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Pierre Womé marcou época por Camarões, mas não deixou saudades na Itália

Existem certos jogadores que ficam marcados no imaginário do torcedor pelas suas aventuras em competições de seleções – e nem tanto pelas suas passagens por clubes. E, de vez em quando, em países que não têm um histórico tão pujante no futebol, surge uma geração de ouro, como a “ótima belga”. Um atleta que viveu esses dois universos ao mesmo tempo foi Pierre Womé. O lateral-esquerdo teve tímidas atuações por Roma e Inter, sem deixar saudades, porém foi peça importante da equipe mais vencedora já produzida por Camarões.

Womé foi um verdadeiro andarilho da bola, a ponto de ter 17 clubes em seu currículo. O lateral começou sua carreira em seu próprio país, após passar pelas categorias de base do Fogape e, depois, acertar pelo Canon Yaoundé, um dos mais vencedores times de Camarões.

Integrante da seleção camaronesa desde 1995, ano em que disputou o Mundial Sub-20 e foi elevado à equipe principal dos Leões Indomáveis, Womé teve a chance de se profissionalizar após disputar a Copa Africana de Nações de 1996 ao lado de nomes como William Andem, Rigobert Song, Marc-Vivien Foé e François Oman-Biyik. Notado pelo Vicenza, da Itália, foi contratado durante a temporada 1996-97.

A sua primeira experiência no futebol italiano durou pouco – apenas três jogos. Apesar disso, Womé pode fazer parte do grupo vencedor da histórica Coppa Italia de 1997, treinado por Francesco Guidolin. Na ocasião, os berici superaram o Napoli de André Cruz, Caio Ribeiro, Beto, Roberto Ayala e Alain Boghossian na final.

Na temporada seguinte, Womé se transferiu para o Lucchese, da Serie B, e conseguiu a sua primeira boa sequência na Itália. No histórico clube da Toscana, somou 25 jogos e dois gols, sendo um dos responsáveis por manter os rossoneri na mesma divisão.

Ainda garoto, Womé teve uma experiência na Roma de Zeman (Allstar/imago)

Durante a temporada, disputou a sua segunda Copa Africana de Nações, em 1998, e ajudou Camarões a fazer uma campanha melhor do que a da edição anterior, na qual a seleção foi eliminada na fase de grupos. Reforçados por Jacques Songo’o, Geremi, Salomon Olembé e Patrick Mboma, os camaroneses foram até as quartas de final, quando foram eliminados pela República Democrática do Congo.

O jovem lateral conseguiu manter o seu lugar na seleção e foi convocado para disputar a Copa do Mundo de 1998, na França. Camarões caiu em um grupo com Itália, Chile e Áustria, e acabou ficando na última posição. Os Leões Indomáveis empataram os dois jogos contra os adversários mais acessíveis e levaram 3 a 0 da Squadra Azzurra. Womé foi titular nos três compromissos da equipe, que pode contar, pela primeira vez, com Samuel Eto’o e Lauren.

Aos 20 anos, com duas Copas Africanas de Nações e uma Copa do Mundo no currículo, Womé teve a sua primeira oportunidade de representar uma grande equipe. No verão de 1998, foi comprado em copropriedade por Roma e Bologna, se transferindo para a capital italiana. Na Loba, o lateral dividiu o vestiário com grandes craques, como Francesco Totti, Aldair e Cafu, e foi treinado pelo excêntrico Zdenek Zeman.

Ao longo da temporada 1998-99, o técnico checo não se furtou a mostrar sua característica inventividade a Womé: utilizou o camaronês diversas vezes como zagueiro. Alternando entre a lateral esquerda e o centro da defesa, Pierre participou de 17 jogos ao longo do ano, nos quais somou pouco mais de 1200 minutos e três assistências. A Roma foi quinta colocada da Serie A e foi eliminada nas quartas de final da Copa Uefa e nas oitavas da Coppa Italia.

Em 1999-2000, como consequência do acordo feito com a Roma, o Bologna pagou 1,5 milhão de euros e reforçou a sua lateral esquerda com Womé. Dessa vez, o africano aportava num time com objetivos mais modestos: não sofrer sustos na Serie A e tentar beliscar uma vaga na Copa Uefa.

O Bologna foi o time italiano pelo qual Womé mais atuou: 56 aparições em três anos (imago)

Com Gianluca Pagliuca, Giuseppe Signori, Zé Elias, Klas Ingesson, Igor Kolyvanov e Giancarlo Marocchi no elenco, o Bologna começou mal a temporada e fez uma tímida campanha de recuperação na Serie A, sob as ordens de Guidolin, que fora técnico de Womé no Vicenza. Os rossoblù terminaram na 11ª posição no Campeonato Italiano e foram precocemente eliminados na Coppa Italia e na Copa Uefa.

