Há poucas coisas no mundo com as quais o torcedor do Bologna tem mais intimidade do que com fotos em preto e branco. Há um motivo forte para isso: quase todas as glórias do time emiliano aconteceram no passado, em tempos de raríssimos registros fotográficos e audiovisuais em cores. Consequentemente, poucos treinadores conseguiram se destacar no clube após os anos 1970, o que deixa nossa lista mais bianconera do que rossoblù.
Fundado em 1909, o Bologna teve 69 técnicos desde então. O primeiro deles foi Hermann Felsner, ídolo do clube e sobre quem falamos melhor no nosso “top 5” – um ano depois do austríaco, um brasileiro, Achille Gama, treinou o clube brevemente. Na era do “preto e branco”, os emilianos tiveram alguns bons treinadores que não chegaram a ficar entre os cinco maiores em nosso ranking, como Giuseppe Viani (1952-56) e Luis Carniglia, que brigou pelo scudetto em 1966 e 1967. Edmondo Fabbri, treinador da Itália na vexaminosa campanha da Copa do Mundo de 1966, foi bem pelos rossoblù e, em três anos (1969-72), venceu a Coppa Italia e a Copa da Liga Anglo-Italiana, ambas em 1970.
A partir da década de 1980, os felsinei passaram por muitas dificuldades e entraram em decadência, o que fez com que os treinadores que passaram pelo estádio Renato Dall’Ara desde então obtivessem destaque pela identificação com a torcida nas tentativas de reerguer o Bologna ou por surpreenderem na Serie A.
Entre estes, podemos citar o lendário Carlo Mazzone, treinador que em mais partidas comandou equipes no Campeonato Italiano: Sor Carletto teve três passagens pela Emília-Romanha e, na segunda delas (1998-99), conseguiu vencer a Copa Intertoto e impressionou ao ser semifinalista da Coppa Italia e da Copa Uefa. Seu sucessor, Francesco Guidolin, passou quatro anos à frente dos petroniani e foi capaz de manter a equipe na elite sem sofrimento, alcançando até mesmo a melhor posição rossoblù desde a década de 1960 – feito enorme, considerando que os bolonheses chegaram a jogar a terceirona anos antes.
Critérios
Para montar as listas, o Quattro Tratti levou em consideração a importância de cada técnico na história do clube, do futebol italiano e mundial. Dentro desses parâmetros, analisamos os títulos conquistados, a identificação com a torcida e o dia a dia do clube (mesmo após o fim da carreira), respaldo atingido através da passagem pela equipe, grau de inovação tática e em métodos de treinamento e, por fim, prêmios individuais.
5º – Renzo Ulivieri
Período no clube: 1994-98 e 2005-07
Títulos conquistados: Serie C1 (1995) e Serie B (1996)
Ulivieri é o único que você verá em foto colorida neste texto. Uma de suas cores favoritas, inclusive, é o vermelho, já que ele é esquerdista convicto, fato que até o ajudou a se aproximar de parte da torcida do Bologna, notoriamente de esquerda. Conhecido por sempre utilizar um pesado casaco, o toscano começou cedo em sua carreira como treinador (aos 24 anos) e rodou por times amadores e categorias de base até ter seu primeiro emprego como profissional: em 1974, aos 33 anos fechou com o Empoli, então na terceira divisão. Somente 20 anos depois, quando já era um dos treinadores mais rodados da Itália é que Ulivieri chegou ao Bologna. Naquela época o clube bolonhês vivia o auge de sua crise financeira, tinha decretado falência e se encontrava na Serie C1, terceirona italiana.
A partir de sua chegada, Ulivieri promoveu uma revolução: montou o time em volta de dois meias habilidosos, Cristiano Doni e Carlo Nervo (que se tornaria ícone rossoblù) ,e conquistou dois acessos consecutivos graças aos títulos das séries C1 e B. A ascensão continuou na Serie A, uma vez que o treinador ganhou alguns reforços e, logo na primeira temporada, levou os felsinei à sua melhor colocação no campeonato desde os anos 1960 – um sétimo lugar. Ulivieri ainda surpreendeu o Belpaese por ter levado um time sem estrelas a duas semifinais seguidas da Coppa Italia (1996 e 1997) e, sobretudo, por ter ajudado Roberto Baggio a colocar a carreira nos trilhos. Sob as ordens do toscano, o craque marcou 22 vezes no Campeonato Italiano 1997-98 e superou algumas desavenças nos bastidores para ganhar vaga no elenco italiano para o Mundial da França. Ulivieri ainda teve passagem menos gloriosa pelo clube do Dall’Ara pouco antes de se afastar do futebol masculino – hoje se dedica ao desenvolvimento da modalidade feminina e é presidente da Associação Italiana de Treinadores.
