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Em 1978, a Itália perdeu da Holanda e foi disputar o terceiro lugar da Copa com o Brasil

Após a eliminação retumbante na Copa do Mundo de 1974, quando se despediu na fase de grupos, a Itália se apresentou de forma bem diferente, quatro anos depois. Enzo Bearzot assumiu a missão de renovar o elenco italiano para o Mundial da Argentina e assim o fez, já que a lista final teve apenas cinco remanescentes da edição anterior – Dino Zoff, Mauro Bellugi, Romeo Benetti, Franco Causio e Paolo Pulici. É verdade que a nova geração foi coroada pelo triunfo em cima do Brasil e o tricampeonato em 1982, mas faltou pouco para a turma de Paolo Rossi, Gaetano Scirea e Marco Tardelli ser reconhecida antecipadamente.

O empecilho seria uma Holanda remodelada, sem Johan Cruyff, mas ainda capaz de chegar ao mesmo destino sob diferentes circunstâncias. Vários boatos tentavam dar conta da ausência do craque, mesmo que, em 1974, ele já tivesse dito que jogaria a sua primeira e última Copa. Mas o símbolo do Carrossel Holandês participou ativamente da campanha nas eliminatórias europeias, a qual os comandados de Jan Zwartkruis atravessaram sem turbulências: cinco vitórias, um empate e a liderança absoluta no grupo composto por Bélgica, Irlanda do Norte e Islândia. Grande parte dos vice-campeões mundiais permanecera: Arie Haan, Wim Jansen, Wim Rijsbergen, Ruud Krol, Wim Suurbier, Johan Neeskens, Willem van Hanegem, Robert Rensenbrink, Johnny Rep e os irmãos Willy e René van de Kerkhof.

Apesar de uma classificação incontestável para a Copa, Zwartkruis deu adeus ao comando da seleção em 1978. A federação holandesa chegou à conclusão de que um treinador de pulso firme ofereceria mais benefícios à mentalidade do grupo. Campeão europeu e mundial pelo Feyenoord, o austríaco Ernst Happel inspirava respeito e foi a escolha dos dirigentes para conduzir a equipe no Oranje disputado na Argentina. Ele acumularia o cargo no Club Brugge, onde já estava, e teria Zwartkruis ao seu lado no banco de reservas.

O estilo autocrático limitou as opções ofensivas: Ruud Geels, artilheiro da Eredivisie de 1974-75 a 1977-78, sequer ficou na lista preliminar – o mesmo ocorreu com Kees Kist e Jan Peters, integrantes do trio mágico do AZ Alkmaar, que formavam com Hugo Hovenkamp. Rep, que viria a se tornar o maior goleador holandês das Copas, advertiu: preferia deixar a seleção caso não fosse titular. Em meio ao alvoroço, Happel convocou os 22 nomes para o Mundial, numa relação com remanescentes de 1974 e novidades.

O primeiro gol da Itália teve participação de Bettega: ao tentar parar o italiano, Brandts marcou contra e ainda machucou Schrijvers (imago)

Quando tudo indicava uma maré baixa na preparação final ao torneio, veio a tsunami: Van Henegem, ícone do Feyernoord e um dos mais experientes do plantel, deixou a concentração após não ter o lugar garantido no onze inicial. Outra ausência sentida nos últimos dias foi Hovenkamp, devido a uma lesão nos treinos. Dessa forma, o técnico austríaco optou pelo pragmatismo e mandou a Holanda a campo, na estreia contra o Irã, com um time formado integralmente por jogadores que foram à Alemanha.

Em uma exibição distante do Carrossel Holandês, os laranjas não encantaram no jogo de estreia, mas fizeram 3 a 0 sobre os iranianos, todos com a assinatura de Rob Rensenbrink. Happel mexeu no time e no esquema tático para encarar o Peru, seu segundo adversário no Grupo 4, mas o desleixo continuou: empate sem gols.

