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Roberto Muzzi defendeu as rivais de Roma, mas brilhou mesmo por Cagliari e Udinese

Quase todos os garotos que nascem na região metropolitana da capital italiana e enveredam pelo futebol sonham em defender pelo menos um dos times da Cidade Eterna. Oriundo das cercanias do centro político da Itália, Roberto Muzzi foi além dos desejos juvenis e se tornou um dos raros atletas que vestiram tanto a camisa giallorossa da Roma quanto a biancoceleste da Lazio. Mas, apesar de ter passado pelas duas equipes rivais, o atacante viveu os seus melhores momentos em outras paragens, durante sua militância por Cagliari e Udinese.

Roberto nasceu em Marino, comuna vizinha à capital do país, e depois de ser notado em times amadores locais, foi admitido nas categorias de base da Roma, aos 14 anos. Um torcedor da Lazio, que costumava utilizar um colar com uma águia, símbolo da equipe, como pingente, se tornaria um dos grandes produtos dos giallorossi. Entre os garotos, Muzzi teve sucesso: faturou um um scudetto sub-19 pela formação Primavera, em 1990, e a Copa Viareggio, em 1991. Nessa época, ele já havia, inclusive, estreado pelos profissionais – o que ocorrera em fevereiro de 1990, num empate por 1 a 1 com a Inter.

Seu primeiro gol como profissional saiu na Serie A seguinte, em novembro de 1990, num 4 a 1 sobre o Cesena. Foi justamente em 1990-91, ano em que a Roma faturou a Coppa Italia e foi vice-campeã da Copa Uefa, que Muzzi passou a ser utilizado mais frequentemente – isso fez com que concluísse a temporada com três tentos anotados.

No início de sua trajetória, Muzzi mostrou ser um atacante veloz, com potência física, destreza na finalização e oportunismo. Porém, apesar dos bons momentos, como o gol marcado numa vitória sobre a Juventus, pela Serie A, ou o tento anotado sobre o Milan, na semifinal da Coppa Italia, ambos em 1993, jamais conseguiu se firmar como titular da Roma. Assim, em novembro daquele ano, foi emprestado ao Pisa, da segunda divisão.

O Pisa, que contava com Muzzi e o goleiro Francesco Antonioli como principais jogadores, atravessava profunda crise financeira e teve desempenho esportivo afetado pelos problemas nos bastidores. Por isso, não bastaram os oito gols que o atacante marcou ao longo de 24 partidas: os nerazzurri amargaram o descenso ao perderem a repescagem para o Acireale, nos pênaltis. Na sequência, o clube toscano ainda faliu.

Apesar de laziale, Muzzi se desenvolveu pela base da Roma e conquistou títulos tanto como juvenil quanto como profissional giallorosso (imago)

Os melhores momentos da carreira

Apesar de ter integrado o elenco de um time rebaixado à terceira divisão, Muzzi era um dos jovens atacantes mais bem avaliados da Itália. Inclusive, havia participado dos Jogos Olímpicos de 1992 e sido bicampeão europeu sub-21, tendo importante papel na seleção treinada por Cesare Maldini. Até por isso, a Roma tentou aproveitá-lo após o empréstimo ao Pisa. Porém, era duro desbancar a concorrência de Abel Balbo e de Daniel Fonseca e, por isso, Roberto se despediu da Loba após 83 aparições e 12 gols marcados.

Em novembro de 1994, Muzzi se transferiu em definitivo ao Cagliari. Segundo o próprio atacante, seria na Sardenha que viveria os melhores momentos de sua carreira. De fato, foi pelo time rossoblù que o romano mais vezes atuou (158) e em mais ocasiões balançou as redes (64).

Na sua primeira temporada, Muzzi lidou muito bem com a pesada concorrência no ataque dos casteddu e forçou Óscar Tabárez a arrumar um jeito de fazê-lo jogar ao lado de Luís Oliveira e Julio César Dely Valdés. Titular do Cagliari, Roberto foi fundamental para que o time somasse pontos contra adversários de peso, como Inter, Napoli, Juventus, Fiorentina e Milan, contra os quais anotou tentos. No final das contas, os rossoblù terminaram a Serie A na nona posição – e muito graças aos 12 gols que o reforço marcou nas 22 partidas que realizou.

