O futebol italiano é célebre em apresentar figuras que, mesmo pouco ou nada badaladas, são capazes de entrar para a história. Este é, sem dúvida alguma, o caso de Marco Ballotta, o primeiro arqueiro a ser conhecido como “goleiro de copas” e que, mais tarde, se tornaria o jogador mais velho a disputar partidas da Serie A e da Champions League. Um atleta que, após ter ostentado luvas por mais de quatro décadas, decidiu virar atacante nos níveis inferiores e atuar até chegar perto dos 60 anos.
Nascido em 1964, na pequena Casalecchio di Reno, nos arredores de Bolonha, Ballotta deu seus primeiros passos no esporte nos juvenis do San Lazzaro, sendo rapidamente notado pelo mais tradicional clube da Emília-Romanha: o Bologna. Porém, assim que um ainda garoto Marco chegou ao time rossoblù para completar sua formação futebolística, em 1981, o caldo desandou por lá. Os felsinei, que jamais haviam sido rebaixados para a Serie B, amargaram duas quedas sucessivas e tiveram que disputar até a terceirona.
Ballotta, entretanto, jamais vestiu a camisa do Bologna. Após um ano na base e outro emprestado ao Casalecchio, de sua cidade natal, que disputava a sétima divisão, foi terceiro goleiro rossoblù na campanha de retorno à Serie B e, em outubro de 1984, foi vendido ao Modena. Pelos canários, sim, sua carreira começou a evoluir – e, no futuro, ele se tornaria o maior arqueiro da história gialloblù.
Com 1,81 m de estatura, Marco ainda tinha 20 anos, “mas já era um ancião” – como diria Carlo Ancelotti, tempos mais tarde, quando o treinou na Reggiana. As entradas que denunciavam a calvície precoce eram evidentes e, pelo menos, lhe conferiam algum respeito. Assim, assumiu a titularidade ao longo da campanha na Serie C1 e, na temporada seguinte, já como dono da camisa 1, ajudou os canários a serem semifinalistas da Coppa Italia da terceirona e a garantirem o acesso ao nível superior da pirâmide nacional, graças ao segundo lugar de seu grupo no certame de pontos corridos.
Ballotta disputou duas temporadas da segundona e continuou no time emiliano após a queda para a terceira divisão, em 1988. A redenção se daria em 1989-90, quando o goleiro atuou em 32 das 34 partidas do canário na Serie C1 e foi protagonista de um título merecidíssimo: treinados por Renzo Ulivieri, os gialloblù sofreram apenas nove gols, sendo oito quando o calvo defendia a sua meta.
Marco até seguiu na baliza dos geminiani no início da Serie B 1990-91, mas foi chamado para voos maiores. O Cesena, também da Emília-Romanha, tinha se frustrado com o jovem Francesco Antonioli, emprestado pelo Milan, e buscava um novo reserva para o prata da casa Alberto Fontana. Assim, numa negociação envolvendo três clubes, Ballotta rumou aos bianconeri e o garoto rossonero assumiu a baliza gialloblù.
A temporada acabou sendo complicada para os cavalos marinhos, que não se acertaram nem com o iniciante Marcello Lippi nem com o veterano Renato Lucchi – que, pelas regras da época, por ter mais de 60 anos, teve de assumir como direto técnico e ser auxiliado primeiro por Giampiero Ceccarelli e, depois, por Alberto Batistoni. O rebaixamento do Cesena se consumou, devido à penúltima colocação, mas ao menos Ballotta estreou na elite, com cinco jogos realizados. Vale salientar que transcorreriam quase duas décadas entre o seu debute – em dezembro de 1990, aos 26, na derrota por 4 a 1 para o Genoa – e sua aposentadoria do profissionalismo.
O Cesena serviu como entreposto para Ballotta. Em 1991, o goleiro assinou com o Parma, que – abastecido pelos milhões da Parmalat de Calisto Tanzi – fora quinto colocado em sua estreia na Serie A. Marco chegava para assumir o posto de reserva do brasileiro Cláudio Taffarel e ser o arqueiro das competições de mata-mata, o que não existia na época. A inovação promovida pelo técnico Nevio Scala levou o reforço a ser titular em sete dos 10 jogos da campanha do título dos crociati na Coppa Italia. Ou seja, a ousadia do treinador lhe permitiu ser vital para a conquista do primeiro troféu relevante de um time que faria história.
