Jogos históricos

Em 2011, a Inter conseguiu virada incrível e voltou a ser algoz do Bayern Munique

A rivalidade entre Itália e Alemanha é uma das maiores do futebol mundial e já produziu uma penca de confrontos históricos, nas mais diversas competições de clubes e de seleções. Um capítulo à parte foi escrito por Inter e Bayern Munique, que chegaram até a fazer uma final de Champions League, em 2010. Poucos meses depois da peleja, disputada no Santiago Bernabéu e vencida pelos nerazzurri, as equipes voltaram a se enfrentar no mata-mata do torneio. E, acredite se quiser, os jogos das oitavas da edição 2010-11 do certame entregaram ainda mais emoção do que a decisão.

Naquele início de 2011, a Inter vivia momento bem diferente do que experimentou meses antes, quando um elenco lendário conquistou a primeira tríplice coroa da história do futebol italiano, embora somente duas peças importantes tenham deixado Milão – Mario Balotelli, vendido ao Manchester City, e Francesco Toldo, aposentado. A grande mudança aconteceu no comando. O técnico José Mourinho encerrou o seu ciclo na equipe, rumando ao Real Madrid logo depois da decisão, e seu substituto não teve traquejo para conduzir a sucessão.

A diretoria da Inter fez uma aposta ligeiramente arriscada para substituir Mourinho. Massimo Moratti buscou Rafa Benítez, um técnico de qualidade inquestionável, mas com dois defeitos: a vaidade e a má relação com seu antecessor. Desafeto do Special One desde os tempos em que comandava o Liverpool e o português treinava o Chelsea, o espanhol quis desfazer mecanismos criados pelo rival e bateu de frente com os senadores do elenco, totalmente fieis ao lusitano. Não funcionou.

Revés na ida: a Inter sucumbiu ao Bayern Munique no final e precisou reverter desvantagem fora de casa (Getty)

O clima nos bastidores da Inter ficou pesado e os nerazzurri jogaram mal durante a primeira metade da temporada. Com a equipe no meio da tabela da Serie A, não bastaram nem mesmo a classificação para as oitavas de final da Champions League, num grupo com Tottenham, Twente e Werder Bremen, e o título do Mundial de Clubes, conquistado em dezembro. Benítez foi demitido e Leonardo, ex-Milan, foi surpreendentemente anunciado como seu substituto. Durante compromissos em solo local, o brasileiro conseguiu virar a chave da Beneamata, que se classificou para as semifinais da Coppa Italia e, após chegar à terceira posição no Italiano, passou a competir pelo scudetto.

O Bayern Munique também havia se alterado pouco. Lois van Gaal continuava no comando e apenas Martín Demichelis e Mark van Bommel eram baixas significativas – Toni Kroos e os brasileiros Breno e Luiz Gustavo haviam chegado para recompor os setores. No entanto, o time não repetia o desempenho do ano anterior. Vice-campeão europeu e ganhador da Bundesliga e da Copa da Alemanha, não mantinha o ritmo no principal torneio germânico, apesar dos gols de Mario Gómez, e via o Borussia Dortmund disparar. Na Champions League, os Roten superaram uma chave tranquila e avançaram ao lado da Roma, deixando Basel e Cluj para trás. O embate com a Inter funcionaria como uma espécie de tira-teima da temporada.

A primeira partida das oitavas de final aconteceu no estádio Giuseppe Meazza, que recebeu quase 76 mil pessoas. A Inter tinha alguns desfalques importantes, como os argentinos Walter Samuel e Diego Milito, lesionados. Giampaolo Pazzini, que fora contratado para suprir a ausência do carrasco do Bayern Munique, não podia disputar a Champions League porque já havia atuado naquela edição do torneio pela Sampdoria. Os bávaros, por sua vez, tinham time completo. Ou seja, Bastian Schweinsteiger, Arjen Robben, Franck Ribéry e Gómez comandariam a tentativa de revanche sobre os italianos.

Constante perigo, Ribéry ofereceu muitas dificuldades para Cambiasso e companhia (AFP/Getty)

Por conta dos desfalques, Leonardo preferiu apostar no 4-3-2-1, deixando Samuel Eto’o isolado no ataque. Goran Pandev poderia ser escalado ao lado do camaronês, não vinha jogando bem e ficou no banco, como opção a Dejan Stankovic e Wesley Sneijder. O 4-2-3-1 do Bayern, com Robben e Ribéry espetados, prendia Maicon e Cristian Chivu, laterais da Inter.

