Em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia, região historicamente ligada ao país, mas pertencente à Ucrânia desde 1954. O ato teria sido uma resposta do governo de Vladimir Putin ao Euromaidan, uma onda de manifestações que ocorreram na nação vizinha, que pediam a derrubada do regime russófilo vigente e uma maior aproximação com a União Europeia. Toda essa sucessão de eventos desembocaria na Guerra Russo-Ucraniana e, antes disso, gerou impacto no futebol. Até no italiano.
A temporada 2014-15 foi a primeira em que a Uefa direcionou o sorteio de suas competições para que equipes russas e ucranianas não se enfrentassem. Com essa trava, os times da Itália acabaram tendo recorde de jogos contra adversários provenientes desses países na Liga Europa. Foram 10 ao longo do torneio – idas e voltas entre Inter e Dnipro, Torino e Zenit, Napoli e Dynamo Moscou, Fiorentina e Dynamo Kyiv, e Napoli e Dnipro. Ainda ocorreu um duelo entre a Viola e o Dinamo Minsk, de Belarus, nação beligerante pró-Putin. Sem falar que, na Champions League, a Roma encarou o CSKA Moscou.
A primeira fase
Naquela época, a Rússia tinha o sétimo melhor coeficiente da Uefa, a Ucrânia tinha o nono e a Itália vinha acima, com o quarto – ou seja, a possibilidade de jogos parelhos era grande. Já na fase de grupos, isso ocorreu entre Inter e Dnipro, maiores forças da chave F, que ainda tinha Qarabag e Saint-Étienne. Na estreia da competição, a equipe nerazzurra viajou até Kyiv, capital ucraniana, onde o time de Dnipropetrovsk passou a mandar seus compromissos por causa da tensão na fronteira. Lá, a formação de Walter Mazzarri deixou a bola com os azuis e golpeou após a expulsão de Ruslan Rotan. A Beneamata acumulou chances e, com Danilo D’Ambrosio, fez o gol da vitória por 1 a 0.
No returno, a diretoria da Inter já havia trocado Mazzarri, que não conseguia fazer a equipe jogar futebol num nível decente, por Roberto Mancini. Pela quinta rodada da Liga Europa, Mancio fez a segunda partida de sua volta à Beneamata e colocou as coisas no lugar: os nerazzurri não venciam havia um mês e superaram o Dnipro, de virada, por 2 a 1. O triunfo garantiu a classificação para a fase de 16 avos de final.
O novo técnico trocou o engessado 3-5-2 do antecessor por um 4-3-3 propositivo, mas com atletas fora de posição – na frente, Hernanes atuava aberto na direita, Mauro Icardi pela esquerda e Pablo Osvaldo ficava centralizado. Por sua vez, o Dnipro precisava do resultado e começou pressionando, ao ponto de forçar erro adversário na saída de bola e abrir o marcador aos 16 minutos, com Rotan. Pouco depois, Fredy Guarín cometeu pênalti. No entanto, Yevhen Konoplyanka parou em Handanovic, que defendeu a sexta cobrança seguida. Ali, o esloveno começou a se revelar como o nome da partida.
A Inter ganhou fôlego com a defesa do arqueiro e empatou aos 30 minutos, quando Zdravko Kuzmanovic aproveitou bate-rebate na área. Porém, Andrea Ranocchia fez falta desnecessária 15 segundos após o intervalo e, já amarelado, acabou expulso. Aquela equipe nerazzurra era esquisita e cresceu diante de mais uma adversidade. Assim, virou o jogo com Osvaldo, que recebeu lançamento de Hernanes e guardou, aos 50. Dali em diante, os milaneses se defenderam com nove jogadores em linha baixa e contaram com seguidas defesas de Handanovic até o apito final.
Todos os times italianos envolvidos na Liga Europa se classificaram para o mata-mata. Além da Inter, já citada, o Torino avançou no Grupo F juntamente ao Club Brugge, deixando HJK Helsinki e Kobenhavn para trás; Napoli e Young Boys faturaram o Grupo I, que ainda tinha Sparta Praga e Slovan Bratislava; e a Fiorentina foi a primeira colocada do Grupo L, indo adiante ao lado do Guingamp, em detrimento dos eliminados Paok e Dinamo Minsk. Na fase de 16 avos de final, o quarteto itálico teria a companhia da Roma, terceira colocada em sua chave na Champions League.
Os primeiros confrontos do mata-mata
Na fase de 16 avos de final, os italianos também gabaritaram. A Inter superou o Celtic por 4 a 3 no placar agregado, o Napoli passeou frente ao Trabzonspor (5 a 0), o Torino foi heroico contra o Athletic Bilbao (5 a 4) e, por fim, Fiorentina e Roma enfrentaram dificuldades contra, respectivamente, Tottenham (3 a 1) e Feyenoord (3 a 2). O chaveamento da oitavas, aliás, colocou a Viola e a Loba frente a frente. Sem choro nem vela, a equipe da Toscana eliminou os capitolinos por 4 a 1.
