Técnicos

Competente e supersticioso, Gustavo Giagnoni marcou época no futebol italiano

Na madrugada desta quarta-feira, a Itália perdeu um dos técnicos mais célebres do seu futebol nas décadas de 1970 e 1980. Gustavo Giagnoni, falecido aos 85 anos, ficou marcado por trabalhos em Torino, Milan e Roma, além do sucesso em times menores, como Mantova e Cremonese.

Natural da Sardenha, Giagnoni teve carreira modesta como jogador de futebol. Líbero e volante, ele passou por Olbia e Reggiana, nas divisões amadoras, e chegou ao Mantova, que também só disputava campeonatos regionais naquela época. Gustavo integrou a geração dourada do time biancorosso, que conseguiu acessos consecutivos até se afirmar na elite e ganhar o apelido de “piccolo Brasile” (pequeno Brasil). Giagnoni disputou 295 partidas pelo clube, 141 delas na Serie A: é o quarto na lista de atletas que mais representaram os virgilianos.

Giagnoni começou como treinador exatamente pelo Mantova, a convite do presidente Andrea Zenesini. A experiência teve início em 1968, assim que o ex-jogador pendurou as chuteiras, e depois de um ano na equipe juvenil, assumiu o time principal de forma interina. Efetivado, teve ótimo desempenho, salvando os biancorossi do rebaixamento à terceirona no ano de estreia; fazendo-os bater na trave pelo acesso à Serie A em 1970 e devolvendo-os à elite com o título da Serie B na temporada seguinte.

Giagnoni e sua clássica ushanka em clássico entre Torino e Juventus (Guerin Sportivo)

O sucesso na Lombardia levou Giagnoni ao Torino, campeão da Coppa Italia em 1971. Na primeira temporada no comando dos grenás, o técnico conseguiu ser vice-campeão italiano e da Copa da Liga Ítalo-Inglesa, além de ter parado nas semifinais da copa e nas quartas da Recopa. O título italiano, em especial, ficou muito perto: a Juve venceu por apenas um ponto. Com a equipe granata, Giagnoni ainda conquistou um sexto e um quinto lugar na Serie A, além de ser considerado um dos responsáveis pela montagem do elenco que ganharia o scudetto em 1976.

O técnico é lembrado ainda por outros motivos. Gustavo ficou em evidência por causa de seu estilo: usava como amuleto uma ushanka, usual no forte inverno da Rússia. “Havia ganhado o chapéu de pele de um torcedor do Mantova, que os importava da Lapônia. Usava um pouco como superstição, um pouco por necessidade”, declarou ao La Stampa.

Além do quesito folclórico, Giagnoni também teve decisões curiosas. Em 1972, afastou Paolino Pulici do plantel principal por dois meses, para que o atacante se dedicasse a treinos intensivos de finalização – atitude acertada e elogiada depois pelo próprio jogador, que se tornaria o maior artilheiro da história do clube.

No Milan, Giagnoni fuma um cigarro ao lado de Trapattoni, seu assistente (imago/Buzzi)

Não faltaram, ainda, polêmicas com a Juventus. Giagnoni chegou a ficar um mês suspenso por acusar os árbitros de favorecer a Velha Senhora e, em dezembro de 1973, explodiu numa derrota para a Juve. Extasiado pela vitória por 1 a 0 num clássico muito duro e disputado, o meia Franco Causio zombou de Giagnoni após o apito final e foi aconselhado pelo treinador a parar o que estava fazendo. Um aviso simpático de quem era conhecido pelo temperamento sanguíneo. No entanto, o juventino continuou com a gozação e Gustavo reagiu com um soco em sua face.

“Tive sorte de o murro ter atingido a bochecha e não a boca [de Causio], senão poderia ter sido preso”, disse o técnico. “Logo me envergonhei do que fiz, mas daquele dia em diante me tornei um mito para a torcida do Torino”, concluiu. De fato: na volta para a sede do clube, 500 torcedores aguardavam para saudá-lo.

Após deixar o Torino, Giagnoni foi contratado pelo Milan, em 1974. O sardo teve uma temporada razoável à frente do Diavolo: quinto lugar na Serie A, com vaga na Copa Uefa, e vice da Coppa Italia. Considerando os atritos internos entre o craque Gianni Rivera e o presidente Albino Buticchi, foi quase um milagre.

Gustavo teve passagem medíocre pela capital italiana (Arquivo/AS Roma)

O capitão rossonero havia ficado chateado por uma declaração dada pelo cartola na parte final da temporada. Buticchi disse cogitar a chegada de Claudio Sala, meia do Torino, em troca do passe do próprio Rivera. Como reação, o Golden Boy faltou a treinamentos e foi afastado do elenco por Giagnoni – que já estava insatisfeito com as prestações do craque e costumava substitui-lo. Rivera chegou a anunciar sua aposentadoria, mas depois comprou a parte de Buticchi no Milan e repassou as cotas a outro empresário. Envolto na confusão, Giagnoni até começou a temporada 1975-76 no clube, mas decidiu se demitir após alguns jogos da fase de grupos da Coppa Italia, que acontecia antes mesmo do início da Serie A.