O Cagliari projetava brigar por algo mais em 1995-96 e, por isso, buscou o técnico Giovanni Trapattoni. Porém, o desempenho não foi dos melhores e as rusgas entre o comandante e o presidente Massimo Cellino foram preponderantes para que o time não decolasse e terminasse a Serie A no meio da tabela.

Muzzi, por sua vez, teve algumas lesões e não rendeu tanto quanto na temporada anterior: em um total de 26 partidas, somou apenas cinco gols anotados. Porém, o espírito de luta pelo qual era reconhecido continuava presente. A propósito, por entregar tudo em campo e ser romano, Roberto tinha o apelido de Spartacus, em referência ao lendário gladiador que liderou a mais célebre revolta de escravos na Roma Antiga.

O auge do potente Muzzi foi atingido em seus anos de Cagliari (EMPICS/Getty)

A temporada 1996-97 foi de muitas batalhas para Muzzi, mas também de derrotas. Apesar de ter marcado 10 gols no campeonato, sendo o vice-artilheiro da equipe, com dois a menos que Sandro Tovalieri, o romano não conseguiu evitar o descenso do Cagliari. No spareggio, o time perdeu em casa para o Piacenza pelo placar de 3 a 1 e foi rebaixado para a Serie B. Na época, o atacante estava no radar de Maldini, que fora seu técnico na seleção sub-21 e, então, comandava a Squadra Azzurra. Porém, decidiu renunciar à possibilidade de servir a Nazionale e decidiu permanecer no clube sardo para a disputa da categoria inferior.

Muzzi liderou a equipe, comandada por Gian Piero Ventura, ao retorno imediato à elite italiana. Spartacus foi um dos principais artilheiros da segundona, com 17 gols em 36 jogos, e também desenvolveu sintonia apurada com o uruguaio Darío Silva, autor de 13. De volta à Serie A, o romano seguiu em boa fase e se converteu no grande nome dos rossoblù na campanha de manutenção na primeira categoria: com 16 tentos, Roberto concluiu o certame no posto de quinto maior goleador. Prestes a fazer 28 anos, vivia o ápice de carreira e era o terceiro jogador mais prolífico da história do Cagliari – hoje, é o sexto da lista.

Peça-chave na Udinese

No verão de 1999, a Udinese vendeu Amoroso ao Parma. O brasileiro havia sido o artilheiro da Serie A 1998-99, repetindo Oliver Bierhoff, que conseguira o mesmo pelos friulanos na temporada anterior – e, por isso, acabou adquirido pelo Milan. Em busca de mais um goleador, a equipe bianconera investiu 20 bilhões de velhas liras e tirou Muzzi do Cagliari. O atacante desejava permanecer na Sardenha, mas o clube rossoblù precisava da venda para equilibrar a sua situação financeira.

Em sua primeira temporada, apesar de a Udinese ter caído nas oitavas de final da Coppa Italia e da Copa Uefa, Muzzi foi peça fundamental para fazer a equipe terminar a Serie A na oitava colocação do campeonato, que dava vaga na Copa Intertoto. Spartacus marcou 12 gols e, se não terminou como artilheiro da competição, ao menos ocupou o posto de goleador do seu time.

Muzzi começou 2000-01 a todo vapor. Entre julho e agosto de 2000, foi um dos grandes nomes da Udinese na conquista da Copa Intertoto, que dava vaga na Copa Uefa para os times que triunfavam em três chaves – nas outras, avançaram Celta, da Espanha, e Stuttgart, da Alemanha. O romano marcou três gols decisivos, ante Aalborg, Austria Vienna e Sigma Olomuc, ficando atrás apenas do colega Roberto Sosa, autor de seis na campanha.

A temporada começou da melhor forma possível para o atacante e o clube, mas não prosseguiu daquele jeito. A Udinese de Luigi De Canio chegou a liderar a Serie A e alcançar as semifinais da Coppa Italia, mas amargou uma sequência muito ruim de resultados, com várias derrotas – principalmente nos períodos em que Muzzi esteve afastado por lesões.

O atacante italiano chegou à Udinese para substituir Amoroso e não deixou a desejar (imago/Buzzi)

A diretoria buscou um jovem Luciano Spalletti para tentar virar a chave e conseguiu. Mas foi de Muzzi, obviamente, a contribuição decisiva para evitar o rebaixamento. Spartacus, que se recuperou dos problemas físicos na reta final do campeonato, assumiu a responsabilidade de anotar o tento que garantiu a permanência da equipe na elite, na vitória por 1 a 0 sobre a Atalanta, na penúltima rodada. No total, o atacante marcou oito gols em 17 partidas.

