Serie A

O ‘professor’ Thiago Motta chega ao Genoa: dissecamos seus conceitos táticos e o tal 2-7-2

Um dos principais volantes da sua geração, protagonista no triplete da Inter em 2010 e com passagens vencedoras por Barcelona e Paris Saint-Germain, Thiago Motta seguiu o caminho que todos imaginavam que trilharia quando viam sua qualidade para interpretar o jogo. Agora terá, talvez, o maior desafio da sua carreira, ou pelo menos o primeiro na sua vida como treinador profissional: depois de breve passagem pelo sub-19 do PSG, tentará recuperar e livrar o Genoa da Serie B.

Doze anos atrás, os grifoni subiram para a elite do futebol italiano juntamente com Juventus e Napoli e, desde então, sempre conseguiram a permanência. O clube já passou por outros momentos difíceis no período, mas a campanha da atual temporada assusta: em oito rodadas, o time sofreu cinco derrotas e somou cinco pontos, com apenas uma vitória conquistada ainda na segunda rodada sobre a Fiorentina. Foram 20 gols sofridos até o momento.

O péssimo desempenho custou o trabalho de Aurelio Andreazzoli, demitido após três derrotas seguidas e seis jogos sem vitórias. O treinador, que na última partida viu seu time ser goleado por 5 a 1 para o Parma, destacou que, em sua avaliação, o Genoa pontuou menos do que merecia. “Estou no futebol há muitos anos e certas situações levam a certas decisões. Porém, isso não está sob o meu controle. Com certeza cometi erros, talvez esperávamos muito dessa equipe em virtude das atuações na pré-temporada, mas também colhemos muito menos do que merecíamos”, disse ao deixar o comando. Goran Pandev, experiente jogador e um dos líderes do elenco, ressaltou que a equipe não conseguiu colocar em campo o que era desenvolvido nos treinamentos.

É com esse legado que Thiago Motta assume o Genoa, clube em que teve uma curta passagem dez anos atrás. A estadia, porém, foi muito frutífera. Sob o comando de Gian Piero Gasperini – a quem credita como o melhor treinador que teve na carreira –, o ítalo-brasileiro ajudou os rossoblù a se classificarem para a Liga Europa e ficarem a apenas um pontinho de uma vaga na Champions League. Dali, o brasileiro assinou com a Inter, foi importante para a Tríplice Coroa e ganhou a oportunidade de defender a Itália.

Sobre seu retorno a Gênova, Thiago garantiu que “bastou uma troca de olhares com [Enrico] Preziosi” para acertar o contrato. “Nos conhecemos perfeitamente. E o agradeço por esta oportunidade”, declarou o ex-volante, enquanto exaltava a boa relação que tem com o presidente do Genoa. Foi na Ligúria que tudo começou a mudar na sua vida. “Quando era jogador, tive um passado muito difícil pelas lesões que sofri no Atlético de Madrid. Meu momento mudou quando cheguei no Genoa, onde de imediato me encontrei muito bem. Agora chego com muita vontade de treinar e mudar esta situação”, afirmou.

Como jogador, Thiago Motta teve um ano brilhante no Genoa e conseguiu recuperar sua carreira (AFP/Getty)

Brasileiro de São Bernardo do Campo, naturalizado italiano e com 30 aparições pelos azzurri, Thiago Motta terá no Genoa seu primeiro trabalho com uma equipe profissional, aos 37 anos. Logo após ter encerrado a carreira como jogador, assumiu o comando do time sub-19 do PSG por apenas uma temporada. Sem grandes resultados, não avançou para a fase final do Campeonato Francês da categoria e ficou pelo caminho na repescagem da Youth League, a Liga dos Campeões júnior.

Sem clube desde a saída em junho, o ex-volante obteve a licença Uefa A em setembro do ano passado, numa classe que tinha figuras como Andrea Pirlo, Gabriel Batistuta, Daniele Bonera, Paolo Cannavaro, José Chamot, Matteo Contini, Alberto Gilardino, Paolo Montero e Matuzalém. Para treinar na Serie A, contudo, é necessário a habilitação Uefa Pro, curso que Motta está finalizando em Coverciano. A diretoria grifone já entrou com um recurso para que o ítalo-brasileiro possa ficar à beira do gramado sem a necessidade de um “tutor”.

