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Ivano Bordon foi ídolo na Inter e conquistou o mundo duas vezes com a Itália

Pouquíssimos jogadores no planeta tiveram o orgulho de dizer que conseguiram se sagrar bicampeões mundiais de futebol. Na Itália, só cinco pessoas podem ou puderam se gabar disso: os falecidos Giuseppe Meazza, Giovanni Ferrari, Guido Masetti e Eraldo Monzeglio, que levantaram as taças em 1934 e 1938, e Ivano Bordon, que faturou os títulos de 1982, como atleta, e de 2006, como preparador de goleiros. Além dessas glórias, Bordon é um dos três arqueiros que mais vezes entraram em campo pela Inter.

Ivano nasceu em Marghera, município industrial localizado na região metropolitana de Veneza. Ali, conviveu com a poluição gerada pelas petroquímicas e metalúrgicas, mas também aprendeu a jogar futebol. Filho de Danilo Bordon, um zagueiro amador, o jovem costumava assistir aos jogos do pai sentado ao lado da baliza, no intuito de estudar os movimentos dos goleiros. Com 12 anos e uma certa predisposição para ser arqueiro, o adolescente começou a treinar em escolinhas. Na época, se espelhava em Roberto Anzolin, camisa 1 da Juventus.

O passo seguinte de Bordon foi impulsionado por Elio Borsetto, ex-lateral da Mestrina e amigo de seu pai. O técnico via potencial no garoto e o levou para as categorias de base de Miranese e, depois, Juventina Marghera. Em 1966, o goleiro foi notado por Gianni Invernizzi, então treinador do time Primavera da Inter, e acabou sendo chamado para fazer um teste no clube nerazzurro. Ali se iniciava sua vitoriosa história pela Beneamata.

Bordon chegou muito novo em Milão e recebeu os ensinamentos do experiente Vieri (Arquivo/Inter)

Bordon se mudou para Milão e, nos primeiros meses, viveu num pensionato. Depois, passou a dividir apartamento com Mauro Bellugi, seu companheiro na base. O vêneto não tinha uma estatura impressionante para um goleiro – media 1,83m –, mas isso não impediu que concluísse a sua formação com sucesso. Pelos juvenis, Ivano conquistou o título do Campeonato Primavera de 1969, sendo destaque do time comandado por Invernizzi, e também faturou a Copa Viareggio de 1971.

Em evidência após o título nacional sub-19, Bordon virou terceiro goleiro do time principal, que ainda estava sob a batuta do paraguaio Heriberto Herrera. A partir de então, Ivano passou a ter como grande mentor o experiente Lido Vieri, campeão europeu com a seleção italiana, em 1968. O garoto dividiria vestiários com o veterano, a quem chamava de “senhor”, até 1976.

Mestre e aprendiz desenvolveram uma espécie de simbiose no período em que jogaram juntos. Vieri tinha como características a frieza debaixo das trazes e a confiança que passava ao time – qualidades que ensinaria a seu aluno. Em 2016, à revista Guerin Sportivo, Bordon chegou a afirmar que, quando vê filmagens de lances daquela época, sente dificuldade de saber se algumas imagens são dele ou de Lido. “Cresci à sua imagem e semelhança e o meu estilo parecia com o dele”, afirmou.

As primeiras chances de Bordon no time principal da Inter aconteceram justamente em momentos em que Vieri ficou fora de combate. A estreia do vêneto ocorreu em setembro de 1970, num jogo da Copa das Feiras, contra o Newcastle, depois que Lido foi expulso: Ivano atuou por 58 minutos, mas não conseguiu evitar a eliminação nerazzurra. A segunda oportunidade veio dois meses depois, em um complicado dérbi contra o Milan: a Inter perdia por 1 a 0 e o veterano se machucou aos 65 minutos. O arqueiro de 19 anos entrou no seu lugar e foi vazado duas vezes, em finalizações indefensáveis.

Bordon tinha estilo contido fora das quatro linhas, mas era bastante reativo debaixo das traves (Arquivo/Inter)

Apesar disso, Ivano não esmoreceu. Inclusive, chegou até a ter um pouco de sorte: Herrera viria a ser demitido após o início negativo de temporada e deu lugar a Invernizzi, seu treinador na base. O novo técnico ajustou a equipe e a conduziu ao scudetto, dando chances a Bordon na campanha. O goleiro, que já defendia a seleção sub-21 italiana, concluiu a temporada 1970-71 com nove jogos realizados na Serie A.

O jovem arqueiro ganhou mais espaço na época seguinte e voltou a se destacar na Copa dos Campeões de 1971-1972, sobretudo na polêmica eliminatória entre Inter e Mönchengladbach. Bordon substituiu Vieri no decorrer do jogo de ida das oitavas de final, disputado na Alemanha, em outubro de 1971. Na ocasião, o titular pareceu transtornado depois que uma lata de Coca-Cola foi arremessada por um torcedor no atacante Roberto Boninsegna, e acabou sofrendo três gols. A peleja continuou, Ivano levou mais dois tentos e o confronto terminou em 7 a 1.