Na temporada seguinte, Muzzi teve o seu melhor desempenho pela equipe de Údine, marcando 14 gols na Serie A – alguns importantes, como os realizados nas vitórias sobre Parma e Milan, e no empate com a Roma, detentora do scudetto. Apesar disso, Roberto cometeu erros inaceitáveis para um atleta experiente e líder do elenco, que chegava a usar a braçadeira de capitão às vezes. Principalmente se o seu time briga contra o rebaixamento.

A Udinese ficou na parte baixa da tabela durante todo o certame e entrou na zona de descenso faltando seis rodadas para o seu fim. Na 31ª jornada, os friulanos tiveram confronto direto com o Verona, no estádio Marcantonio Bentegodi, e perdiam por 1 a 0 quando Muzzi teve um entrevero com o defensor Marco Zanchi, ex-colega de clube no Friuli, e terminou recebendo o cartão vermelho direto, juntamente ao adversário. O Hellas abriu, então, cinco pontos de vantagem para os bianconeri.

Muzzi teria de cumprir gancho de dois jogos por causa da expulsão. Portanto, sem Spartacus, a Udinese precisaria de vitórias e de uma combinação de resultados que lhe mantivesse viva na competição. E não é que conseguiram uma reviravolta daquelas? O time de Údine venceu os duelos contra os já rebaixados Lecce e Venezia, e saiu da zona de descenso, superando o Verona – que amargou duas derrotas seguidas – e deixando o Brescia para trás.

Numa tensa rodada final de campeonato, já com Muzzi em campo, com a faixa de capitão no braço, os friulanos perderam para a Juventus, que ficaria com o título após tropeço da Inter diante da Lazio. No entanto, a salvação foi garantida por causa da derrota do Verona. O Hellas, aliás, terminou rebaixado porque o Brescia de Roberto Baggio e Luca Toni bateu o Bologna e lhe ultrapassou, de forma inacreditável, no último suspiro.

A temporada 2002-03 representou o início do ocaso de Muzzi. Brilhando de forma cada vez mais esporádica, como através de gols que resultaram em duas vitórias sobre a Inter na Serie A daquele ano, o atacante passou a ser um coadjuvante de Vincenzo Iaquinta. Ainda assim, com cinco tentos e sua experiência, o veterano ajudou a equipe, que voltou a ser treinada por Spalletti, a garantir o sexto lugar e uma vaga na Copa Uefa. Spartacus encerrou a sua passagem pela Udinese com 45 bolas nas redes em 122 presenças.

Já no final da carreira, Muzzi realizou o sonho de defender a Lazio (Getty)

No time de coração

Já experiente, aos 32 anos, Muzzi teve a chance de representar o seu time do coração, e aceitou subitamente: o jogador voltaria para a Cidade Eterna para compor elenco numa Lazio com sérios problemas financeiros. O intuito era ajudar, da maneira que pudesse, a agremiação a não sucumbir após o conturbado fim da gestão do presidente Sergio Cragnotti. De quebra, Spartacus poderia atuar na Champions League pela primeira vez na carreira.

Treinada por Roberto Mancini, a Lazio já contava com Bernardo Corradi, Simone Inzaghi e Claudio López como opções do ataque, de modo que Muzzi começaria a temporada 2003-04 apenas como o quarto na preferência do técnico. Ainda assim, o veterano acionou a lei do ex contra a Udinese, na Serie A; fez lindo gol de voleio sobre o Besiktas, na curta campanha laziale na competição continental; e anotou dois tentos na trajetória vitoriosa da equipe capitolina na Coppa Italia. O romano podia, então, celebrar um título pela agremiação que guardava no lado esquerdo do peito.

Em 2004-05, o objetivo era bem menos glorioso: evitar o rebaixamento. A Lazio se desmontou para não falir e viu Mancini rumar à Inter, junto com Sinisa Mihajlovic e Giuseppe Favalli. Jaap Stam, Stefano Fiore, Corradi e López também deixaram a capital. Já na fase final de preparação para a temporada, Claudio Lotito adquiriu o clube, numa compra parcelada, e pouco pode fazer para mudar o cenário. Em meio a muitas reposições de nível inferior ao dos jogadores que partiram, Paolo Di Canio chegava para tentar salvar o time, ao lado de Muzzi, com quem compartilhava a paixão pelos aquilotti.

