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Em duelo de tricampeãs com o Brasil, a Itália por pouco deixou escapar o título da Copa de 1994

A final da Copa do Mundo de 1994 foi uma das mais simbólicas de toda a história da competição. Pasadena, nos Estados Unidos, recebeu o duelo entre Brasil e Itália, responsáveis pelo maior clássico entre sul-americanos e europeus, e os principais craques da época – afinal, em 1993, Roberto Baggio foi eleito como melhor do planeta pela Fifa e Romário obteve o segundo posto na disputa. Ademais, a partida representava um novo confronto direto pela hegemonia do futebol no globo, repetindo o que ocorreu em 1970, quando ambas as seleções eram bicampeãs e a Canarinho se tornou a primeira tri. Na Califórnia, o embate definiria qual delas teria a honra de inaugurar a era do tetra.

A Squadra Azzurra chegou à final com uma campanha de quatro vitórias, um empate e uma derrota. A Itália de Arrigo Sacchi, apesar do peso do técnico e do elenco, viveu uma fase de grupos bastante complicada. A Nazionale estreou com queda para a Irlanda e emendou um triunfo bastante suado sobre a Noruega – numa partida em que Franco Baresi lesionou o menisco, Gianluca Pagliuca foi expulso e Roberto Baggio, sacado pelo treinador, virou foco de polêmica. Por fim, uma igualdade dramática contra o México, na derradeira rodada.

O Grupo E terminou com todos os seus integrantes empatados em 4 pontos, e a Nazionale acabou avançando com uma das melhores campanhas entre as seleções que fecharam a fase inicial na terceira colocação. No mata-mata, o show de Robi Baggio começou: dois gols, três dribles, 17 duelos vencidos e 10 faltas sofridas na virada sobre a Nigéria, nas oitavas. O golaço, aos 88 minutos de jogo, que valeu a classificação ante a Espanha, nas quartas; depois, os dois tentos que levaram os azzurri a passarem pela Bulgária, na semifinal. Simplesmente, cinco bolas nas redes em três partidas eliminatórias. Contudo, o Divin Codino deixou o campo lesionado no confronto com os búlgaros e sua condição física teria protagonismo contra o Brasil.

Melhor jogador do mundo, Robi Baggio conduziu a Itália à final de 1994, mas chegou à decisão sem condições físicas (Sygma/Getty)

A seleção de Carlos Alberto Parreira, aliás, chegou à grande final com uma campanha de cinco sucessos e um empate. O Brasil foi vazado apenas no 1 a 1 contra a Suécia, na fase de grupos, e na vitória por 3 a 2 ante a Holanda, nas quartas. Era um time com muito gosto pela posse de bola e que apostava demais na sua dupla de ataque, formada pelos craques Romário e Bebeto. Na semifinal, o triunfo por 1 a 0 sobre os suecos, com antológico gol de cabeça do Peixe, não traduziu no placar o que foi a partida da Canarinho. Até então, a equipe se mostrava muito segura de si e tinha boas alternativas para atacar – mas, por vezes, pecava na hora de transformar esse volume em tentos.

A Copa de 1994 foi muito condicionada pelo clima. Sem dúvidas, o forte calor do verão norte-americano influenciou diretamente no ritmo das partidas e no desgaste dos jogadores. A grande decisão, aliás, foi o exemplo perfeito da insalubridade que permeou toda a competição: mesmo que representasse o ápice do acúmulo de jogos, a final foi disputada, como outras pelejas do certame, com sol a pino. Fazia 38 graus em Pasadena quando, às 12h30, no horário californiano, foi dado o pontapé inicial.

O jogo começou com um desenho bastante claro, no qual o Brasil teria o controle da posse de bola, sempre buscando trabalhar com seus meias por dentro, para gerar espaço para as subidas de Jorginho e Branco pelos flancos. Parreira armava sua equipe num 4-4-2 que, por vezes, tinha uma cara de 3-5-2 pelo posicionamento de Mauro Silva entre os zagueiros e toda a liberdade concedida para os laterais se projetarem.

Muito organizada, a Itália conseguiu limitar Romário em Pasadena (Getty)

Na Itália, o 4-4-2 também era o sistema base, porém de maneira mais ortodoxa. A Squadra Azzurra tinha duas linhas de quatro muito bem definidas, um time compacto em seu campo de defesa e contava com Robi Baggio solto para aproveitar desfechos positivos de uma recuperação de bola.

Sacchi não tinha dois de seus principais jogadores em boas condições físicas, mas decidiu escalá-los, considerando a importância da partida. Baggio ainda não havia se recuperado plenamente do estiramento sofrido ante a Bulgária, ao passo que Baresi conseguiu acelerar a sua volta para, 25 dias depois de lesionar o menisco, ir para o sacrifício com o Brasil. Era tudo ou nada.

