Gianni De Biasi, Alberto Zaccheroni, Walter Novellino, Gian Piero Ventura e Sinisa Mihajlovic: o que eles têm em comum? Além de serem conhecidas figuras no futebol italiano, todos passaram pelo banco do Torino neste século e não tiveram muito sucesso em suas carreiras depois disso. A bem da verdade, a maioria deles simplesmente entrou num vórtice de decadência. São tantos os que tiveram o mesmo destino (quase 15 profissionais), que já podemos até mesmo desenhar uma tendência ou, se o leitor for supersticioso, falar numa maldição que ronda o clube do Piemonte. Mais recentemente, por exemplo, Ventura e Mihajlovic não tiveram um ano nada agradável em 2018.
O caso do sérvio é o mais estapafúrdio. Demitido em janeiro, após eliminação nas quartas de final da Coppa Italia para a Juventus, ficou seis meses sem trabalhar. Em junho, Sinisa fechou com o Sporting Lisboa, anunciado pelo então presidente Bruno de Carvalho. Contudo, o dirigente acabou expulso dos Leões por causa do caos administrativo da sua gestão e, por consequência, Miha teve o contrato anulado pela nova comissão apenas nove dias depois.
“Em trinta anos de carreira, nunca tinha acontecido uma coisa assim comigo. Vou lutar pelos meus direitos até o fim”, declarou o treinador à Gazzetta dello Sport. Mihajlovic recorreu ao TAS para receber uma compensação pelo contrato assinado previamente. Em outubro, disse à Sky que tinha rejeitado “duas ou três ofertas de clubes italianos”, porque queria treinar no exterior. “Estou um pouco cansado da Itália e talvez volte somente daqui cinco ou seis anos”, completou.
Ventura, por sua vez, simplesmente se tornou o homem mais odiado do Belpaese depois de deixar o Toro e passar pela seleção italiana, o que, em teoria, seria um salto em sua carreira. Treinador granata por cinco temporadas completas, Ventura foi um dos grandes responsáveis por trazer o clube de Turim de volta para a Serie A, após três anos de ausência. Além disso, construiu um time competitivo, que alcançou a classificação para a Liga Europa em 2014.
O genovês deixou o Piemonte no final da temporada 2015-16 como o terceiro treinador com mais partidas pelo Torino, após desgaste com o presidente Urbano Cairo e a oportunidade de assumir a Nazionale, que se revelaria pouco depois. Durante a preparação da Itália para a Eurocopa de 2016, foi anunciado que Ventura substituiria Antonio Conte como comissário técnico da seleção principal, sendo que esse último também já estava acertado com o Chelsea.
Gian Piero estreou com derrota em casa por 3 a 1 para a França, em amistoso, e nunca conseguiu fazer a Itália chegar perto do desempenho demonstrado sob as rédeas de seu antecessor. A Squadra Azzurra terminou em segundo lugar no seu grupo das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, perdendo o confronto direto para a Espanha, mas o pior ainda estava por vir.
A Nazionale perdeu fora de casa o primeiro jogo do play-off contra a Suécia. Apesar da pressão da imprensa e dos próprios jogadores sobre sua formação tática, Ventura permaneceu fiel às suas preferências, deixou Insigne no banco e empatou o jogo de volta por 0 a 0 no San Siro. Assim, fez a Itália ficar fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez em seis décadas. Mesmo com o fracasso, se recusou a pedir demissão e obrigou a federação a romper o seu contrato (que incluía uma gorda multa rescisória), em novembro de 2017.
Em enorme descrédito, Ventura não conseguiu um novo emprego por cerca de um ano. O primeiro clube que teve a coragem de contratá-lo, na verdade, o fez por puro desespero. Em outubro, o genovês assumiu o fraco Chievo, que fora punido em três pontos no início da Serie A por problemas administrativos e ocupava a lanterna da competição, com 1 ponto negativo.