Em 1992, a ambiciosa conduta do Parma no mercado fez com que Ballotta virasse titular. Os gialloblù já contavam com três estrangeiros – Taffarel, Georges Grün e Tomas Brolin –, foram buscar o colombiano Faustino Asprilla e, na época, somente três podiam ser utilizados por jogo. Assim, o arqueiro brasileiro foi para o banco e Marco assumiu a camisa 1. O italiano atuou em 41 das 50 partidas dos ducali e contribuiu para que o time fosse terceiro colocado da Serie A e ganhasse o seu primeiro título continental: o da Recopa Uefa, sobre o Royal Antwerp, em Wembley.
Apesar de ter tido um bom desempenho em 1992-93, Ballotta perdeu a posição em 1993-94 – e não foi para Taffarel, que terminou sendo emprestado à Reggiana. Scala optou por dar uma chance ao baixinho Luca Bucci, prata da casa, e Marco sentou no banco de reservas por quase toda a temporada, ainda que tenha sido o titular da meta gialloblù na Supercopa Uefa, ganha às custas do Milan. Naquela época, os emilianos ainda foram vice-campeões da Recopa, semifinalistas da Coppa Italia e ficou com a quinta posição da Serie A.
Em busca de espaço como titular, o arqueiro deixou o Parma depois de 62 aparições e aceitou assumir a herança de Nello Cusin e Marco Landucci no Brescia, tendo – já com 30 anos – a sua primeira experiência fora da Emília-Romanha. A ida para o time biancazzurro, recém-promovido à Serie A, até resultou em extensa minutagem para o goleiro, mas se revelou uma roubada: numa trajetória muito atribulada, os lombardos tiveram três técnicos (Mircea Lucescu, Luigi Maifredi e Adelio Moro), venceram apenas duas vezes e somaram míseros 12 pontos, protagonizando uma das piores campanhas da história do certame.
Na sequência, Ballotta voltou à Emília-Romanha para defender a Reggiana, que também fora rebaixada para a Serie B devido a um péssimo desempenho na elite. O goleiro tomou conta da baliza granata e, com muita segurança, foi um dos destaques do retorno imediato da Regia à máxima divisão nacional – numa campanha lembrada por ter sido a primeira de Ancelotti em sua carreira como técnico. Carletto rumou ao Parma em seguida e Marco acabaria reencontrando Lucescu no ano seguinte. Apesar dos esforços do arqueiro na meta, a equipe logo demitiu o romeno e, com Francesco Oddo no comando, amargou a lanterna do Italianão, em 1996-97.
A Reggiana caiu, mas o seu goleiro não. Aos 33 anos, Ballotta receberia mais uma chance para manter a sua carreira em alto nível: o posto de reserva de Luca Marchegiani numa Lazio que, abastecida pelos cifrões de Sergio Cragnotti, mirava voos altos e títulos. Nas duas primeiras temporadas, o calvo veterano atuou pouquíssimo. Marco realizou apenas 10 partidas, porém acrescentou a seu currículo as conquistas da Coppa Italia e da Supercopa Italiana, em 1998, além da última edição da Recopa Uefa, em 1999. Além disso, a equipe dirigida por Sven-Göran Eriksson foi vice-campeã da Copa Uefa e da Serie A, respectivamente.
Ballotta se consagraria em 1999-2000, temporada em que faria 21 partidas pelos aquilotti. O ano – que era de centenário do clube biancoceleste – começou com a comemoração, no banco de reservas, do título da Supercopa Uefa. E prosseguiu de forma ainda mais gloriosa: Marco atuou em todos os jogos da campanha vitoriosa na Coppa Italia e somou nove aparições na Serie A, concluída com o bi da Lazio e, obviamente, a expressiva dobradinha que fez aquela equipe entrar de vez para a história.
Para muitos atletas, seria a hora de encerrar a carreira no auge. Mas Ballotta, já com 36 anos, queria mais. E, assim, topou reencontrar Lippi na Inter, onde faria o papel de tutor do jovem Sébastien Frey, substituto de Angelo Peruzzi – vendido justamente à Lazio.
