No fim da década de 1980, a rivalidade entre Milan e Napoli atingiu o seu ápice, já que ambos os times competiram para valer por títulos no futebol italiano – isso enquanto também obtinham sucesso internacional. Surpreendendo os mais tradicionalistas, foram os azzurri que deram início aos anos de taças enfileiradas pela dupla, em 1987, e uma vitória sobre o Diavolo, na reta final da Serie A, foi fundamental para este percurso.
Em 1984, o presidente Corrado Ferlaino protagonizou uma verdadeira façanha ao levar Diego Armando Maradona para o Napoli. Após um primeiro ano em que o Pibe foi um dos poucos destaques do time treinado por Rino Marchesi, que terminou a Serie A na oitava posição, a chegada do técnico Ottavio Bianchi transformou os azzurri: em 1985-86, o terceiro posto foi o prelúdio de novos tempos na Campânia.
A temporada 1985-86 também foi de mudanças para o Milan. Em meados da campanha, com o clube à beira da falência, o presidente Giussy Farina foi obrigado a deixar o seu comando. Menos mal, para o Diavolo, que Silvio Berlusconi se fez presente e comprou a agremiação, sanando os seus débitos. O time chegou a perambular pela Serie B e não conquistava títulos de primeira linha desde o scudetto de 1979, que lhe permitiu ostentar uma estrela na camisa, de modo que a reconstrução demorou um pouco para tomar corpo.
Portanto, em 1986-87, Napoli e Milan viviam estágios diferentes. Se, no sul da Itália, o time de Ferlaino, Bianchi e Maradona sonhava com um inédito scudetto, no norte, Berlusconi tinha a chance de investir no clube pela primeira vez.
Na janela de mercado de estreia de sua gestão no Milan, o Cavaliere buscou apenas atletas italianos, como Giovanni Galli, Roberto Donadoni, Giuseppe Galderisi, Stefano Borgonovo e Daniele Massaro – bons nomes, mas nenhuma estrela. O presidente rossonero, contudo, manteve o treinador escolhido pela diretoria anterior: Nils Liedholm, lenda do clube e campeão nacional pela Roma, em 1983.

Um Milan recheado de pratas da casa, como Evani e Baresi, não conseguiu parar o Napoli de Maradona em 1987 (Getty)
No entanto, apostas acabaram não sendo suficientes. O técnico sueco aproveitou os reforços, que mesclou a nomes como Franco Baresi, Paolo Maldini, Filippo Galli, Mauro Tassotti, Agostino Di Bartolomei, Alberico Evani, Ray Wilkins, Mark Hateley e Pietro Paolo Virdis, mas não obteve grandes resultados. Embora Virdis tenha sido o artilheiro da Serie A, com 17 gols, o time era muito inconstante, a ponto de tropeçar frequentemente em adversários da parte inferior da tabela.
O Milan terminou o primeiro turno na briga pelo título, mas essa irregularidade o afastou da ponta e levou à demissão de Liedholm, após a 24ª rodada. Ao realizar a troca no comando do Diavolo, Berlusconi promoveu o auxiliar Fabio Capello ao posto de treinador interino até o fim da temporada.
Enquanto o Milan passava por percalços, o Napoli de Bianchi ia deixando nítido que estava em outro patamar em relação aos rossoneri. Obviamente, Maradona era o principal craque daquele time e fazia a diferença. Mas El Diez tinha bons auxiliares: no ataque, tinha a seu lado Bruno Giordano e Andrea Carnevale, com os quais compunha o trio Ma-Gi-Ca. Já no meio-campo, Fernando De Napoli, Francesco Romano e Salvatore Bagni se desdobravam para que o argentino não precisasse correr para marcar. Na linha de zaga, a experiência dos veteranos Giuseppe Bruscolotti e Moreno Ferrario se contrapunha e se mesclava perfeitamente ao gás dos jovens Ciro Ferrara e Alessandro Renica. Até o contestado Claudio Garella mostrava segurança debaixo das traves.
