Hoje em dia já não é novidade para ninguém quão grande é a importância de um estádio próprio. Na Itália, essa discussão ganhou ainda mais força com o sucesso do Allianz Stadium, que se mostrou um dos tantos fatores que consolidaram o retorno da Juventus ao topo do futebol italiano, como exemplo de organização dentro e fora dos gramados. Desde então, clubes como Udinese, Sassuolo, Atalanta e Frosinone construíram (ou compraram) as suas arenas e várias outras agremiações lançaram projetos.
Inter e Milan não estão alheios ao tema. Os últimos anos ficaram marcados por um período de desentendimento entre a dupla de Milão: os nerazzurri iniciaram estudos preliminares para uma reforma do San Siro e os rossoneri até lançaram um projeto de novo estádio no bairro Portello. Por causa de entraves com a prefeitura de Milão e do final caótico da gestão de Silvio Berlusconi, a ideia acabou não avançando. Mais recentemente, porém, os “cugini” voltaram a se aproximar, sob as ordens de novos gestores.
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A reaproximação trouxe efeitos quase imediatos até mesmo em outras áreas – como, por exemplo, uma parceria em conjunto com a Beretta, tradicional empresa italiana de carne processada, que fornecerá alimentos à dupla. Em relação ao Giuseppe Meazza, em novembro, os clubes chegaram a um consenso e optaram pelo desenvolvimento de um projeto compartilhado, conforme os comunicados publicados em seus sites oficiais – leia aqui e aqui.
O acordo firmado três meses atrás prevê que, seja qual for o plano (a reforma do estádio atual ou a construção de um novo), Inter e Milan o realizarão juntos. Uma terceira entidade que participa do debate é a Prefeitura de Milão, proprietária do San Siro, que por motivos burocráticos sempre ofereceu os maiores obstáculos para as obras na praça esportiva.
Neste momento, está em discussão a revisão do Piano di Governo del Territorio (PGT) do município, correspondente ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) vigente no Brasil. Atualmente estão previstas normas que impossibilitariam a expansão da área construída do San Siro com centros comerciais, como é o desejo dos clubes. Esta zona já é chamada informalmente de “quarto anel”, e diz respeito a um setor além dos três anéis (ou andares) do estádio, na parte externa, destinado para merchandising.
“Era o que esperávamos. A carta deles foi um ato importante, depois do acordo que firmaram alguns meses atrás. Os pedidos sobre o PGT me parecem normais para iniciar uma discussão. Podemos falar serenamente quando apresentarem o projeto e não vemos a hora de fazê-lo, porque Milão merece um grande estádio”, disse Pierfrancesco Maran, secretário de Planejamento Urbano da capital da Lombardia.
Embora o secretário pareça solícito, pequenos detalhes podem atrapalhar a finalização e a aprovação do projeto. Afinal de contas, qual o propósito de projetar algo que seria impossível de ser realizado, como o “quarto anel”? As modificações requisitadas no PGT também esbarram em divergências políticas, visto que a ala de centro-esquerda, que representa a situação do Conselho Municipal, exige maior prudência e cumprimento das normas do plano, enquanto a oposição não tem o mesmo posicionamento.
Em entrevista, Giuseppe Sala, prefeito de Milão, deu uma pista sobre o que pensa o paço municipal. “A bola segue no campo dos clubes nesse momento. Porém, saliento que estamos discutindo o novo PGT e que é claro que seria melhor esclarecer o mais rápido possível qualquer exigência que os clubes possam ter. Estamos aguardando deles pedidos que estejam dentro das regras. Seria importante que acelerassem”, declarou.
O que parece mais claro no momento é que a prefeitura está inclinada a conceder o Meazza aos clubes por 99 anos. Uma forma de agilizar o projeto, diminuir a burocracia nas construções e aumentar o faturamento dos cugini, que mesmo com recordes de público e renda continuam tendo prejuízo na sociedade responsável pela administração – o déficit vem diminuindo e foi de apenas 200 mil euros em 2018, mas ainda assim é um passivo para os clubes.