Entretanto, a sua passagem por uma Beneamata envolta em muitas confusões foi frustrante. O técnico, seu velho conhecido, foi demitido após eliminação para o sueco Helsingborgs na fase preliminar da Champions League e a derrota de virada para a Reggina, na estreia da Serie A. Marco Tardelli passou longe de decolar como sucessor. Nesse contexto, o veterano arqueiro disputou nove partidas e não teve poder de evitar quedas precoces nas copas e o melancólico quinto lugar no Italianão. O único feito de Ballotta foi ter se tornado o mais experiente jogador a estrear pela Inter, com 36 anos, cinco meses e cinco dias, na derrota por 4 a 3 para a Lazio, na Supercopa nacional. Curiosamente, o emiliano foi capitão da equipe na ocasião.
Ainda com fome de bola, o “nonno” Ballotta deu um passo atrás e carimbou seu retorno ao Modena, então recém-promovido à Serie B. Lá, faria história definitivamente. O goleiro recebeu a faixa de capitão das mãos do técnico Gianni De Biasi e foi líder de um grupo coeso, com nomes como Stefano Mauri, Omar Milanetto, Maurizio Domizzi e Diomansy Kamara, que conquistou um improvável duplo acesso, voltando, à primeira divisão depois de uma ausência de 38 anos.
O glorioso careca emiliano manteve intocável a sua titularidade na disputa da Serie A 2002-03, atuando em todos os jogos de mais uma trajetória histórica. Reforçado por Giuseppe Sculli, que seria o artilheiro do time de De Biasi, com oito gols, o Modena obteve a permanência na última rodada: empatado em pontos com Empoli, Reggina e Atalanta, se garantiu por mais um ano na elite apenas por conta dos resultados favoráveis nos confrontos diretos com os adversários.
Para 2003-04, o vovô do futebol italiano resolveu cometer um ato de rebeldia: deixou a camisa 22, que usava desde o início da utilização da numeração fixa nas divisões profissionais do país, em 1995, para vestir a 11. Um prenúncio de suas aventuras como atacante, talvez? O fato é que não lhe deu muita sorte. Ballotta foi titular do time então treinado por Alberto Malesani por todo o primeiro turno, perdendo a posição para Adriano Zancopè na terceira rodada do returno.
Já sob as ordens de Gianfranco Bellotto, os canários foram rebaixados para a Serie B e Marco se despediu, em definitivo, do Modena. E no panteão do clube: com 317 aparições, é um dos 10 atletas que mais vezes vestiram a camisa gialloblù, sendo o goleiro mais representativo de sua história.
Pensa que acabou por aí? Não mesmo. Ballotta, já com quatro décadas de vida, ficou sem clube até outubro de 2004, quando o Treviso notou que era dele que precisava para resolver a falta de um nome expressivo em sua meta, para a disputa da Serie B – que já havia começado. Marco pegou a posição para si e foi um dos destaques de mais um feito histórico: o primeiro acesso dos biancocelestes à elite, após os playoffs. Vale salientar que o time vêneto ainda contava com dois atacantes brasileiros que foram vitais para o acesso. Um era Paulo Vitor Barreto, autor de 14 gols que o levaram à Udinese; outro era Reginaldo, o mesmo que defenderia o Vasco futuramente, responsável por 11 bolas nas redes.
O sucesso com a camisa celeste do Treviso lhe faria vestir azul claro num lugar que lhe trazia boas recordações: a Cidade Eterna. Já na gestão do presidente Claudio Lotito, o “nonno” Ballotta voltaria à Lazio para ser terceiro goleiro, como opção a Peruzzi e a Matteo Sereni. Como já era praxe na carreira de reservista de Marco, não foi bem o que ocorreu. Seus colegas se machucaram muito ao longo de dois anos e isso lhe permitiu, já em 2005-06, quebrar o recorde de atleta mais velho a entrar em campo na Serie A, pertencente a Pietro Vierchowod àquela altura. O arqueiro, evidentemente, melhoraria essa marca.
As duas primeiras campanhas da Lazio na segunda passagem do vovô por Formello foram boas: sexto lugar na Serie A em 2005-06, que virou 16º por envolvimento de alguns diretores no Calciopoli, esquema de manipulação de resultados, e terceiro em 2006-07. Tal posição obtida pela trupe de Delio Rossi significava participação na Champions League e, para Ballotta, representava a possibilidade de bater mais um recorde.