Como Thiago não tem uma longa carreira como técnico, o que realmente chamou atenção até agora foi uma entrevista concedida à Gazzetta dello Sport, um ano atrás. Na época, entre outras ideias que expôs, Thiago Motta destacou que joga no esquema tático 2-7-2. A declaração pegou muitos de surpresa e acabou sendo mal interpretada. Afinal, na verdade o ítalo-brasileiro tentou demonstrar que os números que identificam um sistema pouco importam – posição que reforçou na sua apresentação no Genoa.

“Cada um interpreta da maneira que quiser. Eu apenas quis tirar a importância dos números”, afirmou o treinador, que explica a formação de forma vertical, não horizontalmente, como tradicionalmente acontece no futebol. Seu 2-7-2, na prática, nada mais é do que um 4-3-3, em que inclui o goleiro na organização. No caso, dois jogadores no corredor direito, sete no centro e outros dois na esquerda.

“Eu conto o goleiro entre os sete do meio-campo. Para mim, o atacante é o primeiro defensor e o goleiro é o primeiro atacante. O goleiro é quem começa a jogada e os atacantes são os primeiros que têm de fazer pressão para que o time retome a bola. Minha ideia do jogo é ofensiva. Uma equipe compacta, que domine a partida com pressão alta e muita mobilidade. Quero que o jogador que tenha a bola pense sempre em três ou quatro soluções e tenha dois companheiros por perto para ajudá-lo”, disse Thiago Motta, à época.

Um possível onze inicial de Motta no comando do Genoa (Gazzetta dello Sport)

Entre os professores de Thiago Motta está o catalão Carles Rexach, aprendiz de Johan Cruyff e, provavelmente, o que mais lhe influencia nas ideias de jogo. Em sua carreira, o ítalo-brasileiro também trabalhou com Louis van Gaal, Radomir Antic e Frank Rijkaard no Barcelona; Javier Aguirre, no Atlético de Madrid; Gian Piero Gasperini no Genoa; José Mourinho, Rafa Benítez, Leonardo, Gasperini e Claudio Ranieri, na Inter; Carlo Ancelotti, Laurent Blanc e Unai Emery no PSG; além de Cesare Prandelli e Antonio Conte na Itália. Sua principal referência também é outro herdeiro de Cruyff: Pep Guardiola.

Se considera Gasperini como o melhor treinador que teve na carreira, Motta avalia Mourinho, com quem venceu tudo, como alguém que “vive apenas para vencer, mesmo jogando mal, porque não busca a beleza, mas um inimigo para vencer”. Ancelotti, a quem também recorda com carinho, também é só elogios: “tem um conhecimento de futebol impressionante, grande psicologia e gestão perfeita do vestiário”. Jürgen Klopp é outra referência para o brasileiro por sua capacidade de “convencer seus homens de que nada é impossível”.

Isso tudo Thiago disse antes de assumir o Genoa. Na coletiva de apresentação no CT Gianluca Signorini, o ex-volante reforçou que tem estudado bastante e vem desenvolvendo suas ideias, mas que o mais importante, neste momento, é a dedicação dos atletas. “Nos olhos dos rapazes, eu vi essa possibilidade e fiz um discurso mais de coração. (…) Sou sempre a mesma pessoa, o que mudou foi apenas a função. Como treinador, serei sempre justo no confronto com os jogadores. (…) Sonho tantas coisas, mas esse não é um momento de sonhar. Devemos trabalhar dia após dia”, ponderou.

No Genoa, porém, Thiago Motta encontra um elenco repleto de jogadores que sonham com um futuro brilhante. São jovens destaques, como o goleiro Radu, o zagueiro Romero, o lateral Barreca, o ala Ghiglione e os atacantes Kouamé e Pinamonti. Por outro lado, o técnico também confiará na experiência de atletas como o zagueiro Zapata, o lateral Criscito e os volantes Radovanovic e Schöne. O dinamarquês, aliás, de longa passagem pelo Ajax, parece conhecer muito bem os princípios de jogo do novo treinador. Motta também exaltou a capacidade do seu regista e espera que possa recuperar o nível de atuações que o dinamarquês demonstrou no ano passado.

Se conseguirá implantar sua filosofia de imediato, ainda não sabemos. Mas, como Andreazzoli destacou na sua saída, a equipe tem qualidade e somou menos pontos do que tem potencial para fazer. A missão imediata de Thiago Motta será recuperar a confiança do grupo e, na sua imaturidade e inexperiência como treinador, montar um time competitivo. Enquanto isso, a Gazzetta dello Sport já brinca com um provável 2-7-2 contra o Brescia: as expectativas para observar o Genoa em campo estão bastante altas.

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