Com o retorno de Baresi, Sacchi optou por devolver Alessandro Costacurta ao banco de reservas, e escalou a sua retaguarda com Roberto Mussi e Antonio Benarrivo nas laterais, além de Paolo Maldini como zagueiro pela direita, para acompanhar Romário – Franco, o capitão, seria o jogador da sobra nesse sistema defensivo. Esse encaixe ficou vigente durante quase todo o primeiro tempo, enquanto o Brasil teve em Dunga o seu direcionador de jogo. O camisa 8 canarinho sempre buscava Zinho e Mazinho, que se movimentavam das pontas para o centro. Contudo, a Seleção sofreu para se infiltrar na zaga italiana.

Baresi apressou retorno aos gramados e realizou uma de suas atuações mais icônicas na decisão da Copa de 1994 (imago/WEREK)

Com o passar dos minutos, a estratégia do Brasil começou a se alterar: Romário recuou para receber a bola em zona central, no intuito de arrastar Maldini junto com ele. Assim, a Seleção poderia criar através dos giros e arrancadas do camisa 11 ou aproveitar o espaço gerado para que as famosas tabelinhas curtas entre o Peixe e Bebeto, que circulava pelo ataque, pudessem ser encaixadas. O Baixinho até teve sucesso em puxar o zagueiro para uma zona mais afastada de sua defesa, mas a partida do craque do Milan foi espetacular, o que dificultou os planos brasileiros.

Nesse duelo de estratégias, o primeiro tempo terminou sendo bastante amarrado. O Brasil ficou com a bola e trocou muitos passes, mas teve bastante dificuldade para ser efetivo. Aos 21 minutos, Jorginho sentiu uma fisgada na coxa e teve que sair da partida, dando lugar a um jovem Cafu. Com a entrada do lateral-direito, que ainda atuava pelo São Paulo e nem pensava em fazer história no futebol italiano, a Seleção mudou a configuração do seu ataque. Devido à aproximação de Mazinho e Bebeto ao setor, o time de Parreira começou a acumular jogadas pelo lado direito, já que o camisa 14 teve com quem dialogar e pode aproveitar espaços para chegar à linha de fundo e cruzar na área rival.

Aos 35 minutos, foi a vez de a Itália precisar mudar, quando Mussi se machucou. Luigi Apolloni tomou o seu lugar e provocou algumas alterações no funcionamento da retaguarda: o reserva entrou como zagueiro pela direita, o que levou Benarrivo ao flanco destro e Maldini para a lateral esquerda. Com tais variações, Sacchi visava combater a busca de profundidade do Brasil pelo setor. Deu certo. A atuação do craque do Milan no calor da Califórnia não pode ser traduzida somente em números, mas as estatísticas ajudam a dimensionar a sua produção. Paolo efetuou 11 desarmes, nove interceptações e oito cortes na partida, além de ter vencido 16 dos 23 duelos defensivos de que participou.

Após a lesão de Mussi, Apolloni foi escolhido para reforçar a defesa da Itália (Allsport)

Na bola parada, Branco, ex-Genoa, tentou reeditar um duelo vezeiro no Derby della Lanterna com Pagliuca, que era goleiro da Sampdoria na época. Outras chances do Brasil na etapa inicial ficaram a cargo de Romário, em cabeçada sem perigo, e de Bebeto, que errou na hora de finalizar cruzamento açucarado de Cafu. Já a Itália, mesmo com pouca posse, teve 45 minutos de relativa tranquilidade para se defender. Na frente, era nítido que Baggio não tinha condição de jogo – e, portanto, mal conseguiu incomodar nos contra-ataques. A grande oportunidade da Squadra Azzurra no primeiro tempo aconteceu quando Mauro Silva falhou feio e Daniele Massaro arrematou de forma central, parando em Taffarel.

Na segunda etapa, o Brasil voltou com ainda mais controle da partida, por ter a posse de bola e conseguir recuperá-la muito rapidamente após a perda. A seleção de Parreira era muito estereotipada como defensiva e, de certo modo, tinha o mérito de se defender bem. Mas, principalmente, aquele time se destacava pela forma como conservava a pelota.

O segundo tempo de Dunga foi uma aula para qualquer volante ou meia do futebol mundial – para os que atuavam na época, jogam hoje ou desempenharão a função no futuro. Tudo passou pelo gaúcho, que carimbou cada jogada articulada pela seleção brasileira e trabalhou como o grande líder técnico do time. Na partida, o capitão efetuou 172 toques na bola, 126 passes certos, 16 lançamentos corretos (em 19 tentados) e ainda somou 15 ações defensivas bem-sucedidas. O julgamento sobre a qualidade do camisa 8 e a sua espetacular atuação na final, porém, terminou viciado pelo fato de o atleta ter adotado um personagem antipático após as críticas que sofreu na Copa de 1990 – e, de quebra, ter intensificado a aposta nesse papel durante seus anos como treinador do Brasil.

Apesar da insistência brasileira, a defesa italiana se sobressaiu na maioria das vezes (AFP/Getty)

Os 25 minutos iniciais da segunda etapa foram os melhores do Brasil na partida. Nesse período do duelo, a Seleção trabalhou bem os giros de Romário, colocou Branco no jogo pelo lado esquerdo e conseguiu ter Bebeto como complemento para preparar ou finalizar jogadas. Porém, chances mais claras foram impedidas por uma atuação magnífica de Baresi. Estupendo, o capitão italiano se posicionava com enorme correção e tinha tempo de bola perfeito para efetuar botes e antecipações, cortando trocas de passes promissoras.