A manutenção da dupla em San Siro, nem que seja por meio de concessão, é um desejo do prefeito Sala, que já estava alinhado ao discurso da Inter. Na semana passada, porém, a dupla enviou à prefeitura uma carta confusa, na qual não formalizava a preferência pela reforma do San Siro ou pela construção de um novo estádio – esta última é uma ideia reforçada pelo Milan.
Paolo Scaroni, presidente do clube rossonero, foi enfático ao citar os planos de mudança de casa num futuro próximo. “Inter e Milan ainda não apresentaram um projeto para a Prefeitura de Milão, mas sim um planejamento do que esperamos, que vai muito além do estádio. Estamos levando em consideração tanto a reforma do San Siro quanto a demolição, ambas as opções têm prós e contras. Talvez a mais fácil seja construir um estádio novo do que reconstruir o atual”, defende.
Existiria até mesmo uma área pré-determinada: o hipódromo La Maura. A praça de competições equestres era uma das quatro famosas destinadas a estas atividades no bairro de San Siro e foi reinaugurada em 2015, mas atualmente está abandonada e à venda. O hipódromo fica a cerca de 2 quilômetros do Giuseppe Meazza e está mais próximo da linha 1 do metrô, sendo atendido pela estação Uruguay. Apesar da aparente proximidade entre os dois locais, uma eventual mudança deixaria obsoletas a linha 5 e a estação inaugurada quatro anos atrás, que visava atender especificamente o público do estádio – antes, era necessário saltar na praça Lotto e caminhar por cerca de 20 minutos.
As questões de infraestrutura já mostram que um plano que compreenda a mudança de casa se trata de um discurso muito mais complicado do que o de uma simples reforma. Encontrar terrenos extensos e em áreas adequadas para a construção de grandes empreendimentos é algo muito complicado nas metrópoles italianas e, mesmo que isso seja contornado e o antigo hipódromo venha a ser utilizado, isso não significa que a obra vá acontecer sem restrições.
Afinal, San Siro é um bairro extremamente residencial, com muitas áreas verdes, condomínios e pequenos prédios, com alguns poucos hotéis e lojas – que orbitam, principalmente, em torno do esporte e do turismo. Grosso modo, seria como projetar a construção de um novo estádio no Morumbi ou no Pacaembu, em São Paulo. Tais fatores tornam o licenciamento complicado, em termos urbanísticos e, por isso, o assunto nem mesmo está sendo discutido pelos políticos milaneses no momento.
“Na primeira vez em que você vê o estádio Giuseppe Meazza, é impossível não suspirar. Quando está iluminado, parece uma nave espacial aterrissada no subúrbio de Milão.”
The Times
Além dessas questões, é inegável a importância histórica e turística do San Siro para a cidade e também para os clubes, que estão diretamente associados ao estádio. Enquanto a Inter pensa em aproveitar essa ligação cultural e o fato de a arena e os clubes serem um dos principais símbolos de Milão, o Milan se preocupa com a burocracia que envolve a reforma da estrutura velha. Pensando no acordo firmado, precisam o quanto antes chegarem em um consenso quanto ao rumo a ser tomado.
Pensando em termos de reforma, a falta de espaço também atrapalha o projeto. Por exemplo, nos trabalhos de ampliação para a Copa do Mundo de 1990, quando construíram o terceiro andar e as torres, o setor laranja não sofreu modificações. O motivo foi por causa de um dos hipódromos do bairro, que fica localizado logo atrás do estádio, no oriente. A outra praça esportiva está separada do Meazza por apenas sete metros, pela extensão da via dei Piccolomini, próximo do Baretto 1957, ponto de encontro da Curva Nord.
De qualquer forma, a intenção seria justamente não utilizar mais o terceiro andar, ou pelo menos não como setor popular: a ampliação dos camarotes e a criação de áreas comerciais reduziria a capacidade e o impacto das obras. Hoje, San Siro abriga oficialmente 80.018 espectadores, mas na prática os lugares vendidos são no máximo 78.328; número atingido apenas em ocasiões especiais, como o Derby della Madonnina, o Derby d’Italia ou jogos da seleção italiana e da Liga dos Campeões.