4º – Bruno Pesaola
Período no clube: 1972-76 e 1977-79
Títulos conquistados: Coppa Italia (1974)
O ítalo-argentino Pesaola foi ídolo do Napoli e muito importante na Fiorentina, mas também teve destaque no Bologna, time que comandou por seis temporadas – ficou mais tempo somente em Nápoles. O treinador nascido em Buenos Aires acabou tendo poucas chances de brigar por títulos nas duas passagens pelos felsinei, já que a última geração de ouro do clube estava envelhecida e o time já dava sinais de que tinha problemas financeiros. Ainda assim, Pesaola levantou uma taça e revelou jogadores importantes, como os meias Eraldo Pecci e Franco Colomba.
O Petisso assinou pela primeira vez com o Bologna em 1972, assumindo a responsabilidade de treinar jogadores experientes como Giacomo Bulgarelli e Giuseppe Savoldi. Nos quatro primeiros anos na Emília-Romanha, Pesaola deixou a equipe apenas em posições intermediárias na Serie A – três vezes na sétima e uma na nona –, mas conquistou a Coppa Italia, em 1974, passando por Napoli, Milan e Inter nas fases de grupos e batendo o Palermo na final. Depois de voltar a Nápoles e ficar somente um ano na Campânia, Pesaola retornou ao clube petroniano, que sonhava apenas com a permanência na elite naqueles anos. Objetivo cumprido sob a batuta do baixinho e do seu inseparável sobretudo de pele de camelo.
3º – Árpád Weisz
Período no clube: 1935-38
Títulos conquistados: Serie A (1936 e 1937) e Torneio Internacional da Expo Paris (1937)
Húngaro e judeu, Weisz foi um dos milhões de mortos pela barbárie nazista ao longo da II Guerra Mundial: foi assassinado em uma câmara de gás no campo de concentração de Auschwitz, depois de quatro anos de prisão. O treinador poderia ter escrito uma história ainda mais rica no Bologna se não tivesse precisado abandonar a Itália em 1938, por causa do endurecimento do regime fascista e da perseguição de Benito Mussolini a qualquer pessoa de origem judaica. Ainda assim, Weisz é dono de um feito único: conduziu o Bologna a dois scudetti consecutivos, algo que aconteceu na história do clube somente sob seu comando.
Weisz, que já havia faturado um scudetto com a Inter, acertou com o Bologna em meados da temporada 1934-35 e, depois de conduzir a equipe a um 6º lugar, começou a dar seu toque pessoal ao time rossoblù. Com conceitos próprios da escola húngara de futebol, o treinador formou uma equipe que marcou época e foi bicampeã italiana, em 1936 e 1937 – aquele time tinha jogadores importantes, como os ítalo-uruguaios Michele Andreolo, Francisco Fedullo e Raffaele Sansone, além dos goleadores Carlo Reguzzoni e Angelo Schiavio. Em 1937, seu Bologna ainda bateria o Chelsea em Paris, vencendo o Torneio Internacional da Expo Universal de Paris, um dos poucos torneios continentais existentes à época. Pouco depois de iniciar o campeonato 1938-39 no comando do clube, Árpád Weisz teve de deixar o cargo porque foi instituída uma lei que proibia que judeus pudessem trabalhar. Anos após seu falecimento, o treinador foi homenageado com uma placa em uma das torres do estádio Renato Dall’Ara.
