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Do futebol à política, Kakha Kaladze conquistou milanistas e georgianos

Uma das coisas que se pode dizer com certeza sobre a carreira do zagueiro Kakhaber “Kakha” Kaladze é que ele era um jogador político. Determinado, polivalente e, muitas vezes, ríspido, o ex-defensor marcou história no futebol italiano vestindo a camisa do Milan, clube pelo qual foi duas vezes campeão da Liga dos Campeões. Também se tornou ícone da Geórgia por sua representação dentro e fora de campo. Quando pendurou as chuteiras, em 2012, ingressou na política e hoje é prefeito de Tbilisi, capital do país.

Natural de Samtredia, cidade da região de Imerícia, Kaladze cresceu na antiga União Soviética. Quando a URSS se dissolveu oficialmente, em dezembro de 1991, ele já estava nas categorias de base do Dinamo Tbilisi, clube mais popular da Geórgia. Na adolescência, achou que tinha faro para gol e se aventurou no ataque enquanto atuava pelo Lokomotiv Samtredia, equipe de sua terra, cujo presidente era seu pai, Karlo. O responsável por levá-lo ao Dinamo Tbilisi foi o ex-jogador e treinador David Kipiani.

No Dinamo, Kakha viu que sua vocação no futebol era bem longe do gol adversário e, assim, recuou algumas posições até chegar à defesa, onde futuramente se deu bem tanto na zaga quanto na lateral esquerda. Prodígio, estreou como profissional bem cedo, aos 16 anos de idade, em um jogo do Campeonato Georgiano de 1993-94. Tornou-se titular da zaga do time celeste na temporada seguinte, ajudando-o a conquistar a liga local.

Pilar da zaga do Dinamo, Kaladze recebeu sua primeira convocação para a seleção da Geórgia em março de 1996: entrou aos 25 minutos do segundo tempo do amistoso contra o Chipre, em Limassol. Em dezembro daquele mesmo ano, o zagueiro foi expulso diante do Líbano, em mais um amistoso, disputado em Beirute. Enquanto isso, o defensor seguia se destacando e empilhando taças do Campeonato Georgiano e da Copa da Geórgia pelo time de Tbilisi. Até que, em janeiro de 1998, o Dynamo Kyiv pagou algo em torno de 280 mil euros e contratou o beque.

Segundo o próprio Kaladze, o clube ucraniano teve interesse em seu futebol depois que ele anulou Christian Vieri em um jogo contra a Itália, realizado em Tbilisi, válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1998. A partida terminou sem gols. No Dynamo, foi companheiro de equipe de Andriy Shevchenko, que em breve se juntaria ao Milan. O icônico treinador Valeriy Lobanovskyi, um dos mais renomados do futebol ucraniano, viu potencial em Kakha para colocá-lo em outras posições. Assim, o georgiano também atuou como lateral-esquerdo, líbero e até volante.

Kaladze permaneceu em Kiev por duas temporadas e meia, conquistou todas as ligas ucranianas que disputou e chegou às semifinais da Liga dos Campeões 1998-99. O Dynamo caiu diante do Bayern de Munique, com 4 a 3 no agregado, depois de vencer times como Arsenal, Barcelona e Real Madrid. O sucesso na agremiação ucraniana o colocou na mira de times maiores, como o Milan.

Kaladze e Maldini: dupla de zaga titular contra a Inter (Arquivo/AC Milan)

Em 2001, a diretoria rossonera desembolsou 16 milhões de euros para assinar com Kaladze. O valor da transação fez dele o jogador georgiano mais caro da história. Segundo o ex-cartola milanista Adriano Galliani, responsável por sua contratação, a versatilidade que o zagueiro demonstrou no Dynamo foi o detalhe que mais despertou interesse na comissão técnica do Milan. Porém, apesar das boas credenciais, Kakha chegou sob desconfiança de imprensa e torcida.

A verdade é que Kaladze demorou para ganhar a simpatia tanto dos torcedores como a de Carlo Ancelotti, técnico do Diavolo à época. A concorrência também não ajudava: nos primeiros anos, ele teve que disputar posição com Paolo Maldini, Alessandro Nesta, Alessandro Costacurta e Jaap Stam. Até chegou a atuar como volante sob o comando de Alberto Zaccheroni, um dos treinadores que precederam Ancelotti. Mas uma tragédia familiar tirou o foco do georgiano em sua primeira temporada na Itália: o sequestro de seu irmão, Levan.