Apesar de a partida ter sido concluída, a Uefa analisou o incidente e, dez dias depois, decidiu pela anulação do duelo e por sua consequente remarcação. Como o veredito emitido pela entidade ocorreu em 30 de outubro e o jogo de Milão estava programada para o dia 3 de novembro, a confederação manteve o embate na Itália para a data prevista e agendou o outro confronto para dezembro – a rigor, inverteu os mandos de campo.

Bordon jogou na contenda de ida, vencida pelos nerazzurri por 4 a 2, e também atuou na de volta, disputada no campo neutro de Berlim. Na Alemanha Ocidental, o arqueiro foi crucial para o empate sem gols com o Mönchengladbach: naquela que é definida por muitos como a grande atuação de sua carreira, o vêneto defendeu um pênalti cobrado por Klaus-Dieter Sieloff e fez defesas primorosas durante os 90 minutos.

Nas noites europeias, Bordon teve grande destaque – principalmente contra o Mönchengladbach (imago)

A Inter de Bordon chegaria à decisão daquela Copa dos Campeões e, devido às suas ótimas exibições, o goleiro de apenas 20 anos seria titular na finalíssima. A partida ocorreu em Roterdã, contra o fortíssimo Ajax de Johan Cruyff, que marcou dois gols e fez de Ivano mais uma de suas vítimas. O holandês balançou as redes em jogadas de oportunismo, nas quais a defesa interista se desentendeu com o jovem arqueiro.

Nos quatro anos seguintes, a Inter não venceu nada. No período, Bordon continuou alternando a titularidade com o professor Vieri, mas mostrava significativa evolução e chegou a atuar mais do que o tutor em 1974-75. Embora fosse contido no gestual e nas falas, o vêneto era explosivo e ágil nos reflexos, o que lhe fez ganhar um apelido curioso do capitão Sandro Mazzola: o craque nerazzurro começou a chamar o goleiro de Pallottola (“bala”, em italiano), já que o considerava capaz até de se antecipar a projéteis balísticos.

Bordon se tornou titular dos nerazzurri aos 25 anos, após a saída de Vieri. Em 1976-77, sua primeira campanha como efetivo do onze inicial da Inter, viu a equipe ser vice-campeã da Coppa Italia, terminar no quarto lugar da Serie A e o técnico Giuseppe Chiappella acabar sendo dispensado ao fim da temporada. Eugenio Bersellini chegou para comandar o time de Milão e introduziu a sua famosa zona mista – sistema que favoreceria Bordon por sua solidez defensiva. Ivano foi mais uma vez titular em todos os 30 jogos da equipe na Serie A, concedendo apenas 24 gols, e ainda conquistou a copa nacional.

O arqueiro não disputou a final da Coppa Italia, mas por um bom motivo: desde janeiro fazia parte do grupo da seleção italiana, treinada por Enzo Bearzot. Depois de disputar o segundo tempo de um amistoso contra a Espanha, foi incluído no elenco que rumou à Argentina para participar do Mundial de 1978 – que começou antes mesmo de a temporada italiana se encerrar. Bordon foi o terceiro goleiro, atrás de Dino Zoff e Paolo Conti na hierarquia azzurra, e viu a Nazionale conquistar um quarto lugar.

Na conquista do scudetto de 1980, o goleiro estabeleceu um recorde com a camisa nerazzurra (Arquivo/Inter)

Depois de um hiato em 1978-79, Ivano viveu o seu auge pela Inter na temporada 1979-80, quando foi fundamental para o time que conquistou o scudetto após nove anos de seca. Bordon não só disputou todas as partidas do campeonato como também bateu o recorde de tempo sem sofrer gols pelo clube, que era do seu eterno mestre Vieri: foram 686 minutos, acumulados entre a 4ª e a 11ª rodadas. Aquele elenco nerazzurro era recheado de jogadores criados na própria Inter, mas apenas Bordon e Gabriele Oriali estavam presentes também no título de 1971.

A campanha vitoriosa na Serie A levou o arqueiro vêneto a representar a Nazionale na Euro 1980, disputada em solo italiano. Dessa vez, Bordon foi o reserva imediato de Zoff, mas novamente amargou um quarto lugar. De volta a Milão, Pallottola foi o jogador da Inter que mais jogos disputou na temporada 1980-81 (42, com 33 gols sofridos) e contribuiu para que os nerazzurri alcançassem as semifinais da Copa dos Campeões, fase em que foram eliminados pelo Real Madrid. No ano seguinte, Ivano conquistou o seu último título pela Beneamata, superando o Torino na Coppa Italia.

Aos 31 anos e reputado como um dos melhores goleiros da Itália naquela época, Bordon foi convocado para Copa do Mundo de 1982 – sendo, novamente, reserva imediato do lendário Zoff. Assim como nas outras competições em que representou a Itália, Ivano ficou no banco durante o tempo inteiro, mas foi um líder silencioso do grupo. Dessa vez, porém, finalmente pode celebrar um título com a Squadra Azzurra.

