Fazia quatro meses que não havia um momento de fúria no futebol italiano. Até duas semanas atrás, quando a tabela da Serie A 2011-12 foi sorteada: o presidente do Napoli, Aurelio Di Laurentiis, abandonou, irado, os estúdios da Sky após ver que o seu clube iria enfrentar a Inter após uma das partidas da Liga dos Campeões. “Tenho vergonha de ser italiano. Vocês são uns m…! Vou voltar a fazer cinema”, bradava Di Laurentiis, produtor cinematográfico, antes de pegar uma carona com um motociclista anônimo que ele parou nas ruas de Roma. Nada profissional e absolutamente passional, reforçando o clichê-maior sobre o povo italiano.
Discussões ao vivo em programas de tv são muito comuns na Itália – não apenas em programas esportivos, mas também naqueles de política e até mesmo de variedades. Franco Scoglio, ex-treinador, comentarista e torcedor do Genoa, teve um ataque cardíaco durante uma tranmissão ao vivo. Ele discutia com o presidente do clube, Enrico Preziozi, quando faleceu.
Em março último, um entrevero marcou a transmissão da Mediaset. O bate-boca entre Claudio Lotito, presidente da Lazio, e o ex-jogador Paolo Di Canio aconteceu horas após o clube laziale ser derrotado pela Roma por 2 a 0, com dois gols de Francesco Totti. Di Canio afirmava que Mauro Zárate custou 37 milhões de euros, valor altíssimo para um jogador supervalorizado; o presidente rechaçou a declaração, dizendo que o comentarista não estava informado. A tréplica do ex-jogador foi: “sei o que digo, pois li os documentos da empresa e há um déficit de 37 milhões relativos à compra de Zárate”. O comentarista alegava que o argentino havia custado demais para render tão pouco com a camisa da Lazio. Lotito perdeu a linha, anunciou que o atacante custou 20 milhões e ainda disse que entraria na justiça contra Di Canio por difamação e insultos.
Além de Lotito e Di Canio, outras brigas ficaram famosas nos últimos anos, como a que aconteceu em 2008 entre Walter Zenga, então treinador do Catania, e Enrico Varriale, comentarista da Rai. Zenga atravessava período ruim na Sicília e havia se recusado a dar entrevistas para a Rai, o que fez Varriale dizer, ao vivo, “não se esqueça que foi a Rai que te tirou do esquecimento e te deu um posto de comentarista”.
Na semana seguinte, Zenga voltou a dar entrevistas e entrou em conflito com o comentarista: “preferia que não falasse de minha vida privada e profissional pelas costas”, ao passo que Varriale respondeu “foi apenas mais uma saída em falso sua, como a que nos custou a Copa de 1990, contra a Argentina“. Furioso, Zenga perdeu o controle. Insultos foram trocados de ambas as partes e o técnico ameaçou a família do comentarista antes de deixá-lo falando sozinho.
José Mourinho, como se sabe, vive envolto em polêmicas. À parte todas as suas coletivas polêmicas e trocas de farpas com adversários, que aumentaram muito em sua passagem pelo futebol italiano, Mourinho sempre deixou claro seu desgosto por entrevistas e ficou famoso pela sua citação sobre “prostituição intelectual”, quando acusou jornalistas de manipularem a opinião pública contra a Inter. Em seu primeiro ano na Inter, sempre questionado pelo desempenho da equipe em relação à época em que era treinada por Roberto Mancini, Mourinho chegou a abandonar uma entrevista com o mesmo Varriale, depois de perguntas consideradas inapropriadas.
Dias depois, brigou com o jornalista Mario Sconcerti, da Sky, pelo mesmo motivo. “Sei que você fala essas coisas porque é amigo de Mancini”, disse o português. Não adiantou Sconcerti dizer que era “amigo de todos, inclusive seu amigo”. Mourinho reagiu com dureza: “meu amigo não é e não sairia com você se me chamasse para jantar”. Ainda no mesmo ano, brigou com o comentarista Maurizio Pistocchi após ser questionado se não teria comemorado um gol de Maicon contra o Siena de maneira excessiva, coisa que o italiano disse nunca ter visto antes. “Já jogou futebol? Assistiu a Manchester United e Porto, na Liga dos Campeões?”, disparou Mourinho. Antes de deixar a Itália, o técnico de Setúbal ainda foi acusado de empurrar o jornalista Andrea Ramazzotti, do Corriere dello Sport, depois de uma derrota para a Atalanta. Mourinho ironizou: “Ramazzotti? Só conheço Eros”, referindo-se ao famoso cantor italiano. Ficha extensa.