Reserva, Pierre jogou pouco na temporada – somou 20 partidas e um gol marcado. Durante parte do ano, porém, brilhou por seu país. Em 2000, disputou a Copa Africana de Nações e a Olimpíada de Sydney, ajudando Camarões a ser campeão das duas competições de forma histórica. Em ambas, nas disputas de pênaltis.

Mantendo a espinha dorsal com Womé e Lauren na defesa, Geremi, Olembé e Eto’o no meio e no ataque, a equipe criou um coletivo muito forte. Na Copa Africana de Nações, os Leões Indomáveis ainda puderam contar com os veteranos Song, Foé e Mboma, enquanto em Sydney, na Austrália, tiveram, pela primeira vez, Carlos Kameni no grupo. A sequência de duas grandes gerações, com grandes jogadores em todos os setores do campo, possibilitou resultados gigantes para um país que sempre revelou atletas de alto nível.

Na Copa Africana de Nações, Camarões caiu em um grupo difícil, com Costa do Marfim, Togo e Gana, uma das anfitriões. Todas as concorrentes empataram por pontos, mas, por conta do saldo de gols, a seleção camaronesa ficou em primeiro lugar. Os Leões Indomáveis venceram Argélia e Tunísia nas quartas e nas semifinais, respectivamente, até encararem a outra dona da casa na decisão. Depois de empate por 2 a 2 com a poderosa Nigéria de Celestine Babayaro, Taribo West, Finidi George, Jay-Jay Okocha, Sunday Oliseh, Victor Ikpeba e Nwankwo Kanu, a peleja foi resolvida nos pênaltis. Womé converteu o seu e a equipe tricolor ficou com o tricampeonato.

Para a disputa da Olimpíada, em setembro de 2000, a equipe camaronesa contou com apenas dois jogadores mais velhos: o atacante Mboma e o zagueiro Serge Mimpo. Depois de passar na fase de grupos com Kuwait, Estados Unidos e Chéquia, Camarões lançou Kameni, de 16 anos, como goleiro titular no mata-mata. De cara, os Leões Indomáveis conseguiram bater, com dois homens a menos, o forte Brasil de Ronaldinho, Lúcio, Alex, Athirson, Fábio Aurélio e Helton – na prorrogação, com gol de ouro.

De volta à Itália, o camaronês conseguiu recuperar a forma no rebaixado Brescia (imago/Buzzi)

Na semifinal, o Chile foi eliminado de virada e, na finalíssima, os Leões Indomáveis novamente superaram um rival de talento inquestionável: a Espanha de Xavi, Carles Puyol, Joan Capdevila, David Albelda, Miguel Ángel Angulo, Carlos Marchena e Raúl Tamudo. Após empate por 2 a 2, a medalha de ouro acabou decidida nos pênaltis e a bola definitiva caiu nos pés de Womé. Pierre só deslocou o goleiro Daniel Aranzubia e correu para o abraço, já na condição de herói nacional. Nos Jogos Olímpicos, Camarões jamais havia atingido o lugar mais alto do pódio em qualquer esporte.

De volta ao Bologna, o lateral voltou a jogar 20 partidas, porém foi titular durante a maior parte da temporada 2000-01 – a sua melhor no futebol italiano, com direito a uma assistência e um gol em vitórias sobre Milan e Napoli, respectivamente. Os rossoblù ficaram no meio da tabela da Serie A outra vez e, na época seguinte, Womé acabou perdendo a posição para Massimo Tarantino e, depois de um sétimo lugar e 56 presenças totalizadas pelos felsinei, mudaria de ares.

Antes, viveu outro bom ano pelos Leões Indomáveis. Em 2002, Camarões não só defendeu o seu título na Copa Africana de Nações como conseguiu o bis – outra vez nos pênaltis. Nessa circunstância, chegou com 100% de aproveitamento até a decisão com Senegal e, após 0 a 0 na peleja, Womé começaria a série de penalidades. Ele desperdiçou a sua cobrança, mas não fez diferença. Meses mais tarde, Pierre disputou sua última competição expressiva pela seleção: a Copa do Mundo. Os africanos tinham chance de passar de grupo, mas ficaram à frente apenas da Arábia Saudita e, chupando dedo, viram Alemanha e Irlanda avançarem às oitavas.