Com a aposentadoria de Peruzzi e a saída de Sereni, Marco passou a disputar posição com o inconstante Fernando Muslera e não deu chance ao uruguaio. Escolhido por Rossi como titular absoluto dos aquilotti, se tornaria o mais velho atleta a disputar um jogo da Liga dos Campeões: obteve o feito aos 43 anos e 253 dias, em 11 de dezembro de 2007, na derrota por 3 a 1 para o Real Madrid, em pleno Santiago Bernabéu. A Lazio ficou com a lanterna do Grupo C, mas pouco importava.
Ao longo de 2007-08, Ballotta somou 39 aparições – algo tão improvável quanto invejável para um atleta que terminaria a temporada com idade tão avançada. Com ele no gol, a Lazio foi eliminada nas semifinais da Coppa Italia pela Inter e ficou com a 12ª posição da Serie A. No estádio Luigi Ferraris, em vitória por 2 a 0 sobre o Genoa, num jogo válido pela penúltima rodada do campeonato, o arqueiro completou 96 partidas pelos aquilotti, finalmente se despediu do profissionalismo e cravou o seu recorde: com 44 anos e 38 dias, se tornou o mais velho atleta a entrar em campo pela competição.
Ballotta tirou férias por poucos meses e se estabeleceu novamente na sua Emília-Romanha. Em agosto de 2008, se tornou diretor-geral do Modena, porém, por desavenças com seus superiores, se demitiu logo no início da Serie B. Então, decidiu voltar a jogar… mas como atacante. Marco só deixaria os gramados definitivamente (será?) em 2022, após um périplo pelas divisões inferiores da Itália – atuou na sétima, na oitava e na quinta.
Inicialmente, Ballotta acertou com o Calcarasamoggia, de Bolonha, e guardou 24 gols como centroavante no time da Prima Categoria, a sétima divisão italiana. Posteriormente, atuando pouquíssimo, se dividiu entre os tentos marcados e os defendidos. Novamente como goleiro-atacante, passou por San Cesario e outra vez pelos verdeblù.
Em 2014, então, foi faz-tudo no Castelvetro, então na quinta categoria. Chegou para ser responsável técnico e preparador de goleiros dos juvenis, mas quebrou o galho como treinador e arqueiro dos biancazzurri. Ballotta teve uma terceira passagem pelo Calcarasamoggia em 2015-16 e, então, voltou à diretoria castelvetrese.
A rigor, a última partida de Ballotta foi naquela temporada. O nonno exerceu seu cargo nos bastidores do Castelvetro e foi cartola do Varese por alguns meses, entre 2018 e 2019, até voltar a fazer de tudo um pouco no clube biancazzurro: ao mesmo tempo, foi presidente, diretor-geral, preparador de goleiros e, na falta de um terceiro arqueiro, foi inscrito na Eccellenza, a quinta divisão, em 2019-20 e 2021-22. Oficialmente, parou com 58 anos. Em seguida, para completar, foi eleito como presidente honorário do Terre di Castelli, time amador da província de Modena.
Sem dúvidas, é possível dizer que Ballotta não é somente apaixonado por futebol. É um obcecado, isso sim. Porém, ao menos esse vício lhe trouxe muito de bom. Não fosse a sua insistência, que sempre esteve aliada a um misto de mérito e sorte, certamente não estaríamos dispensando tantas linhas para relembrarmos a sua carreira. Na ausência dessas características, não haveria nem longevidade. E sem resiliência, não haveria recorde algum nesta história.
Marco Ballotta
Nascimento: 3 de abril de 1964, em Casalecchio di Reno, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Bologna (1981-82 e 1983-84), Casalecchio (1982-83), Modena (1984-91 e 2001-04), Cesena (1991), Parma (1991-94), Brescia (1994-95), Reggiana (1995-97), Lazio (1997-2001 e 2005-08), Inter (2000-01), Treviso (2004-05), Calcarasamoggia (2008-11, 2012-14 e 2015-16), San Cesario (2011-12) e Castelvetro (2014-15, 2019-20 e 2021-22)
Títulos: Serie C1 (1990), Coppa Italia (1992, 1998 e 2000), Recopa Uefa (1993 e 1999), Supercopa Uefa (1993 e 1999), Supercopa Italiana (1998) e Serie A (2000)