Brasileiros no calcio

O amor do brasileiro Germano por uma condessa italiana custou sua estadia no Milan

Vale a pena arriscar seu trabalho em prol de um amor irreal? Pois o já falecido Germano, que jogou pelo Milan nos anos 1960, o fez. Quando deixou o Flamengo e acertou com o clube milanês, o ponta-esquerda laçou o coração da condessa italiana Giovanna Agusta. Porém, a poderosa família da jovem foi contra o relacionamento dos pombinhos e usou de sua influência para fazer pressão junto à diretoria rossonera a fim de que o brasileiro deixasse a Itália.

Natural de Conselheiro Pena, interior de Minas Gerais, Germano viajou ao Rio de Janeiro e, aos 16 anos, ingressou às categorias de base do Rubro-Negro carioca, em 1958. Rápido, driblador e dono de ótimo arremate, destacou-se na Gávea e não demorou para chegar aos profissionais. No time principal, ele tinha a ingrata tarefa de disputar posição com o baixinho Babá, titular absoluto da ponta canhota. Adaptado ao clube, Germano arranjou uma vaga para seu irmão mais novo, Fio Maravilha, na Gávea. Outro mano da dupla, o ponta de lança Michila, também defendeu o Mengão.

O talentoso Germano soltou seu primeiro grito de campeão em 1961. Atuando pelo flanco esquerdo no 4-2-4 do técnico Fleitas Solich, foi titular na campanha que culminou na conquista do Torneio Rio-São Paulo, com o time rubro-negro derrotando o Corinthians por 2 a 0, na final realizada no Maracanã. Na trajetória até a decisão, eles haviam enfiado 5 a 1 no Santos de Pelé.

Em 1962, o nome de Germano esteve na pré-lista da seleção brasileira para a Copa do Mundo daquele ano, no Chile. Embora estivesse em grande fase, o jogador atuava na mesma posição de Zagallo e Pepe, atletas tarimbados na Canarinho. Por isso, acabou cortado pelo comandante Aymoré Moreira às vésperas do Mundial. Antes disso, vale salientar, ele foi medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos de 1959, com a seleção olímpica.

No entanto, o ponta de apenas 20 anos não teve tempo para lamentações. É que no mesmo dia do corte, o Milan o comprou junto ao Flamengo numa transação milionária. À época, o Diavolo desembolsou 65 milhões de cruzeiros e fez de Germano um dos jogadores mais caros do planeta. O atleta ainda ganharia 15 milhões de cruzeiros pelo contrato assinado com os rossoneri. A CBD – Confederação Brasileira de Desportos – também lucrou com a transação, embolsando 1 milhão de cruzeiros devido à cota fixada para transferência de jogador da seleção canarinho.

Germano vestiu a camisa do Milan pouquíssimas vezes (Wikipédia)

Pedido do icônico treinador Nereo Rocco após este receber recomendações de Dino Sani, Germano desembarcou em Milão no final de agosto de 1962 e se tornou o primeiro jogador negro a vestir a camisa rossonera. Estreou pela nova equipe em 9 de setembro, na vitória por 1 a 0 sobre o Parma, fora de casa, valendo pela Coppa Italia. Três dias depois, entrou em campo novamente, dessa vez contra o Union Luxembourg (hoje Racing FC Union Luxembourg) pela Copa dos Campeões, e marcou um dos gols da impiedosa goleada por 8 a 0. O jogo seguinte de Germano com a camisa rubro-negra foi ainda mais especial, pois ele anotou uma doppietta em seu primeiro jogo no San Siro – empate em 3 a 3 com o Venezia.

Três gols em cinco jogos: um início muito bom pelo time milanês. Não por acaso havia caído nas graças da torcida. No entanto, a diretoria da agremiação decidiu, em novembro, cedê-lo por empréstimo ao Genoa até o fim da temporada. Assim, o ponta não participou da segunda fase da Copa dos Campeões, pela qual o Milan fez uma grande campanha e conquistou sua primeira orelhuda.

No Genoa, que por um ponto se salvou do rebaixamento à Serie B, o brasileiro disputou 12 partidas e balançou as redes duas vezes. Retornou ao Milan na temporada seguinte, mas demorou a entrar em campo porque quebrou a mandíbula após sofrer um acidente de carro. Enquanto isso, o jogador ganhava as capas de jornais e revistas da Itália. Ele estava namorando com a condessa Giovanna Agusta, herdeira de Domenico Agusta, um rico empreendedor da indústria aeronáutica.

O conde Agusta, patriarca de uma família rica, convencida e intolerante, se mostrou totalmente contra o relacionamento dos dois. Ele insistiu de todas as formas para que a sua Giovanna largasse o brasileiro – primeiro negro que ela havia visto na vida –, mas a moça estava perdidamente apaixonada. “Eu sempre preferi os negros aos brancos. Eu encontrei nele um algo mais, como uma bondade superior à minha e, em primeiro lugar, uma história de amor”, dizia a condessa às revistas de celebridades da época.