Não só na Itália
A situação do lado verde de Atenas não era nada boa quando Alberto Malesani assumiu o Panathinaikos, em 2005. O Olympiakos simplesmente dominava o campeonato grego. Após o bi em 1994-96, o rival dos Prasinoi dominou o futebol local com sete títulos consecutivos. Não por menos, a torcida do Panathinaikos reclamou após o empate em 2 a 2, em casa, com o Iraklis (quarto colocado no fim da competição). Os fãs demonstraram sua raiva contra a família Vardinogiannis, que presidia o clube. Em um momento da partida, um jogador do Panathinaikos cavou um pênalti e o árbitro aceitou. A torcida esbravejava “fora, fora, fora!” à atitude covarde do atleta que vestia a camisa verde.
Depois da partida, o técnico Alberto Malesani, em entrevista coletiva, ficou furioso com a atitude dos torcedores, principalmente com o fato de que eles não queriam que o time marcasse gols, como no episódio supracitado. Com alfinetadas, a imprensa foi o alvo principal das críticas. Malesani a acusava de “comprada”, sendo responsável por tumultuar o ambiente interno do clube, que teve 24 treinadores em 12 anos. Batendo sempre na mesa, o treinador usou 19 vezes a palavra cazzo (em português, o mesmo que car…), e dizia nunca ter visto uma imprensa tão nojenta, mesmo que os gregos alegassem que estavam entendendo nada do que Malesani dizia. A temporada acabou com mais um título para o Olympiacos. O Panathinaikos ficou em terceiro, atrás do AEK Atenas, e o italiano seguiu caminho de volta à Itália.
Mas Malesani deve ter aprendido como fazer uma entrevista polêmica com Giovanni Trapattoni, quando treinava o Bayern de Munique. As opções da diretoria bávara em Otto Rehhagel e Franz Beckenbauer não deram muito certo e Trap voltou ao banco de reservas em 1996, após passagem não-vitoriosa em 1994-95. Tudo corria bem após título nacional e Copa na primeira temporada, entretanto o Bayern não estava vencendo partidas em 1997. O time era chamado de “Manchester United da Bundesliga” porque, além de ser o mais vitorioso da Alemanha, contava com astros de nível internacional no plantel. A equipe acabou perdendo três jogos consecutivos, que culminaram no título do Kaiserslautern, em 1998.
Trapattoni tinha sua autocrítica; sabia o que estava errado. Entretanto, tudo conspirava contra o treinador: Lothar Matthäus dava declarações sarcásticas, e os meias Mehmet Scholl, Mario Basler e Thomas Strunz clamavam por dias melhores após terem ficado no banco de reservas contra o Schalke 04, em jogo disputado em Munique. Para ajudar, o presidente Beckenbauer criticava Trap por ser muito light com os jogadores; fãs estavam bravos e imprensa também ajudava a massacrar o italiano.
O dia era 10 de março quando a televisão iria transmitir a entrevista coletiva do treinador. O que foi visto foi um Trapattoni brutal, esbravejando palavras em um dialeto quase ítalo-germânico aos seus comandados. Ele pôs tudo para fora, com emoção, gestos e murros na mesa. Algumas de suas frases se tornaram célebres, tal qual: “esses jogadores reclamam mais do que jogam! Vocês sabem por que os clubes italianos não contratam jogadores assim? Porque os vemos jogando mal quase sempre”. Para Strunz, Trap foi direto: “Strunz! Strunz está aqui há dois anos e fez dez partidas. Ele está sempre machucado. Como se atreve, Strunz?!”. No fim, com um Ich habe fertig (“e é isso”, em tradução livre), saiu da sala para entrar na história.
Muito bom o texto, só faltou a briga mais tragica, que foi a de Franco Scoglio contra Enrico Preziosi, que acabou com morte de Scoglio ao vivo
http://www.youtube.com/watch?v=kLkCLZ9Kh08
Tá lá. 😉