Estudante de medicina, Levan foi raptado na Geórgia, em maio de 2001, e os bandidos solicitaram 600 mil dólares para liberar o refém. A família arranjou o dinheiro, e o pai de Kakha foi ao hospital de Tbilisi, local onde os sequestradores combinaram a troca, para pagar o resgate. Contudo, os raptadores desconfiaram que Karlo havia sido seguido pela polícia e desapareceram com o rapaz. Depois disso, não se teve mais notícias de Levan até fevereiro de 2006, quando a polícia informou que tinha encontrado seu corpo em uma cova sem identificação na Suanécia, uma das regiões do país. Segundo a mídia local, Levan fora decapitado. Como forma de homenagem ao irmão assassinado, Kaladze e sua esposa, Anouki, deram a seu primeiro filho o nome de Levan.

Enquanto convivia com o medo e a esperança de ver seu irmão vivo novamente, Kaladze foi muito bem na temporada 2002-03, sendo utilizado 46 vezes – a maioria delas como lateral-esquerdo. Ao fim da campanha, o Milan se sagrou hexacampeão da Liga dos Campeões, ao vencer a Juventus nos pênaltis – o camisa 4 não converteu sua cobrança –, e pentacampeão da Coppa Italia, derrotando a Roma na final. Kakha se tornou o primeiro (e, até hoje, único) jogador georgiano a ganhar uma Champions.

Entretanto, a ascensão de Nesta obrigou Ancelotti a fazer algumas mudanças na linha defensiva milanista: Kaladze foi para o banco, Maldini acabou deslocado para a lateral esquerda, e Nesta se tornou parceiro de Costacurta na zaga. Por isso, o versátil atleta realizou somente 11 jogos ao longo da temporada 2003-04; na Serie A, cujo vencedor foi o Milan, ele foi utilizado apenas seis vezes. A situação melhorou um pouco na época seguinte, na qual os rossoneri amargaram o vice da Liga dos Campeões e da liga nacional, com direito 26 aparições para Kaladze. Mas a situação não estava agradando o defensor.

Kaladze chegou a ser especulado no Chelsea, em um negócio que poderia levar o atacante Hernán Crespo ao Milan. Porém, o clube inglês acabou assinando com o lateral-esquerdo espanhol Asier del Horno, e descartou o camisa 4 rossonero. Tendo permanecido na Itália, ele renovou contrato por cinco anos com o Diavolo, em junho de 2005. Um ano depois, estendeu o vínculo por mais uma temporada.

Quando chegou ao Milan, Kaladze se tornou o jogador georgiano mais caro da história; saiu do clube como um dos mais famosos (Getty)

Em 2006, Kakha marcou um dos gols mais importantes em sua estadia no Milan: Clarence Seedorf alçou bola à área, o “Zanna Bianca” (Presa Branca) dominou a bola no peito, soltou um míssil indefensável e deu a vitória por 1 a 0 sobre a Internazionale no Derby della Madonnina. Aliás, Kaladze terminou a temporada 2005-06 como zagueiro titular, uma vez que Maldini se encontrava lesionado.

Em 2006-07, o camisa 4 realizou 27 partidas, dentre as quais oito na campanha que culminou no título da Liga dos Campeões em cima do Liverpool, em Atenas – vingando, assim, a derrota em Istambul. Na decisão, Kaladze entrou aos 35 minutos do segundo tempo, na vaga do lateral-esquerdo checo Marek Jankulovski. Em dezembro de 2007, abocanhou mais um título: o Mundial de Clubes da Fifa. Sua expulsão na final, ante o Boca Juniors, não comprometeu a vitória italiana por 4 a 1.

O atleta conseguiu um lugar fixo na equipe de Milão durante a temporada 2007-08, de modo que entraria em campo 42 vezes. Entretanto, uma lesão nos ligamentos do joelho esquerdo, ocorrida na partida contra o FC Zürich, na Suíça, pela Copa Uefa, o tirou dos gramados por um longo tempo na época seguinte. Em fevereiro de 2009, já recuperado, Kaladze teve uma atuação pífia na derrota por 2 a 1 no Derby della Madonnina. Na ocasião, um imparável Adriano deu trabalho à defesa milanista, o que rendeu críticas da imprensa ao georgiano.

A temporada 2009-10 foi a última do Zanna Bianca em San Siro. Reserva de Nesta e Thiago Silva, ele quase não foi utilizado pelo então treinador Leonardo. Então, depois de 285 partidas, 13 gols e sete títulos, Kaladze deixou o Milan em 31 de agosto de 2009, numa transferência sem custos para o Genoa. Firmou contrato por dois anos. A estreia pelo time rossoblù aconteceu no Luigi Ferraris, contra o Chievo. Com o número 13 às costas, ficou em campo por 90 minutos e viu sua nova equipe ser derrotada por 3 a 1.