O início da passagem do veterano foi um desastre: derrota em casa por 5 a 1 para a Atalanta, seguida de mais duas quedas, para Cagliari e Sassuolo. No último domingo, os veroneses empataram com o Bologna e conquistaram seu primeiro ponto com o técnico, finalmente “zerando” sua pontuação, após 12 rodadas. No entanto, Ventura anunciou aos jogadores que não seguiria no comando do time e, por iniciativa própria acertou a rescisão do vínculo. Sua passagem pelo Vêneto durou exatos 35 dias e foi duramente criticada pelo capitão Sergio Pellissier, em uma longa nota no Instagram. “Em 22 temporadas como profissional eu pensei já ter visto de tudo, mas tenho admitir que isso é novo. Ele queria sair daqui desde o primeiro dia. Não façam como Ventura”, disparou.
Mas Mihajlovic e Ventura são apenas os nomes mais recentes da longa lista de técnicos que tiveram carreiras enterradas após treinarem o Torino após a virada do século. Walter Novellino, por exemplo, acertou com o clube grená quando vivia seu melhor momento, em 2007. O campano, que chegou a morar no Brasil durante parte de sua infância, se notabilizou por ser um treinador especialista em acessos para a Serie A, feito que conquistou com Venezia (1998), Napoli (2000), Piacenza (2001) e Sampdoria (2003). Foi exatamente em Gênova que teve seu último grande trabalho, quando levou os blucerchiati em duas ocasiões para a Copa Uefa.
Novellino protagonizou péssima campanha na temporada 2007-08 e, com o rebaixamento batendo à porta, foi demitido após a 33ª rodada e substituído por Gianni De Biasi, em abril de 2008. O Torino conseguiu a salvezza e manteve o treinador, mas oito meses depois, Walter voltou para o banco granata para mais uma oportunidade – que acabou durando ainda menos tempo. Demitido em março, teve sua parcela de culpa no descenso da equipe.
A partir de então, sua carreira não decolou mais. Em uma década, Novellino passou por cinco clubes; só um na elite: o Palermo, por apenas quatro partidas. Se costumava permanecer por tempo razoável numa mesma agremiação, desde que deixou o Piemonte Walter só teve uma temporada completa num mesmo time. Foi a de 2013-14, na qual quase levou o Modena para a Serie A, mas parou no playoff para o Cesena.
Seu último trabalho aconteceu no Avellino, equipe da região em que nasceu. O treinador caiu em março, quando os irpini ocupavam a zona de rebaixamento para a Serie C. Hoje, os biancoverdi recomeçam da quarta divisão, após terem sua licença negada pela FIGC, enquanto o técnico está desempregado. Recentemente, Novellino definiu sua ida ao Torino como um erro. “O presidente [Riccardo] Garrone queria que eu ficasse na Samp, mas estava em busca de novos estímulos”, assumiu.
De Biasi, citado logo acima, teve três passagens pelo Torino entre 2005 e 2008. Conhecido pela campanha de acessos com o Modena, quando saiu da terceira divisão para a primeira em quatro anos, foi escolhido por Urbano Cairo como treinador do novo Torino, refundado em 2005. Com uma equipe montada em uma semana, subiu para a Serie A na mesma temporada, mas foi dispensado da disputa da elite em detrimento de Zaccheroni.
Seu substituto, contudo, não foi muito bem no returno e acabou demitido em fevereiro, dando lugar ao próprio De Biasi, que conseguiu a salvezza na penúltima rodada. O vêneto voltou a ser dispensado, dessa vez para dar espaço a Novellino, que sucumbiria tal qual Zaccheroni. Nesse meio tempo, Gianni teve um breve parêntese pelo Levante, que dirigiu entre outubro de 2007 e abril de 2008, saindo justamente para salvar os granata novamente. Confirmado para a temporada seguinte, durou 15 rodadas e novamente foi mandado embora.