As oportunidades mais expressivas do Brasil apareceram através de finalizações de fora da área. Na melhor delas, Mauro Silva carregou a bola pelo lado direito do campo e soltou um petardo, que Pagliuca não conseguiu encaixar. A pelota saiu pererecando de maneira estranha e pegou na trave antes de o arqueiro fazer a defesa definitiva. A sorte acompanha os grandes goleiros e, nesse lance, ela sorriu para o camisa 1 da Itália, que beijou o poste em agradecimento.

Como Baggio não tinha condição de ser o catalisador ofensivo que foi em toda a campanha azzurra, coube a Roberto Donadoni ser o escape ofensivo da Itália, que cresceu após esse começo forte da seleção brasileira. Em duas arrancadas do jogador do Milan, um Robi esgotado e com cãibras, teve duas chances, mas não conseguiu superar Taffarel e abrir o placar.

A imagem do Mundial: Robi Baggio cabisbaixo e a festa brasileira após os pênaltis (AFP/Getty)

Na reta final do tempo regulamentar, Romário passou a recuar cada vez mais para atrair Apolloni e Bebeto entrou para valer no jogo. Assim, Baresi foi exigido frequentemente nos momentos derradeiros da partida e continuou a realizar uma atuação histórica – certamente a mais icônica de sua trajetória pela seleção. O craque italiano venceu sete duelos em 11 disputas, além de ter efetuado 13 ações defensivas corretas.

Numa partida com enorme protagonismo dos sistemas defensivos, o 0 a 0 estava mesmo destinado a permanecer no placar e foi o que aconteceu. Na prorrogação, Viola entrou no lugar de Zinho numa alteração tática por parte de Parreira: o treinador optava por um terceiro atacante em campo e muita capacidade no mano a mano, mas Baresi caçou o jogador do Corinthians na única chance relevante que ele criou e efetuou um bloqueio preciso em arremate de Romário, na sequência do lance. O Baixinho, aliás, teve uma grande chance após cruzamento de Cafu na pequena área, mas tentou tirar de Benarrivo, que fechava bem na marcação, e finalizou para fora.

No lado italiano, Sacchi colocou Alberico Evani, que também voltava de lesão, para fortalecer o meio-campo e ajudar nas transições. A Nazionale chegou a ter a chance de matar o jogo aos 113 minutos, quando Baggio tirou da cartola uma tabela com Massaro e enganou a defesa brasileira. Porém, na hora de finalizar, sozinho, o craque tornou a mostrar a ausência de condições físicas e só atrasou para Taffarel – após o chute, Robi ficou estatelado no gramado, com cãibras. No fim das contas, a partida foi mesmo para os pênaltis.

Candidato a melhor da partida, Baresi – que também havia sofrido com cãibras – foi o primeiro a cobrar e jogou para fora. Márcio Santos veio na sequência e poderia ter colocado o Brasil em vantagem, mas Pagliuca defendeu sua finalização a meia altura. Demetrio Albertini, Romário, Evani e Branco converteram as suas tentativas. As penalidades iam se aproximando do fim e tudo seguia empatado.

Coube a Massaro, então, desempatar. Na quarta cobrança italiana, o experiente atacante do Milan não bateu bem e Taffarel, que se adiantou bastante em todas as penalidades, defendeu sem muitos problemas. Dunga teve a chance de colocar a Seleção na frente do placar e não desperdiçou. Robi Baggio, melhor do planeta à época e grande craque da Copa até aquele momento, era o encarregado da quinta finalização italiana. Não tinha condições físicas, mas assumiu a responsabilidade. Quis o destino que encerrasse a competição cabisbaixo, após arrematar por cima da baliza.

O primeiro tetracampeonato mundial era, portanto, do Brasil. Curiosamente, tal qual ocorrera entre o tri da amarelinha, em 1970, e o dos azzurri, em 1982, a Itália precisou do mesmo intervalo de tempo para repetir o feito brasileiro: 12 anos depois, em 2006, levantou a quarta taça da competição. Mas dessa vez, a Canarinho já era penta.

Brasil 0-0 Itália (3-2 nos pênaltis)

Brasil: Taffarel; Jorginho (Cafu), Aldair, Márcio Santos, Branco; Mauro Silva, Dunga; Mazinho, Zinho (Viola); Bebeto, Romário. Técnico: Carlos Alberto Parreira.
Itália: Pagliuca; Mussi (Apolloni), Maldini, Baresi, Benarrivo; Donadoni, D. Baggio (Evani), Albertini, Berti; R. Baggio, Massaro. Técnico: Arrigo Sacchi.
Pênaltis convertidos: Romário, Branco e Dunga; Albertini e Evani
Pênaltis desperdiçados: Márcio Santos; Baresi, Massaro e R. Baggio
Árbitro: Sándor Puhl (Hungria)
Local e data: Rose Bowl, Pasadena (Estados Unidos), em 17 de julho de 1994

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