Em 2020, Jens Petter Hauge teve uma belíssima exibição em San Siro, no duelo entre o seu Bodo/Glimt e o Milan. Por esse motivo, acabou sendo contratado pelos rossoneri alguns dias depois. Esse expediente é raro nos tempos atuais, mas foi comum durante décadas e representava, para muitos jogadores, a oportunidade de, ao triturar o adversário, trocar de lado na janela de transferências seguinte. Justamente o que, por linhas tortas, aconteceu no início dos anos 1960 com o meio-campista Jorge Toro, o primeiro chileno a atuar na Itália.
Quase tudo que Toro viveu de mais importante na parte inicial de sua vida aconteceu em Santiago, capital do Chile. Além de nascer na cidade, em 1939, Jorge se iniciou no futebol no Colo-Colo, maior clube local, e pelo Cacique ganhou os seus primeiros títulos – a copa e a taça da máxima categoria do seu país, em 1958 e 1960, respectivamente.
Aos 20 anos, o meio-campista estreou pela seleção chilena, representando-a na Copa América de 1959. O grande desempenho de Toro por La Roja ocorreu um pouco depois, na Copa do Mundo de 1962, que aconteceu no próprio Chile. Na ocasião, os anfitriões foram sorteados no mesmo grupo que a Itália, ao lado ainda de Alemanha Ocidental e Suíça.
O Chile estreou no Mundial com vitória sobre a Suíça, enquanto a Itália empatou com a Alemanha Ocidental. Na segunda rodada, os chilenos precisariam apenas vencer os azzurri para se garantirem nas quartas de final e não havia vontade maior do que essa em Santiago. Afinal, a rivalidade entre os sul-americanos e os europeus havia se acendido em todo o território da nação desde que os jornalistas Antonio Ghirelli, do Corriere della Sera, e Corrado Pizzinelli, correspondente para os diários La Nazione e Il Resto del Carlino, escreveram reportagens recheadas de eurocentrismo, preconceito e críticas descabidas ao país. As matérias repercutiram tão mal que, por segurança, os dois tiveram que embarcar de volta para Roma.
La Roja, então, entrou em campo para salvaguardar a honra nacional e fez, contra a Itália, a chamada Batalha de Santiago – confronto tido como o mais violento da história das Copas. A partida já começou com a hostilidade em seu nível máximo, com faltas duríssimas e trocas de socos: aos 8 minutos, o italiano Giorgio Ferrini foi excluído pelo árbitro Ken Aston. Aos 41, foi a vez de Mario David também ser retirado do jogo, deixando a Nazionale com dois atletas a menos. Ou três, já que o ítalo-argentino Humberto Maschio teve o nariz quebrado por um murro aplicado por Leonel Sánchez e, naturalmente, perdeu as melhores condições físicas. Não haviam substituições na época.
A pancadaria fez com que a polícia entrasse no gramado diversas vezes, na tentativa de acalmar os ânimos – o que, definitivamente, não ocorreu. A violência continuou na segunda etapa e, nesse jogo brigado, José Ramírez abriu o placar para os mandantes. Toro, que até então havia sido um coadjuvante na batalha campal, apareceu para, sem qualquer delicadeza, evitar um contra-ataque puxado por Bruno Mora: agarrou o adversário pela cintura e pelas pernas, além de trocar empurrões com o italiano quando os dois foram ao solo. Como a punição através de cartões ainda não havia sido inventada, o árbitro apenas os separou, de maneira espalhafatosa.
Aos 88, coube ao próprio Jorge decidir o duelo e, praticamente, mandar a Itália de volta para casa. O meia recebeu na entrada da grande área e acertou um belo chute rasteiro no canto esquerdo de Carlo Mattrel. Classificado após o 2 a 0, o Chile viu a Squadra Azzurra ficar pelo caminho mesmo com a vitória sobre a Suíça: afinal, a Alemanha Ocidental bateu os sul-americanos e faturou a vaga restante. Toro ainda marcaria outra vez, na derrota por 4 a 2 para o Brasil, nas semifinais, e La Roja encerraria o Mundial na terceira posição – a sua melhor até hoje.