2º – Fulvio Bernardini
Período no clube: 1961-65
Títulos conquistados: Serie A (1964) e Copa Mitropa (1962)
Um homem que mexia com as massas: a foto deixa clara a idolatria que Fulvio Bernardini conquistou durante os quatro anos que treinou o Bologna. Em 1961, o romano já era campeão italiano quando acertou com os felsinei (venceu no fim da década de 1950, com a Fiorentina), mas não foi a primeira opção do presidente Renato Dall’Ara para o cargo – ele preferia Nereo Rocco e seu catenaccio. No fim das contas, teve de se contentar com um técnico de estilo totalmente diferente, adepto de um futebol bem jogado e de jogadores de “pés bons” no meio-campo. Fiel a seu estilo, o “Dautar” dirigiu o Bologna na campanha do último scudetto de sua história, conquistado graças aos meias Giacomo Bulgarelli e Helmut Haller, verdadeiros craques com e sem a bola nos pés. Eles eram encarregados de criar o suficiente para que os atacantes Ezio Pascutti e Harald Nielsen marcassem os gols dos rossoblù.
Era difícil competir com os estelares elencos de Inter e Milan naquela época, mas Bernardini conseguiu colocar o Bologna na disputa. Em seus dois primeiros anos, a equipe rossoblù ficou na 4ª posição da Serie A e conquistou uma taça e um vice da Copa Mitropa – antiga competição continental, que inspirou a criação da Liga dos Campeões. Foi no terceiro ano no estádio Comunale que o romano finalmente alcançou a grande glória com os veltri, fazendo os jogadores citados acima crescerem de rendimento – e também arrumando a defesa, que tinha Francesco Janich e Paride Tumburus como nomes mais sólidos. O título de 1963-64 veio de forma suada e com um caminho cheio de percalços: jogadores da equipe foram acusados de doping e Bernardini chegou a ser suspenso por ter, supostamente, os induzido ao uso de substâncias proibidas (a inocência de todos foi provada depois). O presidente Dall’Ara faleceu na reta final do campeonato e os rossoblù ainda precisaram vencer a Inter no famoso spareggio – foi a única vez que a Serie A teve de ser decidida em um jogo-desempate em campo neutro. O último ano do Dautar em Bolonha acabou marcado por uma campanha abaixo do esperado no Italiano e também na Copa dos Campeões, o que ocasionou a não renovação do seu contrato pelo sucessor de Dall’Ara após a conclusão dos torneios.
1º – Hermann Felsner
Período no clube: 1920-31 e 1938-42
Títulos conquistados: Serie A (1925, 1929, 1939 e 1941)
Ficar mais de 15 anos à frente de uma equipe não é pouca coisa – longe disso. O austríaco Felsner é a alma do Bologna e, por uma ironia do destino, até mesmo seu sobrenome remete ao clube e à cidade: felsinei é um dos gentílicos informais para os nascidos em Bolonha, já que o primeiro nome da localidade, dado pelos etruscos em 534 a.C., foi Felsna. Uma daquelas coincidências que só acrescentam um ar poético para o carequinha, artífice de quatro dos sete scudetti dos rossoblù. Homem refinado, o vienense Felsner era advogado e instrutor de ginástica, além de ter se especializado em futebol na Inglaterra – algo raro à época. Contratado aos 31 ano como primeiro técnico do Bologna, em 1920, chegou à Itália portando monóculo e pince-nez, dando ao time a mesma elegância que emanava. Graças a isso, recebeu os apelidos de “mago” e “doutor”.
Representante da escola danubiana, Hermann Felsner valorizava o toque de bola e o futebol ofensivo, além de ter sido um dos primeiros a estudar as características detalhadas dos jogadores. Foi graças a ele que o atacante Felice Gasperi se tornou um dos grandes laterais bolonheses e que Angelo Schiavio foi não só um dos maiores goleadores dos anos 1920 e 1930 como um dos ícones da história petroniana. Em sua primeira passagem pela Emília-Romanha, o austríaco foi duas vezes campeão italiano (e três vezes vice) e fez os veltri serem conhecidos como “o time que fazia o mundo tremer”. Quando retornou para substituir Weisz, em 1938, o treinador faturou mais dois scudetti e um vice em quatro temporadas antes de se aposentar – em 1948, retornou para um breve trabalho no Livorno. O Bologna foi tão grande quanto Felsner permitiu.