Líder do grupo por conta do saldo de gols, a Holanda somava 3 pontos, mas um escorregão diante da Escócia colocaria tudo por água abaixo. A Oranje saiu na frente, em pênalti cobrado por Rensenbrink, mas levou a virada e, por um tempo, os escoceses precisavam de um tento para superar os holandeses no saldo e assumir a segunda posição do grupo – enquanto o Peru vencia o Irã e se isolava na ponta. Porém, Rep tirou da cartola um arremate no ângulo esquerdo do goleiro Alan Rough. Apesar da derrota por 3 a 2 e da perda do primeiro posto, os Países Baixos estavam vivos na Copa.

A campanha medíocre dos vice-campeões acendeu o alerta internamente. Wim Meleuman, presidente da federação holandesa, perdeu a paciência com o temperamento de Happel. Na autobiografia lançada cinco anos antes do seu falecimento, em 2008, o auxiliar Zwartkruis escreveu: “Já haviam cochichos de que ‘talvez fosse melhor se Zwartkruis fosse o técnico principal. De minha parte, não era o caso, mas Happel sentia que isso poderia acontecer. E entendo por que: eu tinha mais liberdade com os rapazes”, escreveu.

Na Itália, por sua vez, o clima era bem diferente. Em um elenco recheado de novatos, Bearzot depositava a confiança na “panelinha” calejada vinda da Juventus – oito dos titulares faziam parte do chamado Blocco-Juve. Com entrosamento e qualidade técnica, os azzurri superaram o “grupo da morte” com 100% de aproveitamento, batendo a França de Michel Platini e Marius Trésor, uma Hungria que eliminara a União Soviética na qualificatória e a anfitriã Argentina, que contava com nomes como Ubaldo Fillol, Daniel Passarella, Osvaldo Ardiles, Daniel Bertoni e Mario Kempes.

Logo no início do segundo tempo, a Holanda cresceu e passou a pressionar a meta de Zoff (imago/Pressefoto Baumann)

O cruzamento da segunda fase de grupos colocou os italianos ao lado da Áustria, que terminou à frente do Brasil, e dos vice-líderes das demais chaves: Holanda e Alemanha Ocidental. Os primeiros jogos mostraram que o quadrangular, assim como no formato mata-mata, era uma nova Copa do Mundo. Enquanto a Itália esbarrou no ferrolho alemão, a Oranje amassou os austríacos em uma goleada por 5 a 1. Os vice-campeões do planeta, enfim, justificaram a reputação do Futebol Total.

O destino quis o reencontro de Holanda e Alemanha Ocidental, algoz dos laranjas na final de 1974. Dessa vez, uma trocação intensa que resultou em um empate de 2 a 2. Na outra partida da chave que valia pela segunda rodada, Rossi fez o único gol da vitória da Itália em cima da Áustria. Sem querer, a combinação de resultados criou o clima de “semifinal” no último e decisivo jogo do quadrangular entre a Squadra Azzurra e a Oranje, no dia 21 de junho, no Monumental de Núñez, em Buenos Aires.

Para aquela partida crucial, Bearzot não pode contar com Bellugi, que havia anulado o austríaco Hans Krankl no primeiro tempo do jogo anterior, mas se machucara – Antonello Cuccureddu, da Juventus, assumiu o posto do defensor do Bologna. O técnico ainda manteve Antognoni no banco, devido a seu baixo rendimento, e confirmou a titularidade de Zaccarelli. Happel, por sua vez, voltou a escalar o seu time com três canhotos na zaga – algo quase inimaginável atualmente – e teve o retorno de Neeskens, que se lesionara contra a Escócia. O meia assumiu o posto de Piet Wildschut.

Os italianos eram melhores no jogo quando passaram logo à frente no placar, aos 19 minutos. Bettega construiu bonita tabela com Benetti e Rossi e, no momento em que saiu cara a cara com o goleiro Piet Schrijvers, viu Ernie Brandts chegar por trás, desesperado para evitar o tento. Só que o carrinho do zagueiro surpreendeu o próprio arqueiro, que saía da baliza e, no fim das contas, os holandeses jogaram contra a própria meta. Para piorar a situação da Oranje, o choque entre os defensores teve outras consequências: o camisa 1 se machucou e teve de ser substituído por Jan Jongbloed.