O pai de Giovanna, contudo, estava disposto a fazer de tudo para que o namoro dos dois não se transformasse em casamento. Por isso, o conde pressionou a diretoria do Milan a se livrar do ponta. Assim, no início de 1965, o clube italiano o emprestou ao Palmeiras, embora Germano tenha relutado e tentado melar o negócio. O tiro de Domenico Agusta, entretanto, sairia pela culatra.

Raro registro: Germano, no Genoa, encontra Jair, da Inter (Archivio Farabola)

Germano chegou ao Verdão e revezou a camisa 11 – naquela época, os jogadores não tinham números fixos – com Rinaldo. Embora tenha ficado mais de um ano no time alviverde, o ponta não teve uma passagem de destaque pelo Palmeiras. Ganhou o Campeonato Paulista de 1966, disputou 38 partidas e marcou somente seis gols. Um dos melhores momentos dele pela equipe foi no segundo dos quatro jogos inaugurais do Mineirão, casa de Atlético-MG e Cruzeiro, em setembro de 1965. O Palmeiras representou a seleção brasileira e venceu o Uruguai por 3 a 0. Germano entrou no decorrer do embate e anotou um dos tentos.

Em 1966, o mineiro deixou o Palmeiras e fechou contrato com o Standard Liège, da Bélgica. Lá, ganhou duas vezes a Copa da Bélgica (1966 e 1967) e, principalmente, se reencontrou com Giovanna: a condessa se rebelou contra o pai e viajou escondida para Liège, o que gerou um escândalo ainda maior na high society de Milão e da Itália. Eram tempos em que, nos Estados Unidos, a população negra reivindicava por seus direitos, e nos quais ideais libertários também reverberavam na Europa. De forma inesperada, Germano se via como símbolo de mudanças na sociedade italiana – que era ainda mais racista do que atualmente.

Pressionado pelo burburinho da elite, Domenico Agusta concordou com o casamento civil, impondo uma condição: o matrimônio religioso só poderia acontecer dois anos depois. O conde, no entanto, voltou atrás e tentou impedir a união através de uma ação judicial, que se arrastou por meses. Foi aí que, em junho de 1967, Germano e Giovanna anunciaram que ela estava grávida: não tinha mais jeito, o casamento teria de acontecer. Dois anos depois de sua chegada à Bélgica, o ponta pendurou as chuteiras, com apenas 26 anos. Ele continuou no país até 1970, quando se divorciou da condessa. Ela e a filha, Giovana Clara Maria Germano, a Lulu, se mudaram para Los Angeles, nos Estados Unidos.

Após a separação, Giovanna casou-se novamente, dessa vez com um empresário asiático. O gestor, no entanto, se envolveu em um escândalo financeiro, o que levou a um novo divórcio. Posteriormente, ela se apaixonou por um médico negro, cuja especialidade era tratar de crianças deficientes. Germano, por sua vez, voltou à sua terra natal em 1970 e comprou uma fazenda com o dinheiro recebido do pai de sua ex-esposa. Também teve um segundo matrimônio, com Bernardina, e mais dois filhos: Ingrid e José Germano.

O ex-jogador até foi convidado para retornar ao futebol, mas não quis trocar a tranquilidade de Conselheiro Pena, no vale do Rio Doce, pelos holofotes do mundo esportivo. Assim foi até o dia 4 de outubro de 1997, quando Germano não resistiu a um infarto e morreu, aos 55 anos.

José Germano de Sales
Nascimento: 25 de março de 1942, em Conselheiro Pena (MG)
Morte: 4 de outubro de 1997, em Conselheiro Pena (MG)
Posição: ponta-esquerda
Clubes: Flamengo (1959-62), Milan (1962 e 1963-65), Genoa (1962-63), Palmeiras (1965-66) e Standard Liège (1966-68)
Títulos: Torneio Rio-São Paulo (1961 e 1965), Torneio Octogonal de Verão (1961), Troféu Magalhães Pinto (1961), Copa dos Campeões (1963), Taça Independência (1965), Torneio Quadrangular João Havelange (1966), Taça Cidade de Curitiba (1966) e Copa da Bélgica (1966 e 1967)
Seleção brasileira: 11 jogos e um gol

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1 Comentário

  • Bela história de amor com futebol show rsrs, eu sou torcedor da Vecchia Signora na Itália desde a temporada 88/89 e conheço um pouco do futebol Italiano rsrs, se vcs quiserem uma ajuda em alguns assuntos sobre o Calcio me disponho a ajudar segue meu e-mail: olavocunha43@gmail.com
    Me encontro a disposição é até mais, há e parabéns pelo belo trabalho de vocês sobre o Calcio.

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