Após um ano parado, Gustavo assumiu o comando do Bologna, mas foi demitido após conquistar apenas uma vitória em 12 partidas do Italiano de 1976-77. Começaria, ali, uma década complicada para o treinador. Mesmo com o trabalho ruim na Emília-Romanha, Giagnoni ainda foi escolhido pela Roma na temporada seguinte, mas após deixar o time no meio da tabela em 1978 e começar mal a campanha posterior, acabou demitido. Depois disso, não comandaria mais nenhum time de relevo.

Pouco depois de deixar a Cidade Eterna, Giagnoni pegou o bonde andando e não conseguiu salvar o ioiô Pescara do rebaixamento. Na temporada seguinte o comandante só durou 12 jogos na Udinese, até decidir descer um degrau e retornar à Serie B, para treinar o Perugia, que também voltava à segundona após seis anos na elite. Gustavo até fez um trabalho razoável à frente dos umbros, mas não conseguiu o acesso. Mesmo assim recebeu a chance de treinar o Cagliari, maior time da sua região.

O treinador foi contratado para tentar devolver o Palermo à Serie A, mas participou de campanha de rebaixamento (Palazzotto)

A primeira passagem pelo clube da Sardenha foi muito sofrida. O Cagliari começou a temporada de forma razoável, mas caiu de rendimento no returno e acabou sendo rebaixado na última rodada: a derrota no confronto direto com o Ascoli salvou os bianconeri e decretou a queda dos rossoblù. Num campeonato com 16 participantes, como daquela temporada 1982-83, foi a única vez que um time foi rebaixado na Itália após somar 26 pontos.

Parecendo sem rumo, Giagnoni conduziu o Palermo ao rebaixamento para a terceira divisão no ano seguinte. Acabou ficando um ano e meio desempregado, mas foi convocado para ser bombeiro do Cagliari, que flertava com a queda para a Serie C em 1986. Gustavo salvou a equipe e ganhou muitos pontos com a torcida, mas não foi capaz de evitar o descenso no ano seguinte: o time foi penalizado em 5 pontos por causa do Totonero bis e já estava em franco declínio econômico.

Clamorosamente, enquanto tudo ia mal na segundona, o Cagliari fez uma campanha incrível na Coppa Italia. Giagnoni conseguiu o seu melhor resultado em uma década ao eliminar a Juventus de Giovanni Trapattoni e Michel Platini nas quartas de final da competição, por causa da regra do gol fora de casa – os casteddu empataram por 1 a 1 na Sardenha e 2 a 2 em Turim. A equipe parou nas semifinais, onde caiu diante do Napoli de Diego Maradona.

Com cabelos brancos, Giagnoni teve seu último trabalho pela Cremonese (Getty)

Com o fim da temporada de sabores conflitantes, Giagnoni não continuou na Sardenha. Não assumiu nenhum trabalho durante três anos, até que em novembro de 1990 chegou um convite da Cremonese, então na Serie B. Gustavo substituiu Tarcisio Burgnich na nona rodada e comandou a equipe na campanha do retorno à elite. Os grigiorossi concluíram a competição com um ataque paupérrimo (o segundo pior), mas graças à melhor defesa conquistaram a vaga.

O treinador permaneceu para a disputa da Serie A, mas não conseguiu evitar a queda da Cremo, penúltima colocada. A tristeza durou pouco para Giagnoni: o último ato de sua carreira como treinador aconteceu no Mantova e foi repleto de felicidade. Como diretor técnico da equipe, treinou os virgilianos ao lago de Ugo Tomeazzi e conduziu o time ao título da Serie C2 e o acesso à terceirona.

Depois disso, Gustavo e sua ushanka se afastaram do futebol. O técnico continuou vivendo em Mântua, onde há tempos já havia estabelecido a sua vida, e manteve uma torcida silenciosa pelas equipes com as quais mais se identificou: Mantova, Torino e Cagliari. Um apoio que se encerrou na madrugada deste 8 de agosto, enquanto o ex-treinador dormia tranquilamente em sua cama.

Gustavo Giagnoni
Nascimento: 23 de março de 1933, em Olbia, Itália
Falecimento: 8 de agosto de 2018, em Mântua, Itália
Posição: zagueiro e volante
Clubes como jogador: Olbia (1952-55), Reggiana (1955-57 e 1964-65) e Mantova (1957-64 e 1965-68)
Títulos como jogador: Promozione-Sardenha (1953), IV Serie (1956), Interregionale (1958) e Serie C (1959)
Clubes como treinador: Mantova (1969-71 e 1992-93), Torino (1971-74), Milan (1974-75), Bologna (1976-77), Roma (1977-79), Pescara (1979-80), Udinese (1980-81), Perugia (1981-82), Cagliari (1982-83 e 1986-87), Palermo (1983-84) e Cremonese (1990-92)
Títulos como treinador: Serie B (1971) e Serie C (1993)

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