Segundo dados de 2018, o sobrenome mais comum na Sardenha é Piras: dados de cartórios indicam que cerca de cinco mil famílias compõem o grupo de “silvas” dessa região insular da Itália. O mais famoso deles é o ex-atacante Luigi Piras, que jogou no Cagliari nos anos 1970 e 1980, obtendo grande prestígio. Era só mais um Piras, mas sua estrela brilhava: Gigi se tornou um herói local.
Piras nasceu em Selargius, cidade da região metropolitana de Cagliari que é conurbada com a própria capital da Sardenha. Meros 10 quilômetros separavam a casa de Gigi do estádio Sant’Elia, casa do seu time do coração. Apesar disso, o atacante só vestiu a camisa rossoblù aos 17 anos. Depois de atuar nas categorias de base do Selargius, Gigi foi notado por olheiros do Cagliari e concluiu sua formação no principal time sardo.
Em janeiro de 1973, o jovem jogador foi emprestado à Torres, que disputava a Serie C. Piras estreou profissionalmente no time de Sassari, mas logo retornou para fazer história em Cagliari. Seu debute pelos casteddu era um prenúncio: Gigi substituiu o brasileiro Nenê, que se lesionara, e marcou o gol da vitória por 1 a 0 sobre a Fiorentina, justo no Sant’Elia em que tanto sonhava mostrar seu futebol.

Piras e Virdis foram, sem dúvidas, dois dos maiores jogadores sardos da história (Arquivo/Cagliari Calcio)
Não eram anos muito felizes para o Cagliari, que conquistara o scudetto em 1970. O mitológico Luigi Riva via sua condição física arrefecer, mas ainda conseguia carregar o time nas costas, com a ajuda de remanescentes do título – como o próprio Nenê, Enrico Albertosi, Mario Brugnera, Comunardo Niccolai e Sergio Gori. Contudo, investimentos mais modestos feitos pela diretoria levaram os rossoblù à parte baixa da tabela e culminariam no rebaixamento de 1975-76, quando o time foi lanterna da Serie A. O garoto Piras vinha sendo utilizado, mas só ganharia mesmo espaço na segunda divisão, após a aposentadoria de Riva.
Para buscar o retorno à Serie A, o Cagliari tentou renovar o elenco e o ambidestro Gigi Piras se tornou central no projeto. Dessa forma, o atacante ganhou lugar cativo como segundo atacante ou ponta-direito rossoblù e formou uma das mais letais duplas de ataque da categoria. Uma dobradinha totalmente sarda com Pietro Paolo Virdis quase garantiu o acesso dos isolani na temporada 1976-1977. Eles marcaram 28 dos 45 gols da equipe (10 de Piras e 18 de Virdis) e levaram o Cagliari aos mesmos 49 pontos de Atalanta e Pescara. Os dois promovidos foram definidos num triangular equilibrado: dois empates por 0 a 0 e vitória nerazzurra por 2 a 1 sobre os cagliaritanos.
Com a saída de Virdis para a Juventus, Piras ganhou ainda mais peso no sistema ofensivo do Cagliari, o que se refletiu nos 12 gols marcados em 1977-78 e nos 11 da temporada seguinte. Nesta última ocasião, Gigi foi o principal nome do vice-campeonato dos sardos e, consequentemente, do acesso à elite. Para a disputa da Serie A, o ataque dos casteddu ganhou o reforço de Franco Selvaggi, vindo do Taranto, e o futuro herói local voltou a ter a função de abastecer companheiros mais próximos à meta adversária.
Em 1979-80, o Cagliari ficou com a nona posição no Campeonato Italiano e mostrou que poderia se reconstruir. No verão de 1980, a diretoria trouxe Virdis de volta, por empréstimo, e armou um dos principais trios de ataque do país. Com Piras caindo pela direita (mas centralizando por vezes), Virdis pelo lado oposto e Selvaggi no comando, os sardos ficaram com a sexta posição na Serie A – sua melhor colocação na década. Naquela campanha, Gigi marcou apenas quatro gols, mas se destacou pelo trabalho pelos lados do campo e pela competência como garçom.
Com o retorno de Virdis à Juventus, Piras passou a fazer dupla com Selvaggi e dividiu com o colega a responsabilidade de colocar as bolas nas redes. Dessa forma, teve sua temporada mais prolífica na Serie A, com nove tentos (somando todas as competições, foram 10), e foi o artilheiro do Cagliari. Com suas assistências, ainda ajudou o companheiro de ataque a marcar oito tentos e ser convocado para a disputa da Copa do Mundo de 1982.
Gigi Piras repetiu a dose em 1982-83 (10 tentos, nove na elite), mas o Cagliari acabaria rebaixado à Serie B. Os sardos somaram apenas um ponto a menos que Genoa, Pisa e Ascoli, sendo que a derrota na última rodada para o próprio Ascoli vaticinou a queda. Nos anos que se seguiram, o time sardo entrou em parafuso e lutou para não cair para a terceira divisão. Em 1985-86, um Piras com status de bandeira do time, mas já combalido pelas lesões, foi responsável por salvar os casteddu. O atacante atuou em apenas 14 partidas na segundona e fez oito gols. Além de ter sido o artilheiro dos rossoblù, ainda anotou o tento decisivo contra o Vicenza, que manteve seu time na categoria.

Em 1987, Piras capitaneou os sardos nas semifinais da Coppa Italia, contra o Napoli (Arquivo/Cagliari Calcio)
O conto de fadas de Piras e do Cagliari teria um belo capítulo em 1986-87, mas também acabaria naquela temporada. Em crise, o time da Sardenha passou toda a Serie B na zona de rebaixamento, mas surpreendeu na Coppa Italia. Eliminou o Torino nas oitavas de final e, nas quartas, derrubou a Juventus (então campeã italiana) graças a dois empates (1 a 1 e 2 a 2) e gol qualificado. O tento decisivo, aos 83 minutos, em pleno Comunale de Turim, foi de Piras, que saiu do banco para estufar as redes.
Nas semifinais, o Cagliari caiu com duas derrotas para o Napoli de Diego Armando Maradona, campeão italiano e da própria Coppa, mas ao menos conseguiu levar um grande público ao Sant’Elia, como ocorrera com a Juve. A renda obtida com essas partidas ajudou o clube a não piorar sua situação econômica, que se deterioraria com a queda para a Serie C1. O rebaixamento foi a senha para que Piras deixasse os casteddu e rumasse ao La Palma, clube de bairro da capital sarda. Gigi contribuiu para que a equipe chegasse à quarta divisão em 1989 e, em seguida, se aposentou.
Depois de pendurar as chuteias, Piras teve uma breve experiência como treinador, mas preferiu ficar nos bastidores, atuando em projetos esportivos amadores e como vereador em Selargius. No fim das contas, sua bela história esportiva já estava escrita e lhe rendeu um lugar no hall da fama do Cagliari. Capitão entre 1982 e 1987, Gigi figura na quarta posição entre os atletas que mais defenderam o clube, com as mesmas 377 partidas de Riva, e está abaixo apenas do craque entre os goleadores – o ídolo máximo rossoblù fez 208 e o isolano vem em segundo, com 104, rigorosamente a metade. Sem dúvidas, um herói local e exemplo para os sardos que pensam em vestir a camisa azul e vermelha.
Luigi Piras
Nascimento: 22 de outubro de 1954, em Selargius, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Torres (1973), Cagliari (1973-87) e La Palma (1987-89)
Clubes como treinador: Tempio (1994-95)