O sorteio das oitavas também resultou em dois confrontos entre italianos e russos. Para o Torino, foi o famoso “azareio”, já que o rival seria o Zenit, proveniente da Liga dos Campeões e com nomes como Hulk, Axel Witsel, Domenico Criscito, Andrey Arshavin e Anatoliy Tymoshchuk em seu elenco. O Toro foi valente e lutou até onde podia, mas não conseguiu avançar.
Na partida de ida, em São Petersburgo, o Torino ficou com um jogador a menos aos 28 minutos, depois que Marco Benassi foi expulso por falta dura em Witsel. O time russo já era melhor em paridade numérica e, com vantagem, saiu na frente com o próprio meia belga, que aproveitou o rebote de Daniele Padelli em arremate de Igor Smolnikov. Gian Piero Ventura se viu obrigado a formar linhas muito compactas e tentar contragolpes com Fabio Quagliarella, mas os azuis tinham uma arma para vencer o muro: os chutes de Hulk. Aos 53, o brasileiro acertou a trave e Criscito ampliou, na sobra.
Em Turim, o Toro falhou em conseguir uma reação imediata. O time de Ventura parou na marcação do Zenit e, no segundo tempo, chegou a ter um gol anulado. Os grenás encontraram um tento válido somente aos 90, com Kamil Glik. Faltavam sete minutos para a equipe italiana tentar o improvável e levar o duelo para a prorrogação. Os piemonteses até criaram grande chance, mas Nicolas Lombaerts cortou em cima da linha. No fim das contas, a torcida reconheceu o esforço dos jogadores e lhes dedicou uma salva de palmas mesmo após a eliminação.
Na mesma fase, o Napoli teve destino oposto ao do Torino e despachou o Dynamo Moscou, até então invicto na Liga Europa – teve 100% de aproveitamento numa chave com PSV Eindhoven, Estoril e Panathinaikos, além de eliminar o Anderlecht no mata-mata. Só que os azzurri também vinham em ótimo momento, com cinco partidas seguidas sem sofrer gols na competição e uma invencibilidade de 10 jogos sem perder como mandante em torneios continentais.
Os moscovitas, treinados pelo experiente Stanislav Cherchesov tinham um elenco qualificado, com nomes como Yuri Zhirkov, Christopher Samba, Mathieu Valbuena, Balázs Dzsudzsák e Kevin Kuranyi. Inclusive, foi exatamente o alemão de origem brasileira que mostrou que a vida do Napoli não eria tão fácil: aos 2 minutos, aproveitou cobrança de escanteio e destruiu a sequência napolitana de partidas de redes intactas. Pouco depois, ficou perto de sua doppietta.
No entanto, o Napoli tinha Gonzalo Higuaín, que vivia grande fase. De cabeça, o argentino igualou o confronto aos 25, depois de um bom cruzamento de Fauozi Ghoulam. Seis minutos depois, Pipita também converteu pênalti sofrido por Dries Mertens e, de direita, virou a partida. A expulsão do volante Roman Zobnin, no início do segundo tempo, facilitou a vida para o time de Rafa Benítez, que definiu o placar aos 55, com um voleio de canhota do seu camisa 9 – autor de uma tripletta perfeita. Na volta, um empate sem gols garantiu a passagem dos partenopei às quartas de final de um torneio europeu, o que não ocorria desde 1989.
Nas quartas de final, o Napoli enfrentou o forte Wolfsburg, de Kevin De Bruyne, Bas Dost, Diego Benaglio e Luiz Gustavo, que vivia ótima fase na Bundesliga e eliminara a Inter. Os azzurri, porém, atropelaram: placar agregado de 6 a 3, com direito a goleada por 4 a 1 na Alemanha. A outra remanescente italiana na competição era a Fiorentina, que também se classificou.
A Viola, treinada por Vincenzo Montella, teve pela frente o Dynamo Kyiv, que se classificou num grupo fácil (Aalborg, Steaua Bucareste e Rio Ave) e se gabaritou ao superar Guingamp e Everton – os Toffees, a propósito, tinham Romelu Lukaku, artilheiro da competição com oito gols. A partida de ida ocorreu na Ucrânia e, embora o time italiano tenha jogado melhor, terminou empatada em 1 a 1.
A Fiorentina vinha em fase negativa: jogara muito mal contra Juventus e Napoli, por Coppa Italia e Serie A, e amargara derrotas por 3 a 0 nesses confrontos. A equipe tentou reverter o momento negativo com atuação incisiva no primeiro tempo, mas viu o tiro sair pela culatra: aos 36 minutos, Jeremain Lens arriscou de fora da área, a bola desviou em Nenad Tomovic e encobriu Neto.
