Muitos jogadores brasileiros marcaram época no futebol italiano e são lembrados até hoje por sua técnica e poder de decisão em campo. Moacir Bastos, o Tuta, certamente não é um deles, mas também não foi esquecido pelos amantes da Serie A. O atacante só atuou uma temporada na Bota, mas ficou na memória de quem acompanha o campeonato por ter marcado um gol que levantou suspeitas da existência de um esquema de manipulação de resultados.
Nascido no interior de São Paulo, Tuta rodou por Araçatuba, XV de Piracicaba e Juventude antes de ganhar destaque nacional com a Portuguesa, então vice-campeã brasileira, e com o Atlético Paranaense. Grandalhão, trombador e fazedor de gols, tinha o estilo perfeito para uma equipe de pequeno porte do duro Campeonato Italiano. À época, o Venezia observava com atenção as revelações da América do Sul e da África e acabou levando Tuta para o Belpaese.
Quando Tuta fechou com o Venezia, a equipe de exótico uniforme preto, verde e laranja, tinha acabado de voltar para a primeira divisão depois de 30 anos fora da elite – os venezianos haviam subido por causa dos investimentos do destemperado empresário Maurizio Zamparini, que colocara dinheiro nos leões alados para fazê-los relevantes de novo. O brasileiro foi uma das contratações realizadas para marcar os gols que deveriam manter os lagunari na Serie A e assinou como opção a Filippo Maniero e Stefan Schwoch.
Chamado pelos venezianos de “Bastos Tuta”, o atacante brasileiro chegou na Itália confundido com o craque Gabriel Batistuta, pela semelhança sonora entre os nomes, e demorou a se adaptar, por causa do frio. Tuta estreou apenas na 9ª rodada da Serie A, mas em grande estilo: foi titular contra a Lazio e, com cinco minutos em campo, aproveitou uma sobra de bola para fazer o primeiro da vitória por 2 a 0 sobre os celestes, que seriam vice-campeões naquela temporada.
O gol marcado garantiu a titularidade do brasileiro nas três partidas seguintes, mas ele acabou sacado pelo treinador Walter Novellino após não repetir o mesmo nível nestas atuações. Até que, no final de janeiro, Tuta voltou a entrar em evidência: recuperado de um problema de saúde, ficou no banco na partida contra o Bari e foi chamado para entrar em campo aos 32 minutos do segundo tempo.A partida, disputada sob muita névoa no estádio Pier Luigi Penzo, acontecia em ritmo muito lento, como se os times estivessem satisfeitos com o empate. Nos acréscimos, Tuta apareceu na área para aproveitar um cruzamento e, de cabeça, marcou o gol da discórdia. Seus companheiros não comemoraram quando a bola estufou as redes, com exceção do zagueiro Fábio Bilica e do massagista – o que forçou alguns dos lagunari a ensaiarem um tímido festejo. Na saída para os vestiários, o atacante chegou a ser agredido verbal e fisicamente por adversários.
“Depois que eles [Bari] empataram, o jogo ficou completamente morno. Até comentei no banco ‘que coisa estranha’. Aí o treinador chamou um meia para entrar, mas o cara foi para o vestiário, nem entrou no jogo. Nunca vi isso. Depois ele me chamou e eu fui voando pro jogo. Os caras do Bari ficaram me xingando quando eu fiz o gol, e eu sem entender nada. Os caras estavam muito irritados. O capitão deles [Gaetano De Rosa] começou a bater boca no fim do jogo e mais tarde veio dando um tapa no meu rosto. O médico do meu time pedia calma. E depois, na realização do exame antidoping, os caras do Bari quebraram tudo”, declarou o brasileiro em entrevista ao UOL.
A reação de alguns dos companheiros de Tuta após o gol e a dos adversários biancorossi ao fim da partida – afinal, a comemoração não foi desrespeitosa –, somadas ao ritmo lentíssimo do jogo, levantaram suspeitas de que o empate havia sido combinado para favorecer apostadores e os atletas, que arranjariam o resultado. Não seria a primeira vez que partidas seriam manipuladas por causa de interesses alheios: os escândalos Totonero, de 1980, e Totonero Bis, de 1986, resultaram na punição de clubes e atletas e em grande rebuliço no futebol da Bota.
Tuta precisou prestar depoimento à justiça desportiva do Belpaese em uma investigação que foi aberta sobre o caso. Jogadores de Venezia e Bari, que também depuseram, acusaram o brasileiro de não entender bem o idioma italiano e que isto havia provocado uma má interpretação do acontecido. O inquérito não encontrou provas, mas anos depois do caso Venezia-Bari, jogadores importantes, como Cristiano Doni e Giuseppe Signori, foram presos quando eclodiram outros escândalos relacionados com apostas ilegais – algo que o brasileiro Rubinho declarou ser comum entre atletas de equipes pequenas na Itália.
Depois da polêmica, Tuta se tornou um corpo estranho no elenco arancioneroverde. Até marcou um gol sobre o Milan (futuro campeão da Serie A) duas rodadas depois, mas foi pouco utilizado como titular a partir de então e entrou na lista de dispensas do Venezia, que salvou-se do rebaixamento e ficou com a 11ª posição naquela Serie A. O presidente Zamparini tinha boa relação com o Vitória desde a contratação do zagueiro Fábio Bilica e do meia Tácio e arrumou um jeito de empurrar o brasileiro para o rubro-negro ao mesmo tempo em que negociava a contratação de Dejan Petkovic. Com isso, o atacante encerrou sua passagem pelos leões alados com 16 partidas e três gols.
Após deixar a Itália e ir morar na Bahia, Tuta continuou sua trajetória de cigano no futebol – ao todo, o brasileiro passou por 26 equipes em sua carreira. Aos 42 anos, o atacante finalmente deixou de atuar como profissional, pelo Taboão da Serra. Bem antes disso, se destacou com as camisas de Flamengo, Palmeiras, Grêmio e Fluminense.
Moacir Bastos, o Tuta
Nascimento: 20 de junho de 1974, em Palmital (SP)
Posição: atacante
Clubes: Araçatuba (1994 e 1996), XV de Piracicaba (1995), Juventude (1996), Portuguesa (1997-98), Atlético-PR (1998), Venezia (1998-99), Vitória (1999), Flamengo (2000 e 2002), Palmeiras (2001), Anyang LG Cheetahs (2002), Coritiba (2002), Suwon Samsung Bluewings (2003-04), Fluminense (2004-07), Grêmio (2007), Figueirense (2008), São Caetano (2008-09), Náutico (2009-10), Resende (2010-11), Brasiliense (2011), União Barbarense (2012), Juventus-SP (2013), Barra da Tijuca (2013), Flamengo-PI (2014), Francisco Beltrão (2014-15) e Taboão da Serra (2016)
Títulos: Campeonato Paulista da Série A2 (1994), Campeonato Brasileiro da Série C (1995), Campeonato Paranaense (1998 e 2004), Copa Paraná (1998), Copa do Nordeste (1999), Copa dos Campeões (2000), Torneio Rio-São Paulo (2000), Campeonato Carioca (2000 e 2005), Campeonato Gaúcho (2007), Campeonato Catarinense (2008), Campeonato Baiano (2009), Campeonato Brasiliense (2011) e Supercopa Asiática (2012)