O pupilo de Vieri era tido como sucessor natural de Zoff na seleção italiana e também na Juventus – isso porque o clube bianconero fez uma proposta tanto a Bordon quanto a Oriali em 1983. Na época, a dupla havia se desgastado com os dirigentes interistas, mas mesmo assim recusou as propostas da rival. Os amigos, contudo, não permaneceram em Milão: o volante acertou com a Fiorentina e o goleiro rumou a Gênova, depois de uma ousada investida do magnata Paolo Mantovani, histórico presidente da Sampdoria. Bordon deixava a Inter a contragosto, chateado por não ter sido comunicado pelos cartolas de que a Beneamata tinha outras ideias para o futuro. No total, o ídolo realizou 387 jogos pelo time lombardo.

Ivano representou a seleção italiana por sete anos, mas teve forte concorrência e nunca conseguiu ser titular absoluto (Getty)

Curiosamente, Bordon viu sua posição na Inter e Squadra Azzurra ser “roubada” por um jovem Walter Zenga. O Homem-Aranha virou titular da meta nerazzurra em 1983, com apenas 23 anos, e foi convocado como terceiro goleiro da Itália para a Copa do Mundo de 1986. A chamada pegou todo mundo de surpresa – inclusive Ivano, que ficou de fora da lista final. O vêneto vinha sendo utilizado por Bearzot, mas foi preterido de última hora e só soube da decisão do técnico quando a imprensa informou os convocados para a população. Anos depois, o treinador pediu desculpas para o veterano, que ficara chateado com a ausência de conversa.

Naquele momento, Ivano vinha de três ótimas campanhas pela Sampdoria. Titularíssimo no gol blucerchiato, Bordon auxiliou o time a ter desempenho regular na Serie A e, principalmente, na conquista do primeiro título da sua era de ouro. Em 1984-85, em mais uma parceria do goleiro com Bersellini, a equipe genovesa faturou a Coppa Italia – e, na temporada seguinte, foi vice da competição. O arqueiro vêneto acumulou 129 jogos pelo clube e, aos 35 anos, não renovou o seu contrato.

Como se tivesse sido atropelado por certezas que não se concretizaram, Bordon ficou sem Copa do Mundo e sem clube no verão de 1986. Acabou não arranjando vaga em nenhuma equipe da elite e, para não ficar sem ritmo de jogo, topou disputar a Serie C2 com a Sanremese, também da Ligúria. Ivano participou da campanha do rebaixamento dos matuziani para a quinta divisão, mas acabou sendo contratado pelo Brescia, que disputava a segunda categoria. O goleiro disputou dois campeonatos pelos lombardos e não obteve o acesso ao Olimpo do futebol nacional. Assim, decidiu se aposentar, aos 38 anos, em 1989.

Ivano passou algum tempo fora do futebol e, em 1993, começou a trabalhar como preparador de goleiros, integrando o estafe de Azeglio Vicini na Udinese. No ano seguinte, foi convidado por Marcello Lippi para trabalhar na Juventus e foi essencial para a evolução de Angelo Peruzzi. Bordon esteve presente nas nove conquistas do clube de Turim entre 1994 e 1999.

Na Sampdoria, Bordon teve seus últimos momentos na elite italiana (Arquivo/UC Sampdoria)

O sucesso no Piemonte fez com que Bordon e Lippi estabelecessem uma parceria duradoura. O ex-goleiro acompanhou o técnico quando este assinou com a Inter, em 1999, e também em seu segundo ciclo na Juventus – ocasião em que somou mais dois títulos. Finalmente, em 2004, Ivano seguiu o técnico toscano rumo à seleção italiana, onde treinou goleiros como Gianluigi Buffon, Marco Amelia e o próprio Peruzzi.

Ivano fez um trabalho importante e, sem dúvidas, contribuiu para que a Nazionale se saísse vitoriosa na Copa do Mundo de 2006. Com méritos, se tornou o quinto italiano bicampeão mundial e o único a obter o feito dentro e fora dos gramados. Por causa disso, Bordon foi consagrado com o Panchina d’Oro, num prêmio especial concedido pela Federação Italiana de futebol – FIGC.

Detentor de tantas glórias em sua carreira, Bordon decidiu se aposentar como preparador de goleiros logo após o título de 2006: tinha 55 anos e lenha para queimar, mas já estava satisfeito com o que conquistara. Fora do mundo do futebol, Ivano manteve o estilo discreto e só dá as caras quando é entrevistado para opinar sobre a Inter. Em 2020, prestes a completar sete décadas de vida, o ex-arqueiro decidiu lançou sua biografia, chamada In Presa Alta, em colaboração com o jornalista Jacopo Della Palma.

Ivano Bordon
Nascimento: 13 de abril de 1951, em Marghera, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Inter (1969-83), Sampdoria (1983-86), Sanremese (1986-87) e Brescia (1987-89)
Títulos: Campeonato Primavera (1969), Copa Viareggio (1971), Serie A (1971 e 1980), Coppa Italia (1978, 1982 e 1985) e Copa do Mundo (1982)
Seleção italiana: 22 jogos e 20 gols sofridos

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