Serie A

E se Totti fosse revelado pela Lazio?

O capitão romanista costuma causar polêmica nos dérbis que disputa. E se
o começo de sua carreira tivesse ocorrido do outro lado da capital? (Reuters)

Em junho de 1989, Francesco Totti tinha apenas 13 anos. Era um promissor atacante de técnica apurada, belos dribles e uma habilidade bem acima da média das categorias de base da Lodigiani (atual Atletico Roma). Torcia para a Roma e quem acompanhava o futebol local dava como questão de tempo a transferência de Totti para o clube do coração. Mas a primeira grande proposta à Lodigiani foi da Lazio. Os giallorossi também tentaram contratar o jovem, mas a proposta financeira era melhor no outro lado da capital. Convencido pelo presidente laziale Gianmarco Calleri, o garoto deixou de lado o sonho de jogar com Giuseppe Giannini em favor da maior tranquilidade financeira biancoceleste.

Calleri ficou até 1992 no clube. Foi substituído por Sergio Cragnotti, que assumiu com a promessa de montar um time para voltar imediatamente à briga pelo scudetto. As fortes ambições do novo dirigente pareciam um golpe nos objetivos pessoais do jovem atacante. Naquele verão, Cragnotti contratou meio time titular entre destaques da Serie A: os defensores Cravero e Favalli, o meio-campista Fuser e o atacante Signori, além do polêmico inglês Gascoigne. Totti, com 16 anos, destaque da base e da seleção italiana sub-17, passou a treinar entre os profissionais, mas não conseguiu estrear naquela temporada.

Novos horizontes se abriram no ano seguinte. Signori se lesionou durante a pré-temporada e Totti pôde ser titular da Lazio por dois amistosos. Não foi o suficiente para chamar atenção do treinador Dino Zoff, que exigiu a contratação de Casiraghi. O temperamental adolescente fez apenas dois jogos pela Serie A, outros dois pela Coppa Italia e se desentendeu com o técnico no fim da temporada. Acabou emprestado à Sampdoria. Chegou em Gênova com alguma pressão nos ombros, apesar dos 18 anos. Estreou contra o Milan na Supercoppa Italiana, cavando a falta para o gol de Mihajlovic. O jogo terminou empatado e Totti já havia sido substituído quando os blucerchiati perderam a disputa de pênaltis.

Totti tornou-se fundamental para a Samp, apesar de pequenas lesões durante a temporada. O futebol convincente em Gênova convenceu Zdenek Zeman a apostar no jovem romano, que voltou à Lazio em 1996. Logo no primeiro jogo como titular, marcou o gol da vitória contra a Juventus. Importante para a quarta colocação laziale, era consenso que seu ano seguinte seria de confirmação, mas a contratação de Salas e Mancini foi um balde de água fria. A Lazio priorizou a Copa Uefa, apesar de ter chances na Serie A, e acabou perdendo as duas competições. Totti, em grande fase, se alternava entre titulares e reservas. Na semifinal contra o Atlético de Madri, fazia boa atuação até ser expulso por agredir um rival. Perdeu a final que seu time acabaria perdendo, contra a Inter.

Em 1998-99, a dupla Mancini e Totti, municiada por Stankovic e Nedved, ajudou a Lazio a terminar na segunda posição de um torneio que liderava até a 29ª rodada. Aos 23 anos e cada vez mais decisivo, foi de Totti o gol do título da Recopa Europeia, contra o Mallorca. Não demorou a chegar à seleção principal. O garoto era unanimidade entre os italianos, mesmo sem convencer em azzurro. As apresentações na Serie A eram contrastantes: em 2000, um inspiradíssimo Totti foi eleito o melhor jogador do campeonato, no ano do segundo scudetto da história laziale. 

Após as comemorações, o verão foi conturbado. Na Eurocopa, Dino Zoff superou os problemas antigos e deu espaço para o bimbo d’oro ao lado de Inzaghi, ao colocar Del Piero no banco. O título bateu na trave por conta do gol de Trezeguet na prorrogação contra a França, na final do torneio. Totti jogou bem e saiu marcado pelo golaço de pênalti contra van der Sar, nas semifinais. Mas voltou à Itália chamuscado. Parte do país não engolia o fato de Del Piero ter permanecido no banco durante toda a competição. Insatisfeito, forçou uma negociação e acertou com o Real Madrid por 45 milhões de euros. Chegou junto de Figo e Makélélé para fundar a era galáctica do clube.