Alessandro Antonello, diretor executivo corporativo da Inter, é um dos defensores da redução da capacidade do San Siro. Para ele, um estádio um pouco menor pode ser gerenciado de uma maneira mais profissional, de modo a oferecer ao torcedor uma melhor experiência. “Administrar o Meazza significa gerir uma final de Champions a cada semana. Demos algumas ideias e ainda devemos desenvolver o projeto. Queremos um [empreendimento] que garantirá uma estrutura à altura das outras grandes cidades. Estamos pensando em um capacidade reduzida, porque a média dos dois clubes é de 60 mil lugares e apenas cinco ou seis partidas no ano são lotadas. O que vale é o serviço oferecido e talvez seja preciso um estádio menor, mas mais confortável. O desafio é atrair o torcedor para passar o dia lá”, argumenta o CEO nerazzurro.
Para a área externa do San Siro, as inspirações de Antonello são a Amsterdam Arena e o Gillette Stadium. No caso do estádio da capital holandesa, hoje nomeado Johan Cruyff, em homenagem ao ídolo do clube, todo o bairro respira a estrutura, com diversos centros comerciais. No caso do estádio do New England Patriots, no meio de uma infinidade de estacionamentos está o Patriots Place, um prédio que reúne escritórios, restaurantes, cinema, hotel e museu.
Uma questão que ainda não foi levada à tona pelos envolvidos na questão do estádio é que, sendo o San Siro reformado, seria possível Inter e Milan continuarem mandando seus jogos no mesmo estádio por muito tempo? E com qual capacidade e conforto para os seus torcedores? O fato é que, na Lombardia, nenhum outro estádio tem condições para receber as equipes de Milão seguindo o padrão de quatro estrelas exigido pela Uefa nas suas competições. Ou seja: as únicas opções são o próprio Meazza ou um arena novinha em folha.
Os projetos dos outros clubes: a quantas andam?
A semana passada também foi marcada pelo otimismo da Roma quanto a seu projeto, após parecer favorável do Instituto Politécnico de Turim à viabilidade do novo estádio. Resistente à ideia, a prefeita da capital, Virginia Raggi, pediu um estudo sobre a arena em Tor di Valle, a zona 39 de Roma, escolhido como o lugar da construção. Dessa vez sem dar um prazo, o clube giallorosso falou com otimismo sobre o andamento do plano em 2019.
“O parecer do instituto foi uma confirmação de que o projeto do estádio está em sincronia com as escolhas mais modernas de uma infraestrutura como essa”, disse Mauro Baldissoni, vice-presidente da Roma. Segundo o cartola, o clube tem investido tempo e dinheiro para concretizar o seu planejamento e construir um estádio que seja exemplo de durabilidade no país. “Queremos dar à Roma uma das estruturas mais modernas possíveis, pensada para o futuro e que não esteja obsoleta antes de estar pronta. Tivemos mais uma confirmação de que não há temores sobre a mobilidade urbana. Agora precisamos definir os últimos detalhes técnicos e administrativos, e também precisamos da aprovação urbanística. Depois disso, entregaremos o projeto à região. Esperamos concluir o mais breve possível”, argumentou o diretor.
Inter, Milan e Roma não foram os únicos a pautar o assunto na Itália. Como reportado pelo jornal Il Secolo XIX , Sampdoria e Genoa avançaram no plano de renovação do Luigi Ferraris, que prevê principalmente mudanças nas tribunas. Entre as alterações, teremos a modernização dos camarotes e a relocação da área utilizada pela imprensa, além de reformas nos vestiários, banheiros e outras áreas, com um custo de 35 a 40 milhões de euros.
