No início dos anos 1970, o Milan se preparava para disputar a Recopa Uefa, competição organizada pela máxima entidade do futebol europeu entre 1960 e 1999. Sob o comando de Cesare Maldini, ex-jogador e comandante com forte ligação com o clube, o Diavolo brilhou no torneio, demonstrando o espírito vencedor que consolidou na década anterior, quando obteve as primeiras grandes conquistas continentais. Nas quartas de final, os rossoneri tiveram um grande desafio contra o Spartak Moscou.
A transição geracional
O esquadrão do Milan na década de 1960 ficou conhecido como uma máquina dentro e fora da Itália. O time empilhou taças de Campeonato Italiano, Copa dos Campeões e também alcançou a glória máxima ao vencer o Mundial Interclubes. Porém, naturalmente, o esquadrão começou a se desfazer. José Altafini, o Mazola, como é conhecido no Brasil, foi se aventurar por Napoli e Juventus. Giovanni Trapattoni ainda passou pelo Varese antes de se aposentar dos gramados e comandar o Diavolo, logo após a saída de Maldini.
No entanto, um coração que pulsava em vermelho e preto seguia no elenco e faria a diferença: o capitão Gianni Rivera. O camisa 10 liderava a trupe de remanescentes das conquistas do fim dos anos 1960, formada também pelo goleiro Villiam Vecchi, pelos defensores Angelo Anquilletti, Roberto Rosato e Karl-Heinz Schnellinger, e o atacante Pierino Prati.
Não é fácil manter uma dinastia, seja dentro ou fora de seu país. Tentando prosseguir no topo, o Milan começou a década de 1970 ainda forte, com a conquista da Coppa Italia na temporada 1971-72. No ano seguinte, o Diavolo voltou a celebrar as glórias internacionais na Recopa Uefa. Porém, o caminho foi árduo e contou com um grande confronto contra o Spartak Moscou. O primeiro jogo terminou com uma vitória apertada dos italianos na Rússia. No segundo, dois gols precoces definiram um duro empate, favorável aos rossoneri.
O caminho até as quartas de final
Habituado a jogos difíceis, o Milan não teve grandes problemas para eliminar o Red Boys Differdange, de Luxemburgo, com placar agregado de 7 a 1. Na segunda eliminatória, o adversário foi o tradicional Legia Varsóvia mas, novamente, o Diavolo levou a melhor e seguiu na competição. Nas quartas, enfim, os duros duelos contra o Spartak Moscou.
O Spartak viveu um período de ascensão nos anos 1970. Os torcedores da equipe deram início ao hooliganismo dentro da União Soviética, com uma massa de fãs espalhados pelo país. Os gladiadores venceram dois Campeonatos Soviéticos na década anterior e, após o título da copa nacional, em 1971, buscavam na Recopa a primeira conquista internacional.
Vencer o ADO Den Haag não foi uma tarefa fácil e a classificação saiu após um difícil 1 a 0 na primeira partida e um empate sem gols no último jogo. Já a segunda eliminatória foi um teste de fogo, já que o Spartak enfrentaria o Atlético de Madrid da competição. Depois de superar os espanhóis graças ao número de tentos feitos fora de casa, num agregado de 5 a 5, os moscovitas encaravam o Milan.
A disputa
Em 1955, o Milan foi o primeiro time italiano a disputar uma partida de futebol na antiga União Soviética. Numa excursão, os rossoneri venceram o Dynamo Moscou de Lev Yashin por 4 a 2 e perderam por 3 a 0 para o Spartak de Sergei Salnikov e Igor Netto – este último, aliás, tinha antepassados itálicos, o que justificava seu sobrenome. Maldini estava presente nesta viagem e, 18 anos depois, competia à vera com os russos.
Devido ao clima gélido de Moscou em março, o Spartak levou a partida de ida das quartas de final da Recopa para Sochi, balneário de temperaturas amenas localizado às margens do Mar Negro, no sudoeste da Rússia. Diante de 12 mil torcedores e dos vários cartazes que rememoravam Lênin e a Revolução Bolchevique, afixados na parte superior das arquibancadas do estádio Central, o time italiano enfrentou uma retranca na etapa inicial e não soube aproveitar a chance que teve, com Alberto Bigon.
Com o incentivo de Maldini e de Nereo Rocco, precursor do catenaccio e diretor técnico rossonero, o Milan conseguiu um gol no segundo tempo. Aos 62 minutos, Romeo Benetti aproveitou o rebote em cabeçada de Bigon e balançou as redes. No restante da peleja, pouco aconteceu no castigado gramado do Central.
A segunda partida, por sua vez, foi bem diferente. Os mais de 25 mil torcedores que se dirigiram ao San Siro assistiram a um jogo equilibrado, decidido nos detalhes, e que arrancou suspiros logo nos primeiros minutos. Aos 2, Rivera tentou um cruzamento para Prati, que retornava após um mês lesionado, Gennady Logofet não conseguiu cortar corretamente e Bigon aproveitou para aumentar a vantagem na eliminatória. Porém, aos 7, Aleksandr Piskaryov igualou tudo depois uma triangulação.
O jogo era duro, mas Rivera, Benetti e Giuseppe Sabadini eram os melhores em campo. Antes da partida, Rocco havia dito que queria passar sem dificuldades, mas os russos não estavam dispostos a ceder aos caprichos italianos. Tanto é que, no primeiro tempo, Sergei Olshansky tirou tinta da trave rossonera e Valery Zenkov só não anotou por cobertura porque Rosato evitou.
No segundo tempo, o Spartak Moscou, que ainda estava no início da preparação física para a temporada, iniciada na primavera russa, cansou. O time visitante tentou se defender e foi eficaz. Nas boas chances dos rossoneri, com Benetti e Prati, o goleiro Yuri Darvin mostrou qualidade. Além disso, houve polêmica de arbitragem. Prati foi derrubado na área, mas o árbitro iugoslavo Milivoje Gugulovic não assinalou e deixou o jogo correr. No fim das contas, isso não impactou na classificação do Milan.
O caminho não era fácil, mas o Milan garantiu sua ida às semifinais. O desafio agora era outro: chegar à grande final e relembrar mais uma vez a força rossonera fora da Itália. Com o comando de Maldini e Rocco, experientes e identificados com o clube, a tarefa não era impossível.
Spartak Moscou 0-1 Milan
Spartak Moscou: Prokhorov; Logofet, Abramov, Olshansky, Kokorev, Lovchev; Minaev, Bulgakov, Redin, Khusainov (Mirzoev); Piskaryov. Técnico: Nikolay Gulyaev.
Milan: Belli; Anquilletti; Sabadini, Dolci, Schnellinger; Biasiolo, Sogliano, Benetti; Bigon, Rivera, Chiarugi (Golin). Técnico: Cesare Maldini.
Gol: Benetti (62’)
Árbitro: Jack Taylor (Inglaterra)
Local e data: estádio Central, Sochi (União Soviética), em 7 de março de 1973
Milan 1-1 Spartak Moscou
Milan: Belli; Zignoli; Sabadini, Dolci, Rosato; Chiarugi (Golin, Casone), Sogliano, Benetti, Bigon; Rivera; Prati. Técnico: Cesare Maldini.
Spartak Moscou: Darvin; Logofet, Bukievsky, Olshansky, Zenkov, Lovchev; Minaev, Bulgakov, Redin, Papaev; Piskaryov. Técnico: Nikolay Gulyaev.
Gols: Bigon (2’); Piskaryov (7’)
Árbitro: Milivoje Gugulovic (Iugoslávia)
Local e data: estádio San Siro, Milão (Itália), em 21 de março de 1973