Seu primeiro gol pelo clube genovês saiu no triunfo por 3 a 1 sobre o Parma, em casa, pela 22ª rodada da Serie A. Ao fim da temporada, após 26 jogos pelo campeonato, as médias das notas atribuídas pela Gazzetta dello Sport às suas atuações lhe renderam o prêmio de segundo melhor zagueiro da Serie A 2010-11, atrás apenas de seu ex-companheiro rossonero Thiago Silva. A boa performance no ano de 2011 também deu a Kakha o quinto prêmio de jogador georgiano do ano – havia ganhando em 2001, 2002, 2003 e 2006.

Ainda em 2011, Kakha anunciou aposentadoria da seleção da Geórgia, com a qual nunca conseguiu se classificar para uma Copa do Mundo ou Eurocopa. Em 83 jogos servindo seu país – mais da metade deles como capitão –, Kaladze marcou somente um gol, na derrota por 3 a 1 para a Letônia, em amistoso disputado em Tbilisi, em 2007. Por outro lado, um dos piores momentos do zagueiro pela seleção georgiana foram os dois gols contra que deram a vitória para a Itália, nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010. A pixotada ocorreu em setembro de 2009, em Tblisi.

Kaladze teve brilho esporádico no Genoa (Getty)

Apesar de, em 2011, ter prolongado sua estadia em Gênova por mais dois anos, Kakha resolveu parar antes do fim do contrato, aos 34 anos. A última vez que entrou em campo profissionalmente foi em 13 de maio de 2012, numa vitória importantíssima por 2 a 0 sobre o Palermo, no Marassi. O Genoa corria risco de rebaixamento antes do início da derradeira rodada daquela Serie A. A partir daquele momento, o zagueiro passou a se empenhar em outro campo: a política.

De volta à Geórgia, Kaladze se aliou ao partido Sonho Georgiano, criado pelo bilionário Bidzina Ivanishvili, e foi eleito, em 25 de outubro de 2012, como vice-primeiro-ministro e ministro da energia. Sua aprovação, no entanto,  causou certa desconfiança entre os profissionais da área. Em julho de 2017, o ex-jogador pediu demissão do cargo para se candidatar à prefeitura de Tbilisi. Em outubro, foi eleito com 51,3% dos votos, em primeiro turno, para mandato até 2021. “Adotei uma decisão correta. Queria estar com meu povo, com meu país”, afirmou, ao fazer um balanço de sua carreira na política.

Kaladze é também um homem visionário. No início de 2008, ele disse: “Sempre olho para o futuro. Quando você está jogando o tempo todo, não sabe dos anos que se passam. A carreira de um jogador de futebol é como um bom filme: parece que ela só voa e, de repente, acaba”. Pensando no amanhã, antes mesmo de adentrar a política, o zagueiro já havia fundado a Kala Capital, uma holding financeira, cujo objetivo era o de atrair capital estrangeiro para a Geórgia.

O ex-defensor também foi sócio do restaurante Giannino, em Milão, até 2009, tendo uma participação de 15% nos lucros. Além disso, ele tem outro restaurante em Kiev e dois hotéis – um em Kiev e outro no Mar Negro. Kakha também se engaja em causas sociais. Para se despedir do futebol, organizou em maio de 2013 um amistoso entre um time formado por seus amigos e ex-jogadores do Milan, na capital da Geórgia. A renda arrecadada foi doada para a caridade e para a Fundação Milan.

Kakhaber “Kakha” Kaladze
Nascimento: 27 de fevereiro de 1978, em Samtredia, Geórgia (antiga União Soviética)
Posição: zagueiro e lateral-esquerdo
Clubes: Dinamo Tblisi (1993-98), Dynamo Kyiv (1998-2001), Milan (2001-10) e Genoa (2010-12)
Títulos conquistados: Campeonato Georgiano (1994, 1995, 1996, 1997 e 1998), Copa da Geórgia (1994, 1995, 1996 e 1997), Campeonato Ucraniano (1998, 1999, 2000 e 2001), Copa da Ucrânia (1998, 1999 e 2000), Liga dos Campeões (2003 e 2007), Coppa Italia (2003), Serie A (2004), Supercopa Italiana (2004), Mundial de Clubes da Fifa (2007) e Supercopa Europeia (2007)
Seleção georgiana: 83 jogos e um gol

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