Ao encerramento da competição, Toro trocou a carapaça de carrasco da Itália pelo posto de reforço e, depois, ídolo de uma parte do país. Na janela de transferências de 1962, o sul-americano foi contratado pela Sampdoria e se tornou o primeiro chileno a atuar na Velha Bota. Naquela época, a equipe doriana costumava perambular pelo meio da tabela da Serie A e, de vez em quando, abocanhava um lugar entre as cinco melhores colocadas. Em Gênova, Jorge teria como companheiro de clube o atacante brasileiro José Ricardo da Silva, o China.
Toro estreou sendo decisivo: num jogo da Coppa Italia, contra a Pro Patria, anotou uma doppietta e garantiu o triunfo dos blucerchiati por 2 a 1. Em outubro, mês seguinte àquele sucesso, decretou a virada do time treinado por Ernst Ocwirk sobre o Milan, pelo mesmo placar. O chileno viu a sua trajetória mudar após anotar, ao fim da temporada, um tento no empate por 1 a 1 com o Modena. Ali, chamou a atenção dos canarini.
Jorge até começou a campanha de 1963-64 com a camisa da Samp, mas foi vendido ao Modena após atuar em algumas partidas da Copa Intertoto – pelos blucerchiati, totalizou 29 aparições e seis gols. Na Emília-Romanha, se tornaria ídolo, mas não por aquilo que produziu na primeira temporada.
Na Itália, Toro era utilizado como meia-atacante ou atacante puro e, estes, o Modena tinha demais. A montagem do elenco fez com que Annibale Frossi e, depois, Mario Genta, tivessem de lidar com nove opções de frente – e, salientamos, substituições durante os jogos ainda não existiam. Dessa forma, o chileno fez pouquíssimas partidas e nem mesmo os gols nos clássicos locais contra Bologna e Spal lhe garantiram espaço.
Toro só recebeu minutos em campo depois que o Modena amargou o rebaixamento para a Serie B, em 1964. O chileno dedicou seis anos de sua vida à disputa da segundona pelos gialloblù, em temporadas em que a equipe emiliana jamais brigou pelo acesso. Jorge até abriu mão da disputa da Copa do Mundo de 1966 pela permanência no futebol italiano: não foi convocado porque o técnico Luis Álamos lhe disse que não tinha como saber o quanto ele vinha rendendo no clube.
A última temporada de Jorge Toro na Europa seria a de 1970-71, na qual contribuiu para que o Modena ficasse na metade superior da tabela da Serie B. No total, o chileno defendeu os canarini em 167 partidas e anotou 21 gols. Além disso, em 1969-70, o meia-atacante ainda teve uma rápida e derradeira experiência na elite itálica, ao representar o Verona em sete duelos – no período, foi companheiro do atacante brasileiro Sergio Clerici.
De volta à América do Sul aos 32 anos, Toro ainda jogou futebol aos 37 e conquistou um título chileno pelo Unión Española. Jorge também defendeu Deportes Concepción, Audax Italiano e Deportes La Serena, além de ter se tornado treinador. O ex-meia dirigiu Unión La Calera, Colchagua, Santiago Wanderers, San Antonio Unido, Deportes Iquique e Cobreloa, se aposentando após faturar a taça da primeira divisão nacional, em 1985. Longe do esporte, faleceu em 2024, na cidade litorânea de El Quisco, pouco após completar 85 primaveras.
Jorge Luis Toro Sánchez
Nascimento: 10 de janeiro de 1939, em Santiago, Chile
Morte: 16 de fevereiro de 2024, em El Quisco, Chile
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Colo-Colo (1958-62 e 1971), Sampdoria (1962-63), Modena (1963-69 e 1970-71), Verona (1969-70), Unión Española (1972-73), Deportes Concepción (1974), Audax Italiano (1975) e Deportes La Serena (1976)
Títulos como jogador: Copa Chile (1958) e Campeonato Chileno (1960 e 1973)
Clubes como treinador: Unión La Calera (1978 e 1985), Colchagua (1979), Santiago Wanderers (1981), San Antonio Unido (1981), Deportes Iquique (1982-83) e Cobreloa (1985-86)
Títulos como treinador: Campeonato Chileno (1985)
Seleção chilena: 29 jogos e 6 gols