O Napoli assumiu a liderança isolada da Serie A na nona rodada, após vencer a Juventus, de virada. O triunfo sobre a equipe de Michel Platini foi ainda mais saboroso porque encerrou um jejum de 29 anos de insucessos dos azzurri em Turim. Os partenopei, aliás, bateram quase todos os times da parte superior da tabela, com exceção de Inter, Verona e, até a 27ª rodada, Milan.
O confronto com os rossoneri era importantíssimo porque compunha o esforço final do Napoli na corrida pelo scudetto – na época, o campeonato tinha 30 jornadas. Além disso, a partida ocorria logo depois de uma pesada derrota por 3 a 0 para o Verona e um novo tropeço poderia significar a reaproximação de Inter e Juventus, suas grandes concorrentes pelo título italiano. Os nerazzurri tinham apenas dois pontos a menos e os bianconeri, quatro.
A sempre fanática torcida do Napoli não decepcionou e lotou o San Paolo na tarde de 26 de abril, um domingo. De início, o apoio proveniente das arquibancadas não assustou o Milan, que obrigou Garella a trabalhar num chute de Donadoni e numa cabeçada de Hateley. Mas não demorou tanto para que os donos da casa tomassem as rédeas da partida e abrissem o placar. Aos 33 minutos, Giordano efetuou um cruzamento primoroso, que pegou Baresi desprevenido e encontrou a cabeça de Carnevale: impiedoso, o centroavante não deu chances a Giulio Nuciari, que substituía o lesionado Giovanni Galli na meta rossonera.
O gol abriu os caminhos para o Napoli e acendeu Giordano em definitivo. Pouco depois, o atacante saiu costurando e ajeitou para Carnevale, que limpou a marcação de Evani e finalizou colocado: Nuciari, com a ponta dos dedos, operou um milagre e jogou para escanteio. Aos 43, contudo, o arqueiro não pode impedir que Maradona assinasse uma pintura.
Inspirado, Giordano lançou o craque, que atacou as costas de Filippo Galli, dominou a bola com a canhota e a tirou de Nuciari sem deixá-la tocar no solo: após o drible efetuado, o próprio Galli e Maldini tentaram bloquear a finalização, de carrinho, mas não era mais possível. Maradona colocava mais um golaço em sua extensa conta.
No segundo tempo, o ritmo do jogo caiu bastante – muito por conta do desgaste que os times acumularam durante a temporada. Mesmo assim, o endiabrado Giordano ainda teve duas chances: uma, ele mandou por cima da baliza; a outra só não terminou nas redes por conta do desvio de Baresi e do travessão. Do outro lado, o Milan ainda incomodou com um chute de Wilkins e, no final, descontou com Virdis.
Com a vitória, o tão sonhado scudetto estava cada vez mais próximo de Nápoles. Ainda que, na mesma rodada, a Inter também tivesse batido a Fiorentina – já a Juventus ficou no 1 a 1 com o Torino e se distanciou do topo da tabela. Nos fins de semana posteriores, o caminho se abriu de vez para o Napoli por conta das derrotas dos nerazzurri para Ascoli e Atalanta. Nesse contexto, os partenopei sequer precisaram ser perfeitos, já que garantiram o inédito título italiano após empates com o Como e a Viola. E o Milan? Bem, teria a chance de dar o troco no ano seguinte…
Napoli 2-1 Milan
Napoli: Garella; Renica; Bruscolotti (Sola), Ferrario, Ferrara; De Napoli, Romano, Bagni; Maradona; Giordano (Caffarelli), Carnevale. Técnico: Ottavio Bianchi.
Milan: Nuciari; Galli, Baresi, Maldini; Manzo, Di Bartolomei (Massaro), Wilkins, Evani; Donadoni (Zanoncelli); Hateley, Virdis. Técnico: Fabio Capello.
Gols: Carnevale (33′) e Maradona (43′); Virdis (79′)
Árbitro: Rosario Lo Bello (Itália)
Local e data: estádio San Paolo, Nápoles (Itália), em 26 de abril de 1987