De Biasi ficou pouco mais de um ano sem emprego, até que, em dezembro de 2009, teve seu último trabalho em um clube italiano: foram apenas três meses bastante negativos na Udinese. O treinador acabou virando comentarista da Mediaset Premium e só voltou à beira dos gramados no início de 2012, quando assumiu o comando da seleção principal da Albânia. Embora tenha optado por um mercado bastante alternativo, conseguiu classificar o país para a sua primeira Eurocopa, em 2016, o que lhe rendeu a cidadania honorária albanesa por méritos esportivos.
O respeito adquirido num país com menos tradição no futebol não era suficiente para De Biasi, que decidiu pedir demissão em junho de 2017, para se reposicionar no mercado de clubes da Europa. Naquele momento, a Albânia tinha bom desempenho nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, em um grupo com Espanha e Itália. Em setembro, acertou com o Alavés, mas amargou seis derrotas em oito partidas e logo foi demitido pelos bascos. De volta para a Itália, recebeu apenas sondagens infrutíferas de times da Serie A e preferiu permanecer na televisão, assumindo o posto de comentarista da seleção italiana nas transmissões da Rai.
Outro já citado, Zaccheroni chegou ao recém-promovido Torino em 2006, após dois anos sem trabalhar desde a saída da Inter. O treinador tinha no currículo uma classificação para a Copa Uefa com a Udinese, em 1998, e o scudetto do ano seguinte, pelo Milan. Zac foi contratado com otimismo por Cairo, mas não conseguiu dar sequência ao bom início de campeonato e foi demitido em fevereiro de 2007.
O romanholo retornou a Turim três anos depois, dessa vez para a rival Juventus, que vivia uma crise e só queria um nome experiente para finalizar a temporada de maneira positiva. Os juventinos ocuparam a terceira posição no primeiro turno, com Ciro Ferrara, mas haviam sido eliminados da Liga dos Campeões. As duas derrotas na abertura do returno, em janeiro, ocasionou a troca no comando. Zaccheroni, no entanto, piorou ainda mais a situação e foi o timoneiro de um barco sem rumo: a Velha Senhora caiu nas oitavas da Liga Europa com uma goleada por 4 a 1 para o Fulham e ficou apenas com a sétima posição na Serie A. Só ficou com a vaga na fase preliminar da mesma competição porque campeão e vice da Coppa Italia já estavam garantidos na Champions League.
Sem contrato após o final da temporada, Alberto foi convidado para treinar a seleção principal do Japão em agosto. Seu início de trabalho foi muito positivo na Ásia. Os Samurais Azuis ganharam os primeiros amistosos e conquistaram o título da Copa da Ásia de 2011, chegando a 19 jogos de invencibilidade, um recorde na história do país. Zaccheroni também ganhou outro título em 2013, a Copa da Ásia Oriental, e levou o Japão a uma classificação tranquila para a Copa do Mundo.
No Brasil, contudo, seu time fracassou duas vezes: perdeu os três compromissos na Copa das Confederações e, com um empate e duas derrotas no Mundial, ficou na lanterna de um grupo com Colômbia, Grécia e Costa do Marfim. Depois da demissão de Zaccheroni, o capitão Yasuhito Endo revelou que o italiano tinha dificuldade de se comunicar com o grupo, e quando não tinha seu intérprete, usava gestos, o que aconteceu por quatro anos.
A passagem pelo Japão só manteve as portas abertas para Zaccheroni na Ásia. O italiano ficou um ano e meio sem emprego até assumir o Beijing Guoan, mas só ficou quatro meses no clube chinês. Depois disso, Zac foi comentarista da Rai nos jogos da seleção italiana por um ano e, em outubro de 2017, novamente partiu para o continente asiático. Desde então é treinador dos Emirados Árabes Unidos, mas não tem um bom retrospecto.