Só a vitória interessava para os azzurri chegarem à final – e ela estava sendo obtida. Dois minutos depois, Cabrini cobrou falta em direção à grande área, Krol desviou de cabeça e Rossi correu para pegar a sobra, mas seu chute saiu mascado e Jongbloed espalmou para escanteio, fazendo boa defesa. A Itália foi dominante no restante da primeira etapa e não deu um centímetro de espaço para os holandeses concluírem a gol.

Rossi bem que tentou, mas a Holanda de Krol cresceu no segundo tempo e se garantiu na final (imago)

A estratégia de Bearzot funcionava muito bem e a partida parecia estar nas mãos da Squadra Azzurra, assim como a vaga na quarta final da sua história. Porém, do outro lado estava a equipe então vice-campeã mundial, que revolucionara o futebol. E tudo virou de ponta-cabeça no segundo tempo.

Precisando ao menos do empate, a Holanda voltou do vestiário mais incisiva. E foi presenteada logo aos 49 minutos, na redenção de Brandts, que marcou um golaço de longa distância. Aproveitando uma sobra de cruzamento, numa bola que ficou pererecando na altura da intermediária, o zagueiro soltou o pé e não deu chances de defesa para Zoff – evitando a chancela de “vilão” pela falha no primeiro tempo. A igualdade no placar era vantajosa aos holandeses, por conta do saldo de gols.

Visivelmente atônita, a Itália não soube como reagir, nem atacar. Rossi jogou sozinho a etapa final quase inteira. Por outro lado, Neeskens foi a força motriz de uma Holanda consciente na posse da bola. Aos 77, Arie Haan decretou o futuro de ambas as seleções. Ele avançou pelo meio e, sem muita expectativa, lançou um balaço em direção à meta de Zoff. E, mais uma vez, o goleiro não conseguiu pegar a pelota, que imprimia uma trajetória cheia de efeito. A eliminação da Nazionale estava sacramentada, com um tribunal armado para julgar o arqueiro de 36 anos, pela similaridade entre os dois gols sofridos. No entanto, eram críticas infundadas, visto que os arremates foram indefensáveis.

O roteiro dos 90 minutos foi difícil de digerir, mas a Itália se despediu do Mundial com prestígio, mesmo após a derrota para o Brasil na disputa pelo terceiro lugar. A Copa de 1982 já se desenhava promissora. Por sua vez, o árbitro Sergio Gonella representou a Velha Bota na final entre Holanda e Argentina, definida por Kempes, na prorrogação.

O segundo vice-campeonato consecutivo de um grupo holandês que vivia os seus últimos dias de glória e o reconhecimento dos italianos pós-Mundial, após um quarto lugar obtido em meio à afirmação de uma nova geração, mostrou algo que muita gente, até hoje, não enxerga. O futebol é extremamente adaptável e diferentes estilos de praticá-lo podem terminar escrevendo histórias fantásticas.

Itália 1-2 Holanda

Itália: Zoff; Scirea; Cuccureddu, Gentile, Cabrini; Causio (C. Sala), Tardelli, Zaccarelli, Benetti (Graziani); Bettega, Rossi. Técnico: Vincenzo Bearzot.
Holanda: Schrijvers (Jongbloed); Poortvliet, Brandts, Krol; Neeskens, Jansen, Haan, W. Van de Kerkhof; Rep (Van Kraay), R. Van de Kerkhof, Rensenbrink. Técnico: Ernst Happel.
Gols: Brandts (contra, 19′); Brandts (49′) e Haan (76′)
Árbitro: Ángel Franco Martinez (Espanha)
Local e data: estádio Monumental de Núñez, Buenos Aires (Argentina), em 21 de junho de 1978

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