Após o intervalo, a Viola acionou Mohamed Salah inúmeras vezes na busca pelo empate e viu o pequenino Borja Valero acertar uma cabeçada na trave. A pressão da Fiorentina funcionou e o gol saiu apenas no último minuto do jogo. Khouma Babacar, que substituíra Mario Gómez, usou sua força física para ganhar da defesa e, na sobra de bola, emendou um toque acrobático no contrapé do goleiro Oleksandr Shovkovskyi, que nada pode fazer.
Com o empate por 1 a 1 na Ucrânia, a Fiorentina tinha o 0 a 0 a seu favor no Artemio Franchi. Porém, em Florença, a equipe de Montella deu um show para seu torcedor: venceu por 2 a 0, mas poderia ter goleado. Na etapa inicial, Marcos Alonso acertou o travessão, Valero tirou tinta do poste e Gómez obrigou Shovkovskyi a fazer um milagre. Numa rara chance do Dynamo Kyiv, Lens tentou enganar a arbitragem e foi expulso por acúmulo de cartões. Só com um a mais, aos 40 minutos, é que a Viola marcou o primeiro, quando Super Mario desviou um chute cruzado de Joaquín. Muito confortável na eliminatória, o time da casa só definiu o placar nos acréscimos da segunda etapa, com belo gol de Juan Manuel Vargas.
As semifinais
De um lado da chave nas semifinais, a Fiorentina não deu sorte: enfrentou o Sevilla, dono do título da Liga Europa de 2013-14 e, até então, tricampeão do torneio. Unai Emery e seus comandados, que vinham fortalecidos por terem eliminado Mönchengladbach, Villarreal e Zenit, não tomaram conhecimento dos violetas e lhes eliminaram com um placar agregado de 5 a 0.
O Napoli, por sua vez, era favorito em seu jogo, sobretudo após ter conseguido resultado contundente sobre o Wolfsburg. Contudo, não convinha subestimar o Dnipro, já que o time havia surpreendido Olympiacos, Ajax e Club Brugge. A equipe tinha como destaques os já citados Konoplyanka e Rotan, além de Denys Boyko (goleiro), Artem Fedetskyi (lateral-direito), Jaba Kankava (volante) e Nikola Kalinic (atacante). Os azuis também tinham os brasileiros Douglas (zagueiro), Léo Matos (lateral-esquerdo) e Matheus (ponta-direita) como titulares.
Foi uma eliminatória bastante frustrante para a equipe que teria de enfrentar, em tese, o adversário mais acessível. Nos primeiros 80 minutos, o Napoli comandou o jogo, com grandes atuações de Higuaín e Marek Hamsík. Lorenzo Insigne iniciou os trabalhos com um chutaço de longa distância, que parou na trave direita. Aos 50, o tento azzurro saiu da cabeça de David López, depois de escanteio cobrado pelo camisa 24. Boyko, em seguida, começou a aparecer de forma decisiva, defendendo três finalizações de Higuaín – a última, quando o argentino deixou Yevhen Cheberyachko no chão, foi grandiosa.
A ducha de água fria nos jogadores napolitanos aconteceria aos 81. O Dnipro não atuava bem e calou o San Paolo com um gol claramente irregular. Roman Bezus, em impedimento por cerca de um metro, tentou desviar o cruzamento de Fedetskyi e não conseguiu. Só que Yevhen Seleznyov, que veio do banco, apareceu no segundo pau para completar, também em posição irregular. Foi a primeira vez que tocou na bola na partida.
O presidente do Napoli, Aurelio De Laurentiis, fez duros ataques a Michel Platini, ex-jogador da Juventus e então presidente da Uefa, a quem acusou de má-fé pela escolha de um trio de arbitragem sem currículo recheado. O clima não era nada bom e, nervoso, o time da Campânia não conseguiu realizar uma boa atuação na Ucrânia.
Debaixo de chuva, os napolitanos tentaram pressionar, porém, sem qualquer tipo de consistência. Nas poucas chances criadas, Higuaín parou em Boyko – assim como no jogo de ida. Na primeira delas, Pipita recebeu grande passe de Gökhan Inler e, sozinho, finalizou em cima do arqueiro; na outra, o arqueiro do Dnipro voou para espalmar uma cabeçada. Seleznyov respondeu ainda na etapa inicial, com um chute perigoso que fez Mariano Andújar trabalhar. Aos 58 minutos, Christian Maggio deu muito espaço e Konoplyanka cruzou para o próprio atacante ucraniano testar para as redes, causando danos ao Napoli mais uma vez. O time de Rafa Benítez entrou em parafuso e, sem lucidez, sucumbiu a seu carrasco.
O sonho de final italiana na Liga Europa não se concretizou e a taça seguiu seu caminho quase natural: ficou com o Sevilla, que soube sofrer contra o Dnipro em Varsóvia e venceu por 3 a 2. Apesar disso, a temporada 2014-15 foi positiva para os times da Velha Bota. Além de Fiorentina e Napoli terem sido semifinalistas do segundo principal torneio continental, a Juventus foi vice-campeã da Champions League, perdendo para o Barcelona na decisão.