Muzzi continuou a ser reserva e viveu atormentado por problemas musculares. Mesmo assim, marcou seis gols em 22 partidas e ajudou a sua Lazio a sair do fundo do poço. Foi dele, inclusive, o tento que garantiu a permanência matemática dos laziali na elite. O atacante saiu do banco de reservas e, aos 88 minutos, decretou o empate por 3 a 3 com o Palermo, na derradeira jornada da Serie A.

O veterano continuou na Lazio depois que o pior passou e iniciou a temporada 2005-06 em Formello. A equipe já podia sonhar com dias melhores e Muzzi até poderia aproveitar este novo momento. No entanto, em novembro de 2005, ele decidiu ajudar o Torino a se reconstruir. Depois de 61 aparições e 11 gols pelos biancoceleste, topou um novo desafio na segunda divisão.

Assim como em outros clubes, Muzzi fez gols importantes com a camisa do Torino (imago/ActionPictures)

O fim da carreira e a nova vida

O Torino havia falido em 2005 e viveu um caos societário dos mais insólitos durante a sua reconstrução: em apenas um mês, o clube teve três presidentes e razões sociais diferentes. Urbano Cairo, que assumiu em setembro, tocou a reestruturação do time e fez uma oferta a Muzzi, que gostou do projeto. Curiosamente, Spartacus repetiu os seus números de Lazio no Piemonte: 11 gols em 61 presenças.

No primeiro de seus dois anos pelos granata, Roberto marcou oito gols, sendo o último deles nos playoffs de acesso à Serie A, contra o Mantova. De volta à elite, Muzzi balançou as redes outras três vezes. Apareceu pouco, mas, novamente, de forma decisiva. Na antepenúltima rodada, o Torino precisava vencer para se livrar do rebaixamento e o atacante anotou o tento solitário do triunfo de sua equipe sobre a Roma, em pleno Olímpico.

Após duas temporadas no Torino, Muzzi partiu para a terceira divisão, desafiado pela possibilidade de reerguer o tradicional Padova. Porém, a equipe ficou na sexta colocação de seu grupo, um ponto atrás do Foggia, e não conseguiu se classificar aos playoffs de acesso à Serie B. Roberto continuou no Vêneto, mas viu as lesões se tornarem mais frequentes e ainda entrou em litígio com a diretoria, o que lhe deixou afastado dos campos. Em 2009, perto de completar 38 anos, pendurou as chuteiras.

Poucos meses depois de se aposentar, Muzzi retornou ao clube que o lançou para ser treinador das categorias de base. O ex-atacante permaneceu na Roma até 2015, quando foi convidado por Andrea Stramaccioni a ser seu auxiliar – cargos que ocupou no Panathinaikos e no Sparta Praga. Na sequência, Spartacus se juntou à equipe de colaboradores de Aurelio Andreazzoli, com quem trabalhou no Empoli e no Genoa.

Pelos azzurri da Toscana, aliás, Muzzi teve brevíssima e desastrosa experiência como comandante, na Serie B: à frente do Empoli, somou apenas sete pontos em nove jogos e foi demitido. Roberto optou, então, por desenvolver cargos de gestão. Após passagem pela diretoria do Arezzo, o ex-atleta retornou à Sardenha, terra em que foi mais feliz, para trabalhar novamente no Cagliari. Por lá, ocupou o posto de auxiliar do diretor esportivo Stefano Capozzuca, chegou a ser interino do time principal em 2022 e se consolidou como cartola, atuando como club manager e coordenador do setor juvenil. Além disso, Spartacus deixou outros frutos no futebol: seus filhos Nicholas e Ramon são atacantes.

Roberto Muzzi
Nascimento: 21 de setembro de 1971, em Marino, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Roma (1989-93 e 1994), Pisa (1993-94), Cagliari (1995-99), Udinese (1999-2003), Lazio (2003-05), Torino (2005-07) e Padova (2007-09)
Títulos como jogador: Coppa Italia (1991 e 2004), Europeu Sub-21 (1992 e 1994) e Copa Intertoto (2001)
Clubes como treinador: Empoli (2019-20) e Cagliari (2022; interino)

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