Além dos cinco treinadores citados, o Torino teve outros 11 treinadores a partir dos anos 2000 – desconsiderando Walter Mazzarri, atualmente no cargo. Os únicos renomados deste grupo são Luigi Simoni e Renzo Ulivieri, que passaram pelo Toro já na fase final de suas respeitadas carreiras e, mais envelhecidos, estavam numa natural curva descendente. Os outros não chegaram a viver decadência depois da passagem pela agremiação grená pois já não eram muito relevantes – casos de Ezio Rossi, Giancarlo Camolese, Mario Beretta e Daniele Arrigoni. Um técnico, porém, representa a exceção que confirma a regra: só ele não foi designado ao limbo esportivo.
Estamos falando de Stefano Colantuono, que pegou o time na Serie B, em 2009. O treinador, que já tinha subido com a Atalanta, com o título da segundona três anos antes, e batido na trave com Catania e Perugia, tinha a missão de colocar os granata novamente na elite, mas falhou ao perder a final do playoff para o Brescia. O carequinha, então, optou por retornar para a Atalanta no final da temporada. Uma decisão que se mostraria acertada.
Em Bérgamo, Colantuono voltou a ser campeão da Serie B em 2011 e finalmente estabeleceu a equipe na elite, conquistando boas campanhas em 2012 e 2014. No seu quinto ano no clube, passou Emiliano Mondonico como treinador com mais partidas no banco da Dea, mas já estava desgastado com a diretoria e parte do elenco. Para piorar, o desempenho da equipe não foi o mesmo dos outros anos e, em março de 2015, quando a Atalanta se encontrava na 17ª posição, beirando a zona de rebaixamento, Colantuono foi demitido.
Depois disso, o treinador chegou a ser “promovido” para a Udinese, mas não foi bem no Friuli e foi demitido em março de 2016, mais uma vez próximo do descenso para a Serie B. Com espaço reduzido na elite por causa da ascensão de uma nova geração de profissionais, Colantuono precisou se contentar com um trabalho na segundona, num Bari cheio de problemas societários, e naturalmente não teve as melhores condições de trabalho. Em dezembro de 2017, começou a recuperar o terreno perdido na Salernitana, da mesma divisão.
Nos primeiros meses de clube, corrigiu os erros do antecessor, o inexpressivo Alberto Bollini, e conseguiu uma salvezza tranquila. Stefano seguiu no comando e ajudou a montar o elenco da equipe de Claudio Lotito, que também é presidente da Lazio e tem o ambicioso projeto de fazer o clube campano disputar a Serie A pela terceira vez em sua história. Após 12 rodadas do campeonato, os granata ocupam a terceira posição e estão na zona de playoffs. Sem dúvidas, Colantuono é o ex-comandante do Torino que vive melhor momento.
A bola da vez agora é Walter Mazzarri, que ainda tem pelo menos uma década como técnico pela frente e dificilmente a viverá inteiramente em Turim. No cargo desde janeiro, o experiente treinador toscano teve boas passagens por Livorno, Reggina e Sampdoria, até se consolidar no Napoli, que sob sua gestão voltou a figurar entre os mais importantes da Itália. No entanto, WM carrega uma aura negativa desde o trabalho sucessivo, na Inter.
Na temporada de debute pelo clube de Milão, Mazzarri conquistou um quinto lugar e falhou na missão de devolver o clube à Liga dos Campeões, especialmente por causa da queda de rendimento no final da temporada. A falta de fluidez do time nerazzurro se aprofundou na época seguinte e Walterino acabou demitido antes mesmo do fim do primeiro turno. Em maio de 2016, mudou de país, mas não de destino: na Inglaterra, voltou a fracassar. O italiano evitou a queda do Watford, com seis pontos de vantagem para os rebaixados, mas não teve o contrato renovado. Com este negativo retrospecto recente, chegou ao Torino.
Em 2014, Mazzarri lançou sua autobiografia, cujo título é “Il meglio deve ancora venire”. Ou seja, “O melhor ainda está por vir”. Desde então, porém, o sisudo comandante só acumula fracassos. Considerando o extenso histórico negativo que os seus antecessores tiveram depois de encerrarem seu vínculo com o Toro, talvez Walterino devesse esperar pelo pior.