Durante o primeiro tempo, a Inter pouco teve a bola e custou a criar. Mesmo assim, obrigou o goleiro Thomas Kraft a fazer duas ótimas intervenções em chutes à queima-roupa de Esteban Cambiasso e Eto’o. Do outro lado, a equipe italiana se fechou bem e limitou o Bayern a tentar arremates de fora da área com Luiz Gustavo. Numa das poucas vezes em que conseguiu furar a defesa nerazzurra, o time bávaro acertou o travessão: Robben levantou e Ribéry apareceu de surpresa, se antecipando a Lúcio para, de cabeça, quase marcar.

Na segunda etapa, a partida se tornou mais aberta. Dessa forma, a Inter obrigou Kraft a trabalhar mais vezes, em chutes de Eto’o e Houssine Kharja, e ainda viu Cambiasso desperdiçar uma oportunidade inacreditável, com o goleiro caído. Do outro lado, Robben chamou a responsabilidade e arriscou diversas finalizações, chegando a acertar a trave. Até que, nos acréscimos, o holandês arrematou fraco, Julio Cesar falhou quando não podia e soltou a bola no pé do artilheiro Gómez, que só empurrou para as redes e puniu os nerazzurri. Definitivamente não era dia da Beneamata.

Devastador, Eto’o foi o grande responsável pela reviravolta nerazzurra em pleno solo alemão (AFP/Getty)

Três semanas depois, a Inter, então vice-líder da Serie A, desembarcou em Munique para enfrentar um Bayern que havia sido eliminado da Copa da Alemanha, com uma derrota doméstica para o Schalke 04, e que não tinha mais a menor possibilidade de faturar a Bundesliga: estava na quarta posição, a 16 pontos do Dortmund. Van Gaal se via extremamente pressionado, já que a Champions League se tornava a tábua de salvação de seu trabalho. Os nerazzurri, por sua vez, tinham duríssima missão: até aquele momento, em quase 60 anos de competição, somente quatro times haviam conseguido se classificar no mata-mata após terem perdido o jogo de ida em casa. Além disso, nenhum italiano havia vencido na Allianz Arena.

A Inter teria de escalar estas montanhas sem os jogadores que já estavam lesionados ou inelegíveis na ida e também sem o capitão Javier Zanetti, desfalque por conta de uma infecção viral. Porém, Eto’o decidiu assumir a lacuna deixada pelo argentino e se tornou o grande líder da equipe. Tecnicamente, de fato era. Tanto é que terminaria aquele jogo com participação direta em 13 dos 15 gols marcados pela Beneamata na edição 2010-11 da Champions League, sendo autor de oito deles.

O show de Eto’o começou logo aos 4 minutos, quando ele se desmarcou para receber passe de Pandev e bateu na saída de Kraft para igualar a eliminatória. No entanto, a Inter teve imensa dificuldade de controlar o meio-campo porque Sneijder caiu pela esquerda no 4-2-3-1 montado por Leonardo e pouco dialogou com Chivu. Stankovic, por sua vez, ofereceu contribuição inferior a que estava acostumado e não acrescentou nada tanto ofensiva quanto defensivamente, o que deixou Cambiasso e Thiago Motta expostos. Para completar, Maicon levou um baile de Ribéry.

Sneijder rendeu melhor após voltar a jogar centralizado e marcou um dos gols da Inter na partida de volta (AFP/Getty)

Todo esse contexto deixou a Beneamata em afã. Aos 21 minutos, a equipe entrou em colapso após mais um erro crasso de Julio Cesar, que fora um dos heróis do título da Champions League anterior. O brasileiro soltou um chute central de Robben e Gómez, outra vez, aproveitou para marcar. Encurralada, a Inter continuou a falhar e cedeu outro gol para o Bayern aos 31. Pandev se equivocou, permitindo contra-ataque bávaro, Motta não conseguiu cortar e deixou a bola livre para que Thomas Müller virasse o jogo.

Em completo desmantelo, a Inter correu sério risco de levar uma goleada histórica ainda no primeiro tempo. No entanto, Julio Cesar se redimiu da falha defendendo tiro à queima-roupa de Ribéry e Andrea Ranocchia ainda cortou uma escorada de Gómez em cima da linha, num lance incrível: o zagueiro chegou a dividir com Müller, de carrinho, e a bola explodiu na trave.