O início foi considerado fraco. O título espanhol não era o suficiente para as pretensões merengues de domínio mundial. Em 2001-02, ano do centenário blanco, a chegada de Zidane transformou o título da Liga dos Campeões em obrigação. Totti decidia jogos à granel, contra rebaixáveis locais ou em campos europeus. Contra a Roma, marcou um belo gol por cobertura, artifício que já se tornara habitual. Não à toa, foi escolhido o melhor do mundo em 2001. Na final da LC que ficou marcada pela pintura de Zidane, fez o primeiro gol contra o ascendente Bayer Leverkusen e fechou o torneio com artilharia e título. Em junho de 2002, deixou o ofensivo time merengue para disputar a Copa do Mundo pela defensivista Itália de Giovanni Trapattoni. Totti saiu da competição ainda mais queimado no Belpaese por causa da expulsão contra a anfritriã Coreia do Sul.

No retorno à Madri, se surpreendeu com a contratação de Ronaldo. Vicente Del Bosque fazia malabarismo para encaixar Figo, Zidane, Raúl, Ronaldo e Totti, mas todo o poderio ofensivo não foi suficiente para eliminar a Juventus nas semifinais da Liga dos Campeões. Os bastidores em Chamartín pegavam fogo. Pelo marketing, Beckham foi contratado e os madrilenhos Hierro e Morientes acabaram dispensados. O novo rico Chelsea aproveitou o momento instável e buscou Makélélé e Totti, dupla insatisfeita com a falta de espaço que teria neste novo Real Madrid. Recuado para o meio-campo para que Crespo e Mutu se encaixassem no ataque, Totti não rendeu o esperado e passou boa parte do returno no banco. O fim da temporada 2003-04 foi melancólico para o romano, que cuspiu no rosto de Poulsen na estreia da Eurocopa daquele ano e foi suspenso até o fim do torneio.

Cheio de problemas pessoais, conheceu a modelo Ilary Blasi nas férias daquele ano e voltou a Londres decidido a retornar à Itália. Comprou briga com José Mourinho, que barrou o atacante e o liberou por empréstimo. Totti recusou o Milan e buscou o renascimento na sua Roma. A chegada foi complicada, contestada por torcedores que não aceitavam que a camisa 10 da equipe fosse entregue a um dos grandes ídolos da história da Lazio. Uma torcida organizada chegou a queimar faixas com o nome do artilheiro. Apesar da tensão, Totti marcou 20 gols na campanha que salvou a Roma do rebaixamento na última rodada do campeonato.

O bom ano não foi suficiente para convencer Mourinho – e Totti forçou um reempréstimo à Roma, que não tinha condições financeiras para contratá-lo em definitivo. Agora sob o comando de Luciano Spalletti, o camisa 10 assumiu a faixa de capitão e foi essencial na sequência recorde de 11 vitórias seguidas na Serie A. Mas uma lesão na fíbula esquerda no encontro contra o Empoli, em fevereiro de 2006, põe em xeque toda a recuperação – e talvez a última chance de se mostrar em âmbito internacional, numa Copa do Mundo. Mesmo em más condições físicas, foi convocado e titularizado por Marcello Lippi. Marcou um gol e deu quatro assistências fundamentais para o tetracampeonato italiano.

Aos 29 anos, campeão do mundo, de alma lavada e sem contrato. Essa era a condição de Francesco Totti em julho de 2006. Propostas milionárias não faltavam, mas a opção foi pela Roma, onde prosseguiria no projeto da família Sensi. Em sua terceira temporada vestindo giallorosso, foi artilheiro da Serie A 2006-07, na qual o time terminou com o primeiro dos quatro vice-campeonatos que viriam nos cinco anos seguintes. Mesmo sem os títulos que marcaram as passagens por Lazio e Real Madrid, Totti finalmente se sentia em casa. Atualmente sob o comando de Claudio Ranieri, vive o enésimo momento de questionamentos da carreira, mas segue como titular absoluto do ataque romanista.

Texto sobre uma “realidade alternativa”. Versão revista a partir do original publicado no Balípodo, de Ubiratan Leal, em abril de 2007.

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