Um pouco mais ao sul da Bota, o Cagliari também pode apresentar novidades em breve. O maior time sardo joga atualmente na Sardegna Arena, montada provisoriamente no estacionamento do Sant’Elia com as arquibancadas móveis do antigo estádio, que será demolido. O clube recebeu outro parecer positivo para o seu projeto de arena. Na última versão do plano de construção de sua nova casa, foi incluída a ampliação da capacidade prevista no primeiro desenho: agora a praça esportiva terá 30 mil lugares, no caso de a Itália sediar a Eurocopa de 2028. Falta a aprovação do conselho municipal e da prefeitura.
Em janeiro, o Bologna apresentou um projeto bastante original para a modernização do histórico Renato Dall’Ara, sede dos Mundiais de 1934 e 1990. A renovação prevê a redução de sua capacidade para 27 mil lugares, além de cobertura e melhorias gerais na estrutura, sem abrir mão das características do estádio – como a Torre Maratona, um dos patrimônios arquitetônicos da cidade. A previsão otimista é de que esteja pronto em cinco anos, numa inédita iniciativa de parceria público-privada no futebol italiano.
Tal otimismo também é compartilhado pela Atalanta, que recebeu há alguns meses a aprovação da prefeitura de Bérgamo para a reforma do Atleti Azzurri d’Italia – que, desde o verão europeu de 2017, entrou para a lista de estádios privados do país ao ser adquirido pelo clube nerazzurro. Segundo o presidente da agremiação, Antonio Percassi, os trabalhos serão iniciados em maio. A obra está dividida em três momentos, começando pela renovação da Curva Nord no final da temporada. A entrega do estádio completamente renovado está prevista para 2021, com custos calculados em até 35 milhões de euros.
Em Florença e Nápoles, porém, as coisas ainda estão no “se”. Em dezembro, o prefeito da capital toscana falou que “se a prefeitura e a Fiorentina andaram avante rapidamente, e tudo sair bem, poderemos ter o novo estádio de Florença pronto em 2023”, mas a verdade é que o projeto do belíssimo e moderno estádio para o berço do Renascimento, lançado em 2017, avançou pouco desde então.
No momento, os técnicos da prefeitura estão avaliando a viabilidade do projeto, que depende de uma série de processos. O estádio da Fiorentina será construído no Mercafir, vizinho ao aeroporto Américo Vespúcio. Para tanto, haverá a necessidade de transferir o principal mercado de hortifrutigranjeiros de Florença e, depois disso, será feita uma nova pista do aeroporto e, só então, a nova arena. Portanto, são quatro atores envolvidos: prefeitura, aeroporto, mercado e o clube.
O Napoli, por sua vez, enfrenta uma dura queda de braço com a burocracia. Ainda assim, o clube recentemente chegou a um entendimento com a prefeitura para quitar os débitos e firmar um novo acordo para a concessão do San Paolo. O novo contrato deve ter duração maior, o que permitirá novas intervenções na velha estrutura de Fuorigrotta. A passos de formiguinha, porém, algo vai mudando no panorama esportivo italiano.
Imagino que, mesmo uma reforma, duraria ao menos uns 2 ou 3 anos, já que se fala de uma modernização radical. No caso do projeto sair do papel – independente de reforma ou nova construção -, em que local os clubes de Milão jogariam?
Provavelmente em San Siro mesmo! O Friuli foi inteiramente reformado (virou outro estádio) e a Udinese continuou jogando nele. 🙂
Isso seria ótimo, Old Trafford também fez isso há uns 10 anos. Mas e se a solução for um novo? Outra coisa que também não entendi direito foi o modelo. Claro que são estádios sensacionais, mas não faria mais sentido ser a Allianz Arena? Também dois clubes, “caracterizado” com as cores do que estiver jogando no dia, 5 estrelas também…
Passado um ano da postagem e quase nada andou, apenas o estádio da Atalanta está andando com a inauguração da Curva Nord e reforma das tribunas, a Curva Sud vai demandar mais trabalho por ter em sua estrutura um estacionamento subterrâneo.
Interessante notar que estamos vendo os clubes na Itália falando sempre em projetos viáveis economicamente, de acordo com a necessidade de cada um. Impossível não comparar com realidades dissonantes vistas aqui no Brasil.