Mesmo para uma equipe tão acostumada a reações históricas, o placar do intervalo era assustador. Para marcar dois gols no Bayern, em Munique, só mesmo uma transformação completa de postura nos vestiários mudaria o panorama. E ela veio, com a entrada de Philippe Coutinho no lugar do lesionado Stankovic. O brasileiro foi atuar na ponta esquerda, o que permitiu o deslocamento de Sneijder para o centro. A propósito, o bom trabalho de bola da dupla resultou no empate, quando o holandês recebeu passe de Eto’o e anotou com um chute cruzado.

Os brasileiros Julio Cesar e Lúcio não fizeram boa eliminatória, mas participaram de feito histórico da Inter (Getty)

Depois de ter sofrido o empate, o Bayern desistiu de atacar. Van Gaal sacou Robben e colocou Hamit Altintop, facilitando a vida de Chivu. A Inter, por outro lado, acreditou até o fim. Com ações centrais e quase sempre passando pelos pés de Sneijder e Eto’o, teve duas oportunidades com o holandês e mais uma com Pandev, que vinha mal no jogo e já tinha até tirado um gol do holandês.

Era muito improvável que o macedônio decidisse o jogo, considerando a profusão de falhas cometidas – a não ser por sua assistência nos minutos iniciais, Pandev havia errado quase tudo, ratificando o momento negativo que atravessava. Mas, numa partida confusa, prevaleceu quem teve mais condições de lidar com o desgaste psicológico e acreditou até o fim. Na redenção, inclusive.

Aos 88 minutos, Eto’o carregou a bola de um lado a outro da área do Bayern e encontrou Pandev, que vinha chegando sozinho. De primeira, o ponta simplesmente achou uma chapada no ângulo e não deu a mínima chance para Kraft. O vilão se tornava herói. E salvava a pele de Julio Cesar, ídolo que vivia uma segunda noite consecutiva como algoz em torneios europeus.

Aliviado, Julio Cesar foi festejado pelos colegas após a classificação da Inter, em Munique (AFP/Getty)

No fim das contas, a eliminação foi um dos motivos que anteciparam a saída de Van Gaal do Bayern: ele deixaria o cargo assim que a temporada fosse encerrada, mas terminou demitido em abril, após o aprofundamento da crise. Para a Inter, a excelente virada entrou para a história. Até hoje, somente sete ocorreram na Champions League depois de uma derrota em casa na ida. No entanto, não representou uma virada de chave real para os rumos da equipe.

A equipe de Leonardo, que meses antes se resignaria a limitar os danos da gestão Benítez, até sonhou em repetir a dose e faturar a segunda tríplice coroa. Mas a realidade se impôs rapidamente. Irregular, a Inter foi eliminada pelo Schalke 04 nas quartas de final da Liga dos Campeões graças a um placar agregado de 7 a 3, encorpado por uma sonora derrota por 5 a 2 em casa. Os nerazzurri brigaram pelo scudetto até as derradeiras rodadas da Serie A, mas viram o Milan levar a taça e tiveram de se contentar apenas com o título da Coppa Italia, conquistado sobre o Palermo. A noite de Munique, contudo, permaneceu como ponto mais alto daquela campanha e jamais será esquecida.

Inter 0-1 Bayern Munique

Inter: Julio Cesar; Maicon, Ranocchia (Kharja), Lúcio, Chivu; Zanetti, Cambiasso, Thiago Motta; Sneijder, Stankovic; Eto’o. Técnico: Leonardo.
Bayern Munique: Kraft; Lahm, Tymoshchuk, Badstuber, Pranjic (Breno); Luiz Gustavo, Schweinsteiger; Robben, Müller, Ribéry; Gómez. Técnico: Louis van Gaal.
Gol: Gómez (90′)
Árbitro: Viktor Kassai (Hungria)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 23 de fevereiro de 2011

Bayern Munique 2-3 Inter

Bayern Munique: Kraft; Lahm, Van Buyten (Badstuber), Breno (Kroos), Pranjic; Luiz Gustavo, Schweinsteiger; Robben (Altintop), Müller, Ribéry; Gómez. Técnico: Louis van Gaal.
Inter: Julio Cesar; Maicon, Ranocchia, Lúcio, Chivu (Nagatomo); Cambiasso, Thiago Motta; Pandev (Kharja), Stankovic (Philippe Coutinho), Sneijder; Eto’o. Técnico: Leonardo.
Gols: Gómez (21′) e Müller (31′); Eto’o (4′), Sneijder (63′) e Pandev (88′)
Árbitro: Pedro Proença (Portugal)
Local e data: Allianz Arena, Munique (Alemanha), em 15 de março de 2011

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