeiro, aos 73, Jarni encontrou um cruzamento nas costas de Materazzi, que errou no posicionamento e deixou Ivica Olic desmarcado para escorar para as redes. O tento, que também teve a rara complacência do capitão Paolo Maldini, autor de partida opaca, mudou o estado de espírito dos xadrezes.
Com os ânimos aflorados, os croatas produziram uma blitz em campo azzurro. Em sequência, Boksic e Olic tiveram boas oportunidades, mas foi Rapaic que provocou o salseiro definitivo. O ex-jogador do Perugia recebeu passe longo nas costas de Maldini, deu uma caneta em Materazzi e tentou levantar na área. O corte de Fabio Cannavaro sobrou limpo para Niko Kovac, que ajeitou de cabeça para Rapaic. O domínio não foi bom, mas o atacante quis girar para as redes mesmo assim e deu sorte: a bola ricocheteou em Materazzi e encobriu Buffon. A virada-relâmpago dos vatreni estava consumada.
Com 15 minutos para tentar a vitória, a Itália voltou a pressionar. Trapattoni colocou Filippo Inzaghi no lugar de Doni e mandou o time para o ataque, em busca do gol. As chances, então, foram surgindo: aos 87, Francesco Totti cobrou falta quase perfeita e levou azar, já que a bola bateu na trave e zanzou pela linha da baliza antes de sair. Depois, Zambrotta obrigou Pletikosa a rebater um chute violento.
O gol italiano até saiu, aos 92 minutos. Porém, outra vez, foi anulado de forma absurda pelo péssimo árbitro Poll. Materazzi lançou a bola de seu campo de defesa e a redonda foi passando por todo mundo: pelos zagueiros croatas, Vieri, Inzaghi e até Pletikosa, que foi enganado pelo seu quique e pela movimentação dos atacantes azzurri. A pelota morreu mansamente no fundo da rede, mas a arbitragem inventou uma falta de Pippo sobre Dario Simic – que, curiosamente, viria a ser seu colega de Milan. Com o tento invalidado, a partida terminou com triunfo da Croácia.
Poll protagonizou dois dos lances mais polêmicos daquela Copa – e, por conta deles, não apitou mais nenhuma partida na competição. Os erros crassos acabariam sendo relativamente esquecidos em seguida, já que a Coreia do Sul eliminou a Itália, nas oitavas, e a Espanha, nas quartas, devido a decisões ainda mais grotescas da arbitragem.
Só que o juizão inglês voltaria a mostrar o seu despreparo anos depois, quando recebeu a inexplicável oportunidade de trabalhar em seu segundo Mundial. Em 2006, Poll comandou três jogos e reencontrou a Croácia no duelo com a Austrália, ocasião em que mostrou três cartões amarelos ao zagueiro Josip Simunic (também presente na peleja de Kashima) antes de expulsá-lo.
As lambanças de Poll deixaram o Grupo G da Copa de 2002 embolado. No dia seguinte, o México ganhou do Equador e abriu vantagem na liderança, com 6 pontos conquistados, deixando Itália e Croácia com 3. Todas as seleções foram vivas para a última rodada e, no fim das contas, o empate entre os mexicanos e os azzurri levou ambas as equipes para as oitavas – os xadrezes acabariam perdendo para os equatorianos, com os quais morreram abraçados.
Fora de campo, dirigentes da Federação Italiana de Futebol, a FIGC, mostravam a sua indignação e tentavam pressionar a Fifa no intuito de obterem a escalação de melhores árbitros nos jogos da Itália. Porém, os erros capitais que resultaram na anulação de gols contra México e Coreia do Sul, além das decisões disciplinares altamente questionáveis de Moreno nas oitavas, no duelo com os anfitriões, deixaram claro que a cartolagem da Velha Bota não teve força suficiente nos bastidores. O embate com a máxima entidade do esporte continuou por meses, tal qual o desgosto dos azzurri pelo fracasso de uma seleção talentosa.
Itália 1-2 Croácia
Itália: Buffon; Panucci, Nesta (Materazzi), Cannavaro, Maldini; Zambrotta, Zanetti, Tommasi, Doni (Inzaghi); Totti; Vieri. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Croácia: Pletikosa; R. Kovac, Simunic, Tomas; Saric, N. Kovac, Soldo (Vranjes), Jarni; Vugrinec (Olic), Boksic, Rapaic (Simic). Técnico: Mirko Jozic.
Gols: Vieri (55′); Olic (73′) e Rapaic (76′)
Árbitro: Graham Poll (Inglaterra)
Local e data: estádio Kashima, Kashima (Japão), em 8 de junho de 2002
Eu ia perguntar se esse árbitro aí foi aquele que deu três cartões amarelos para o mesmo jogador em 2006. O cara já tinha feito uma lambança enorme na Copa em 2002 e mesmo assim foi para a Copa de 2006 pra fazer outra lambança. O que o pessoal de arbitragem da FIFA tinha na cabeça de chamar ele pra ir para outra Copa do Mundo?
E ainda tem gente que acha ruim a existência do VAR.