Após a Copa, Womé passou um biênio longe da Itália, sendo uma peça de rotação de elenco de Fulham e Espanyol. O camaronês escapou do rebaixamento na Premier League e em La Liga, mas não teve a mesma sorte em 2004-05, quando retornou para a Velha Bota, ao assinar pelo Brescia. Pierre ficou fora de ação por mais da metade da temporada e, nas 16 partidas que realizou, sempre coo titular, se destacou por ter marcado gols nos empates com Milan, Palermo e Roma. Tentos que não impediram os lombardos de ficarem na penúltima posição e amargarem a queda para a Serie B.

Não obstante tenha integrado um plantel de rebaixados, o lateral acabou vendo a Inter se interessar pelo seu futebol. Apesar de ainda ter 26 anos, já poderia ser considerado um atleta de muita experiência e o seu perfil agradava a Roberto Mancini, que o utilizou como reserva do veterano Giuseppe Favalli.

Womé recebeu chance surpreendente na Inter e levantou três taças pela equipe de Milão (imago/IPA Photo)

Aquela equipe da Inter ficou no imaginário do torcedor que jogou o Winning Eleven 9 e acabou se sagrando vitoriosa na Supercopa Italiana, na Coppa Italia e, principalmente, na Serie A – cujo título foi dado aos nerazzurri após o envolvimento de Juventus e Milan no escândalo Calciopoli. Womé participou de todas as competições e somou 26 aparições em uma temporada repleta de glórias. Porém, acabou sofrendo um grande baque no início do ano, pela seleção camaronesa.

Nas eliminatórias para a Copa de 2006, Camarões precisava vencer o Egito para se classificar. O jogo estava empatado em 1 a 1 até que o juiz marcou um pênalti para os Leões Indomáveis e a responsabilidade caiu nos pés de Womé, que já havia convertido cobranças importantes. Dessa vez, Pierre desperdiçou a chance e os camaroneses terminaram fora do Mundial por conta de um pontinho – Costa do Marfim ficou na liderança do grupo e pode estrear no torneio planetário.

A casa de Womé foi invadida por torcedores revoltados, que quebraram o seu carro. A família do jogador precisou ser escoltada para não sofrer agressões. Pierre afirmou que nenhum colega quis bater o pênalti (inclusive Eto’o) e que, por isso, ele foi para a cobrança. Porém, companheiros disseram que o lateral havia pedido para bater. De qualquer forma, o baque foi muito grande para a sua carreira e praticamente encerrou sua jornada pela seleção. Ele chegou a anunciar a aposentadoria, mas a reconsiderou nos anos seguintes, quando recebeu apenas quatro convocações – espaçadas entre 2009 e 2013.

No verão de 2006, o lateral deixou a Inter e foi para o futebol alemão, no qual brilhou no Werder Bremen, em 2006-07. Titular na esquerda, dividiu o campo com Miroslav Klose, Torsten Frings e Diego, além de ter vencido uma Copa da Liga. Só que a grande sequência não foi continuada, visto que praticamente não jogou na temporada seguinte.

Entre 2008 e 2010, Womé emprestou alguma utilidade ao Köln, último time relevante de sua passagem pela Europa. Aos 31 anos, intensificou sua peregrinação pelo planeta e vestiu as camisas de Sapins, do Gabão; Coton Sport, Canon Yaoundé (de novo), UMS de Loum e Renaissance de Ngoumou, de Camarões; além de Chambly e Roye-Noyon, das divisões amadoras da França. Lá, encerrou a sua carreira aos 37. Uma trajetória fulminante pelos Leões Indomáveis que jamais foi repetida em clubes.

Pierre Nlend Womé
Nascimento: 26 de março de 1979, em Douala, Camarões
Posição: lateral-esquerdo
Clubes: Canon Yaoundé (1994-96 e 2012-14), Vicenza (1996-97), Lucchese (1997-98), Roma (1998-99), Bologna (1999-2002), Fulham (2002-03), Espanyol (2003-04), Brescia (2004-05), Inter (2005-06), Werder Bremen (2006-08), Köln (2008-10), Sapins (2011-12), Coton Sport (2012), UMS de Loum (2014), Renaissance de Ngoumou (2014), Chambly (2014-15) e Roye-Noyon (2015-16)
Títulos: Coppa Italia (1997 e 2006), Copa Africana de Nações (2000 e 2002), Ouro Olímpico (2000), Copa Intertoto (2002), Serie A (2006), Supercopa Italiana (2005) e Copa da Liga Alemã (2006)
Seleção camaronesa: 70 jogos e 1 gol

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